Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

terça-feira, julho 19, 2011

Raio-x da final do Mundial Feminino

O raio-x da final entre Estados Unidos e Japão e o porquê de Brasil e Alemanha não terem chegado lá

Enquanto asiáticas exploram a posse de bola e os lançamentos no lado oposto, com marcação pressing no meio-campo, norte-americanas apostam na variação e nas bolas paradas
Márcia Oliveira*

Em julho é verão na Alemanha, mas em 2011 o tempo está mais para chá quentinho do que para cerveja para os habitantes locais. Particularmente, as minhas bebidas favoritas são chá e café com leite. Deixo a cerveja para os alemães, que não dispensam a bebida mesmo com um pouco de frio. Eles e seus visitantes também virão mudanças nas previsões da final, como também no tempo. Em vez de Alemanha e Brasil, como eles queriam, verão Estados Unidos e Japão.

Acompanhei essa Copa do Mundo de futebol feminino com um grupo de técnicos dos EUA da NSCAA (National Soccer Coach Association of America). Nós ficamos hospedados em uma famosa escola de futebol, em que os grandes nomes da seleção alemã masculina faziam treinamentos antes dos Mundiais. Hoje, o local dá vaga aos cursos para treinadores do mundo inteiro.




Na entrada da Hennef Sportschule, a escola de técnicos associada com a DFB, a Federação Alemã de Futebol

Os alemães mantêm a sua paixão e o investimento no futebol, agora mais ainda no feminino. Nomes como Margrat Kratz, ex-jogadora da seleção alemã, fizeram cursos profissionais de futebol nesta escola - ela foi uma das scouting para o time da Alemanha nesta Copa.

Os EUA e o Japão fazem a final quando ambos perderam um jogo na fase dos grupos e terminaram em segundo; o primeiro perdeu para a Suécia, e o último para a Inglaterra.

O Brasil não passou das quartas de final, perdendo para os EUA nos pênaltis, depois de deixar as rivais empatarem no último minuto da prorrogação, tendo a vantagem de jogar com uma jogadora a mais.

Diferentemente das últimas competições internacionais (de 2004 a 2008), as brasileiras jogaram mais defensivamente, explorando as arrancadas de Marta e Cristiane, e continuando a mostrar grande vantagem técnica individual com outras atletas.

A condição tática teve muitas críticas da imprensa e de técnicos, e vai precisar de melhor aplicação e incentivo.

Já a Alemanha teve um time forte física e taticamente, usando o “sistema do momento”, 4-2-3-1. Tinha seus altos e baixos, mas conseguia manter o nível de jogo e saía ganhando. Perdeu para o Japão em jogo surpreendente nas quartas de final, em que o adversário foi inabalável defensivamente e aplicado quando conseguia atacar.

As asiáticas marcaram o gol na prorrogação, que mandou a Alemanha para casa, na própria casa. O país ficou chocado e só depois de ver o Japão ganhar da Suécia para estar na final que passou a reconhecer que caiu para um grande time. A treinadora Silvia Neid já renovou o seu contrato com a federação alemã.

Os EUA têm uma forte renovação e oscilaram na competição. Antes de chegar ao Mundial, a equipe teve que ir à repescagem para se classificar em jogo contra a Itália, após perder a classificação para o México na Concacaf.

Mesmo assim, os EUA têm crescido na competição, pois mantêm uma filosofia clara de atuação e jogadas bem elaboradas. Há setores bem definidos que fazem as jogadas e marcam no sistema de “pressing” (na maioria das vezes no meio do campo).

A jogada do gol contra o Brasil (o único gol feito por uma jogadora dos EUA, já que o outro gol foi contra) é bem conhecida: Rapinoe faz o lançamento para a atacante Wambach, que entra na diagonal oposta.

Aqui estão alguns pontos de jogadas e do sistema dos EUA.
 

Sistema: 4-4-2 transicionando para 4-3-3



 

Variação de jogadas




Bola saindo da goleira, com opções de jogadas das atacantes e meio-campistas; bola saindo do meio com ultrapassagem da lateral.




Jogada mais utilizada, partido do meio-campo para a diagonal oposta; na maioria das vezes para Wambach cabecear, como no gol contra o Brasil




EUA “pressing” – No campo do adversário, com opção de roubar a bola e virar o jogo logo em seguida para a diagonal oposta.



 




Uma das jogadas de escanteio com intuito maior de servir #20 Wambach




Inicio de jogadas da lateral dos EUA. Esse tipo de lance deu certo 
contra o Brasil, levando a decisão para as penalidades máximas


 

O Japão, com a sua posse de bola (60% no jogo contra a Suécia) e disciplina tática, usa um sistema 4-4-2 diferente dos EUA. Assim que rouba a bola dentro do seu sistema imediato de “pressing” (no meio-campo), mantém a posse com paciência e precisão para fazer lançamento no lado oposto.




Sistema do Japão 4-4-2 com diagonais no meio-campo. A opção geralmente é o lançamento no lado oposto, mas varia para o menos óbvio, do mesmo lado




Marcação do “pressing” do Japão com deslocamento da lateral do mesmo lado da bola. Elas variam o “pressing” no campo do adversário e no meio, mas sempre defendem na intermediária





Jogo do Japão em Frankfurt, contra a Suécia; equipe pronta para defender no seu sistema de “pressing” no meio-campo

 

O que esperamos ver? Um Japão disciplinado e um Estados Unidos aguerrido com diversas opções de jogadas além da sua força física. Dois times que cresceram na competição e um planejamento impecável da sua programação com o futebol feminino em seus respectivos países.

Os EUA, apesar da crise financeira, têm um sistema de infraestrutura colocando jogadoras novas todos os anos e com mais potenciais vindas das universidades de primeira divisão. O país tem 320 universidades com futebol feminino. Ainda por cima, uma liga profissional que está lutando para se fixar, pois foi efetivada em meio à crise financeira mundial.

O Japão tem adaptado a filosofia de jogo do futebol brasileiro há bastante tempo e tem um planejamento bem estruturado nos últimos oito anos. O ex-técnico da seleção brasileira feminina, Jorge Barcellos, trabalhou por lá como técnico antes de comandar a equipe em 2007 e 2008, com resultados de vice-campeão mundial e medalha de prata nas Olimpíadas.

O maior ganhador deste torneio é o futebol feminino mundial. Apesar de ter apenas um dos favoritos para o titulo na final (EUA), percebeu bons valores nos outros três finalistas - França, Suécia e Japão. Eles deram uma grande amostra de que o nível do futebol feminino em outras partes do mundo está crescendo e tem suporte. E o nível deste Mundial melhorou muito.

Daqui para frente, países como o Brasil, que investe pouco na estrutura do futebol feminino, pode ficar ainda mais para trás.

Em entrevista para o site da Fifa, a ex-técnica da Alemanha em 2003, Tina Theune, hoje na comissão de estudos técnicos, disse que os resultados apertados e o grande número de jogos tensos sem ganhador claro, demonstraram que o futebol feminino tem aumentado o seu nível, com mais times em condições de títulos que antes. Principalmente nas quartas de final. Talvez já seja hora de aumentar o número de participantes de 16 para 24, afirmou ela.

Por outro lado, o que move e dá o suporte ao futebol foram recordes de telespectadores e torcedores nos estádios. O jogo da semifinal entre Japão e Suécia alcançou 45 mil fãs pagantes. E esse jogo não tinha o país anfitrião em ação...

O povo alemão ainda continuou indo aos estádios, vestindo suas camisas, seus chapéus, e mostrando em pinturas a bandeira germânica, mesmo sabendo que o seu país não estava mais jogando. Isso é que é paixão pelo futebol. Mesmo que seja feminino.

Tudo de bom, “Alles Gute!”.

*Márcia Oliveira é treinadora de futebol nos Estados Unidos. Conheça mais as ideias dela clicando aqui.

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