Jogadores, responsáveis pelas tarefas em campo, deveriam ter as responsabilidades que lhes cabem, em espaços e funções de um modelo de jogo que transcende a importância das individualidadesRicardo Drubscky / Universidade do Futebol
Salta aos olhos: o futebol brasileiro carece de táticas que organizem o seu jogo!
Há alguns anos estamos praticando um futebol ansioso, solto e amorfo. Em um jogo, essencialmente coletivo, costumamos responsabilizar individualmente cada jogador por todas as consequências do campo. O protagonista do jogo coletivo, que deveria ser o conjunto das táticas, passou a ser a cabeça e os pés das individualidades.
Não há sincronia de ações coletivas regida por uma ideia de jogo. Somos mais uma soma de individualidades em campo, o que é muito diferente.
Os jogadores, responsáveis pelas tarefas em campo, deveriam ter as responsabilidades que lhes cabem, em espaços e funções de um modelo de jogo que transcende a importância das individualidades. A qualidade com que cada jogador executar suas tarefas dará o destaque individual que merece. Os craques serão sempre craques, mesmo jogando taticamente o jogo.
Na forma de jogar do brasileiro assistimos a um constante empurrar de bola para frente na expectativa de que o homem que a recebe resolva os problemas da equipe. Quando se tenta fazer posse de bola, lateralizando o jogo em busca de melhores caminhos para o ataque, achamos que estamos fazendo um jogo sem objetividade. E tome vaias e críticas!
Se assim continuar, quando aprenderemos as lições do Barcelona? Esta pergunta sempre terá de vir às nossas mentes para que nos atentemos às necessidades do nosso jogo.
É incrível como adormecemos quanto às demandas táticas do jogo! O processo foi se desencadeando de tal forma que hoje é preciso retomar as lições lá do começo. As individualidades brasileiras foram assumindo importância singular num jogo que deveria primar pelas ações coletivas.
Nós nos perdemos na paixão pela plástica dos lances individuais e ansiedade pelo jogo ofensivo, o que nos afastou da essência do jogo. Talvez, não sei se estou certo, o desdenho às táticas tenha se assumido quando o Brasil começou a entender e aplicar táticas com o intuito de marcar o jogo. O fenômeno “enfeiou” e burocratizou tanto o jogo brasileiro que o repúdio às táticas foi geral.
O contraveneno que apresentamos foi, aos poucos, dar liberdade irresponsável ao jogo e aos jogadores. Os treinadores, pressionados cada vez mais, optaram por “soltar suas equipes” ao ataque. Aos poucos, estes mesmos treinadores foram perdendo o “controle” do jogo e a responsabilidade em construí-lo. Nós nos limitamos a escalar nossas equipes em sistemas táticos temporões – às vezes dura um jogo, às vezes meio tempo, em busca do encaixe do “onze”. Se não der certo a culpa é do sistema ou dos jogadores.
E a dinâmica do jogo? Quem constrói? Não seria o treinador? Talvez, por isso mesmo, as táticas coletivas aparecem muito superficialmente em nosso jogo.
O interessante nesse estado de coisas é que os treinadores, a crítica e toda a comunidade da bola em geral sabem idealizar um jogo de qualidade. O pior é que ainda não conseguimos transformar este ideal em realidade. O peso cultural que este vício adquiriu é muito grande. Não está sendo fácil sair desta fase, mesmo porque existem fatores extracampo muito particulares que também interferem no nosso jogo.
Por tudo isso, uma importante alternativa de qualidade para o jogo brasileiro pode ser começar a dar crédito às táticas que o constroem com a certeza que o jogo com elas é mais eficiente (bem jogado) e eficaz (com resultado).
Precisamos desmistificar a importância das táticas como sendo só argumento de marcação para o jogo. São tão ricas para defender quanto para atacar. Posse de bola ofensiva, ataque com as linhas compactadas, triangulações, ultrapassagens, ações de contra-ataque, dentre muitos outros, são argumentos táticos ofensivos treináveis e que devem fazer parte de um jogo organizado. Vide o Barcelona e outras grandes equipes mundiais que empregam muito bem estes conceitos de ataque. A Eurocopa nos deu ótimas mostras destes argumentos.
Organizar as táticas do jogo não significa negligenciar os outros conteúdos que o compõem. Para que isso não ocorra, basta que tenhamos a verdadeira dimensão do que demanda o desenvolvimento do talento e do jogo nas várias categorias de competição.
A partir dos 12 anos de idade em média, até os 18 anos, também limite médio, o desenvolvimento do jogo e dos jogadores requisitam um foco de conteúdos. A partir dos 18 anos o foco é outro. Enquanto para a primeira faixa etária as táticas individuais e de grupo são prioridade, para a segunda as táticas coletivas são as mais necessárias. Todas, em conjunto, compõem grande parte das exigências táticas do jogo, mas quanto ao foco de desenvolvimento é importante e necessário haver esta distinção. Jogadores e equipes se completarão em suas necessidades de formação ao final do processo.
Mas o que seriam táticas individuais, de grupo e coletivas? Sintetizando neste pequeno espaço, eu poderia dizer que seriam as “tomadas de decisões” individuais, em grupo e coletivas (acima da relação do 3X3 - convenção) que os jogadores e ou equipes assumem nas situações que o jogo oferece.
Nos vários espaços do campo e circunstâncias do jogo: o que fazer? Como fazer? Quando fazer? Por que fazer? Estas são tarefas sistematizáveis e desenvolvidas em treinamentos inteligentemente programados. Todas fazendo parte de um modelo de jogo especificamente.
Assim como para fazer um bolo existe a receita, para jogar o jogo é preciso regras. Quais seriam os princípios e ou conceitos táticos que regem o jogo de futebol? Jogar compacto, abrir espaços para atacar, agrupar para defender, usar os flancos, explorar a troca de passes, dentre muitos outros, são regras e ou leis que constroem o jogo de futebol. Portanto, é óbvio que os conteúdos e métodos de treinamentos deverão ser norteados por estes conceitos.
E será que somente os conteúdos táticos desenvolveriam o jogo de futebol? Eu diria que sim! Se o fizermos sob a metodologia do treinamento global, já falamos nisso em resenhas anteriores, o “pacote do desenvolvimento das táticas” trabalhará também os conteúdos físico, técnico e psicológico. O treinar em forma de jogo tem este poder.
Atenção: não vamos encher a semana com “joguinhos” em forma de treino, que não resolve muita coisa. É preciso haver sintonia entre o treino e a “coisa” a ser desenvolvida, relacionando os dois com o jogo (11X11) propriamente dito. Quando se fala em treinamento, não sei dizer o que seria mais importante: o conteúdo tático a ser treinado ou a forma com que o desenvolvemos!
O assunto é muito vasto e conectado a várias circunstâncias, por isso a cada encontro abordaremos detalhes diferentes. Não abro mão das táticas no jogo das equipes que dirijo. Ao contrário do que muita gente pensa e fala, isso só facilita o trabalho e a fluência do jogo. As táticas, quando bem aplicadas, transmitem inteligência e organização ao jogo. O futebol brasileiro precisa aprender isso, com urgência!
Nós, treinadores, temos a importante missão de começar a fazer as coisas acontecerem em campo para disseminá-las à comunidade esportiva. Nossa principal função, no quesito armação das equipes adultas, é dar sincronia às ações de campo com o emprego, principalmente, das táticas coletivas. Nossos times têm de agir coletivamente e não dependentes única e exclusivamente das individualidades.
Nas categorias de base, as táticas individuais e de grupo prepararão os jogadores e setores do time para o jogo coletivo inteligente e eficaz no futuro. Assim fazendo, nossos craques estarão mais seguros para aflorarem seus talentos. E pode parecer contraditório, mas o jogo jogado coletivamente faz brilhar a luz do talento individual com mais intensidade!
Até a próxima resenha.
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Benê Lima