Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

terça-feira, julho 16, 2013

Clubes brasileiros deixam paixão de lado e profissionalizam gestão

Para administrar orçamentos cada vez maiores, equipes convocam administradores profissionais para comandar suas rotinas

Clubes brasileiros deixam paixão de lado e profissionalizam gestão Ilustração/Arte ZH
Foto: Ilustração / Arte ZH

Dinheiro, dinheiro, cada vez mais dinheiro — é complicado lidar com ele. Não faz muito tempo, dirigir um clube de futebol se limitava a administrar um grupo de jogadores e um estádio que, no frigir dos ovos, não passava de um gramado com arquibancadas. O orçamento nem variava muito de clube para clube.

Agora, o esquema mudou: ou o presidente aprende a gerenciar verbas milionárias de TV, publicidade, direitos de imagem, naming rights, investidores, minishopping, praça de alimentação, estacionamento, compra e venda de jogadores caríssimos, ou seu clube será esmagado inclusive dentro de campo.

A saída? Menos paixão, mais profissionalismo. Com exceção do presidente, perdem espaço os tradicionais dirigentes políticos, aqueles não remunerados, companheiros de chapa que assumem diretorias muito mais na condição de torcedores do que de especialistas. E ganham força os executivos, contratados a peso de ouro para botar ordem na casa.

— Os dirigentes sem salário exercem outras profissões, não conseguem se dedicar integralmente ao clube. E, de um modo geral, não têm uma formação voltada ao esporte ou à gestão. São premissas fundamentais desde que o futebol passou a conviver com recursos consideráveis — diz o badalado CEO (sigla para chief executive officer, em inglês) do Palmeiras, José Carlos Brunoro.

A figura do CEO, bem como a do executivo de futebol e a do gestor de arena, são as novidades mais evidentes de um modelo que há anos avança na Europa — e que aqui ainda engatinha. Não é à toa que os clubes de lá dão show nos brasileiros. Enquanto os times da Inglaterra faturam R$ 9,4 bilhões por ano e os da Espanha arrecadam R$ 6,3 bilhões, o Brasil aparece em sexto lugar no ranking da Pluri Consultoria, com uma arrecadação anual de R$ 3,1 bilhões.

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Muito do sucesso europeu deve-se à capacidade de atrair torcedores, o que resulta em dinheiro para estruturar bons times. Na Alemanha, a média de público por jogo nos estádios é de 42 mil pessoas — o Brasil amarga o 18º lugar nessa lista, atrás de Austrália, Ucrânia e Turquia, com menos de 13 mil espectadores por partida.

— O Brasil é uma das maiores economias do mundo e tem uma tradição incontestável nesse esporte. A única explicação para estarmos no segundo escalão do futebol mundial é a ineficiência da gestão — afirma Fernando Ferreira, sócio diretor da Pluri.

É cultural esse atraso brasileiro. Ferreira ressalta que, nos clubes de futebol, a maneira de se estruturar ainda é muito semelhante à da política nacional: ministros da Agricultura, da Pesca ou da Previdência jamais lidaram diretamente com esses setores, conquistaram seus cargos por indicação. No meio futebolístico, é comum ver médico dirigindo departamento de marketing, desembargador como gerente de futebol.

— Um jornalista integra a chapa do presidente e vira diretor de patrimônio. Mas que diabos o sujeito entende de patrimônio? — questiona o consultor.

É um modelo com dias contados — o mercado exibe transformações. Por quatro décadas o Brasil apresentou dificuldades para formar gestores nos mais variados segmentos, e de pouco tempo para cá os cursos de capacitação eclodiram. Hora de correr atrás da máquina.


Em 2012, o faturamento dos clubes brasileiros somava
R$ 1,53 bilhão, um crescimento de 102% em cinco anos


Dedicação exclusiva

Quando chegou ao Coritiba em 2010, o diretor-executivo Felipe Ximenes tinha a missão de reerguer um clube em frangalhos, afundado na Série B, com míseros 2,5 mil sócios contribuindo. Três anos depois, Ximenes recebe propostas dos maiores clubes do país.

Em sua gestão, o time paranaense subiu para a primeira divisão, foi tetracampeão estadual, chegou a duas finais da Copa do Brasil, entrou para o Guinness com o maior número de vitórias consecutivas da história do futebol — foram 24 em 2011 — e hoje usufrui de 33 mil sócios.

— Preferi continuar no Coritiba porque, quando você prega um trabalho de médio e longo prazo, é importante cumprir o que disse — afirma Ximenes, em um discurso que contribui para sua credibilidade no mercado.

Sua primeira decisão no clube do Paraná foi colocar a categoria sub-20 a treinar no mesmo horário e no mesmo local dos profissionais. A medida facilitou a integração entres os dois elencos — os mais jovens, quando ingressavam no time principal, eram recebidos sem resistência pelos veteranos.

Hoje, 40% do plantel é formado por jogadores da base, e a meta é atingir 60% em 2016. Com isso, a folha de pagamento diminui, o clube mantém a maior parte dos direitos econômicos sobre os atletas e, principalmente, o time forma jogadores comprometidos com a história e a filosofia do clube. A maior atribuição de um executivo de futebol é enxergar o que só um qualificado gestor de pessoas — e de negócios — é capaz.

Executivo de futebol do Grêmio, Rui Costa revela que a contratação do chileno Eduardo Vargas tem outros interesses além do futebol veloz do atacante. Um grupo de investidores do Chile negocia um aporte financeiro expressivo no Grêmio — o interesse ocorre porque Vargas está próximo dos consumidores de Porto Alegre.

Newton Drummond, que ocupa o mesmo cargo no Inter, revela que o contrato dos jogadores já inclui metas de produtividade. Atacantes ganham aumento no salário se cumprirem metas de gol, zagueiros precisam estar no elenco principal em pelo menos 60% dos jogos em um ano.

O executivo de futebol

Principais funções: prospectar jogadores, criar estratégias e chefiar a comissão técnica
Remuneração: entre R$ 80 mil e R$ 200 mil


Planejar e executar

No Palmeiras, José Carlos Brunoro manda em tudo — só não manda na área financeira, prefere que outro CEO cuide especificamente dessa parte. Modesto, ele diz que o presidente é quem manda, que os diretores políticos jamais atuam como figuram decorativas.

Mas a verdade é que, em três meses, após cair para a Segunda Divisão, o Palmeiras saltou de 8 mil para 25 mil sócios com Brunoro cobrando metas de quatro diretorias, inclusive — e especialmente — a de futebol. O clube foi atrás de jogadores com perfil combativo e manteve diariamente conversas com cada um dos atletas, em separado:

— Esclarecemos que o momento financeiro era difícil e que, se não éramos a equipe mais charmosa tecnicamente, precisávamos passar à torcida um espírito muito aguerrido. Todos os profissionais do vestiário, de massagistas a nutricionistas, foram envolvidos nesse discurso. Ainda é rara nos clubes brasileiros a presença do CEO, que executa as decisões da presidência e monitora prazos para o cumprimento de objetivos em todos os setores.

O problema é que a resistência dos figurões políticos, líderes das chapas que comandam os clubes, nem sempre é quebrada. Um caso ilustrativo é o ex-secretário da Fazenda Aod Cunha, contratado pelo Inter em 2011 para implantar uma moderna gestão de negócios. Em poucas semanas, deixou o clube devido à falta de autonomia que acabou enfrentando.

— Aos poucos, vão crescendo os CEOs no Brasil. E onde eles conseguem trabalhar o clube avança. Dentro de um ano, esses profissionais estarão disseminados — prevê o consultor esportivo Fernando Ferreira.

O CEO

Principais funções: 
executar decisões da presidência, cobrar metas, administrar diretores
Remuneração: entre R$ 80 mil e R$ 100 mil




Patrimônio rentável

Presidente da Arena Porto-Alegrense, o engenheiro Eduardo Pinto avalia propostas de churrascarias do Brasil inteiro — uma delas construirá seu restaurante logo acima do setor da Geral, no estádio do Grêmio. Os camarotes, no próximo semestre, começarão a funcionar como escritórios com portaria e recepção 24 horas por dia. E lojas de primeira linha vão aparecer em seguida nos corredores atrás das arquibancadas Em resumo, a arena gremista mal começou a operar como Eduardo Pinto imagina:

— Esse estádio custou R$ 630 milhões, não pode ser utilizado apenas em 40 jogos no ano. Precisamos de outras finalidades que contribuam para a rentabilidade do projeto e que aproximem mais o torcedor do clube.

É essa a tendência de norte a sul no Brasil inteiro. Graças à Copa do Mundo, as chamadas arenas multiuso substituem os antigos estádios que meramente recebiam jogos — e, para administrar esses equipamentos gigantes, nenhum clube dará conta sozinho.

Marcelo Flores, presidente da Brio — empresa responsável pela gestão do futuro Beira-Rio — antes trabalhava na administração do Engenhão, onde negociava a instalação de uma universidade com 5 mil alunos no complexo do estádio. Um posto de gasolina, um drive-thru e uma fábrica de gelos para abastecer os restaurantes do Engenhão também avançavam sob o seu comando.

— Não se admitirá mais o cachorro-quente frio e o refrigerante quente em estádio. Um serviço de shopping center requer uma administração altamente profissional.


 

O gestor de arenas

Principais funções: 
atrair publicidade, fechar parceria com empresas, administrar a manutenção do estádio
Remuneração: entre R$ 20 mil e R$ 40 mil

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