Aos 31 anos, o técnico mais jovem do país assiste a jogos de futebol disfarçado e investe em estudos para conseguir, no banco, o sucesso que não teve como atleta
Por Marcos Sergio Silva, da PLACAR
No Paraná Clube, virou um técnico cobiçado – recebeu sondagens de Santos e Náutico. “A gente já tentou trazê-lo quando jogamos contra ele, ainda no Luverdense, na Copa do Brasil do ano passado. Ali já vimos que ele tinha um trabalho diferente. Eu trabalho aqui há 43 anos e não me lembro de um técnico tão novo. O Dado é um estudioso. Temos um projeto de longo prazo para ele”, diz o vice-presidente do Paraná, Luiz Carlos Casagrande. Dado é adepto de treinos curtos e intensos. Prefere trabalhos específicos a gastar tempo com coletivos. Ele faz as contas: “Jairo Santos, auxiliar de Carlos Alberto Parreira, cronometrou o tempo do jogador com a bola. O Pelé, na Copa de 1970, passava 4 minutos por jogo. Romário, em 1994, 1 minuto e 40 segundos. Um atleta que passa 3 minutos com a bola, se eu fizer coletivo de 45 minutos cinco dias na semana, vai pegar a bola 7 minutos e meio. Então eu potencializo isso. Se é atacante, vou trabalhar a especificidade. Se eu vou fazer coletivo, ganho entrosamento, mas nunca vou evoluir tecnicamente”. Esse sistema tem um nome: periodização tática, um método elaborado em 1989 pelo português Victor Frade. A prática, de modo bem simplificado, consiste em dar treinamentos com base apenas no que acontece em campo — uma teoria bastante complicada de colocar em funcionamento, pois não existem situações que não sejam com a bola e em situações de jogo. “Eu uso apenas os princípios, porque a periodização na íntegra é problemática. Ela abomina qualquer outro treinamento que não seja com futebol. Aqui no Brasil é meio utópico. Ainda falta conhecimento.” O trabalho no Paraná Clube é o décimo da carreira de Cavalcanti. Dado consegue ser mais novo que os atletas que treina. Na Vila Capanema, existem dois casos: o meia Lúcio Flávio, 34 anos, e o zagueiro Anderson, 33. “É uma pessoa que entende muito de futebol”, diz Anderson, zagueiro que se destacou no Corinthians de Carlos Alberto Parreira, em 2002. “Ele é um dos melhores com quem já trabalhei. Ele enxerga o jogo mais na organização e exige bastante da parte tática. Outros treinadores deixam passar batido. Ele joga como um treinador europeu, bem diferente do brasileiro.” Esta, no entanto, é apenas a segunda experiência com contrato assinado — a primeira foi no Mogi Mirim. Nos outros clubes, só existia um acordo verbal, que podia ser desfeito a qualquer hora, sob o risco de não receber salários. Ele afirma, porém, que teve sorte. Dos dez clubes, só Santa Cruz-PE e América-RN não honraram as dívidas, embora o técnico não guarde mágoas. “Eu não exigia contrato porque queria estar lá, treinando os clubes”, afirma o técnico. “Quando saí do Santa Cruz, em 2011, recebi uma oferta do América de Natal. Saí de Recife com a mala no carro. Se acertasse, ficava. Falei para a minha família: vou para Natal. ‘E volta quando?’ Não sei.” A pouca idade impõe desafios duros. “Eu não posso parar”, diz. “Um amigo, treinador também, falou: treinador bom é treinador rico. Pô, como assim? O treinador rico, o cara que tem dinheiro no bolso, ele pode se dar ao luxo de ficar um ou dois anos sem trabalhar. E fazer o que ele quiser. E eu não posso isso. Eu me casei neste ano. Eu estou comprando meu apartamento, eu tenho minhas dívidas. Não posso me dar ao luxo de parar seis meses sem ter uma receita.” Treinar uma equipe de futebol nunca foi o sonho de Luiz Eduardo Cavalcanti. Quando jovem, seu pai, vendedor, queria que fosse médico. Optou por cursar educação física quando já atuava na base do Náutico como lateral-esquerdo. “Minha meta era ser atleta profissional. No mirim, no infantil, sempre fui destaque e jogava sempre uma categoria acima. Assinei meu primeiro contrato profissional no Santa Cruz e depois fui para o Náutico. Mas, na sub-20, comecei a perder espaço. Nunca fui um jogador rápido. E a minha lentidão é genética.” Com 21 anos, em 2003, e a idade estourada para a base, foi avaliado pelo então treinador do Timbu, Muricy Ramalho. “Eu me lembro do treinamento, mas certamente ele [Muricy] não se lembra de mim. No fm, ele disse que não iria me utilizar. Isso fcou marcado”, diz. “Mas não sou um jogador de futebol frustrado. Eu sou um ex-atleta. Ponto.” Começava aí uma peregrinação pelas categorias de base das três grandes equipes de Recife, que só seria encerrada em 2006, quando recebeu o convite para ser auxiliar-técnico de Gustavo Zloccowick, atual técnico da seleção de futebol de areia do Bahrein, na Ulbra de Rondônia. “Muita gente me amedrontou. ‘Vai fazer o que lá? Você trabalha no Sport. O Sport é o Flamengo do Nordeste.’ Eu fechei os olhos e fui. Com 30 dias de trabalho, o Guga recebeu uma proposta para treinar a seleção de beach soccer da Rússia e aceitou. Conversei com a direção e falaram para assumir como técnico. Tinha 24 anos. Chorei pra caramba. Voltar seria uma derrota. Você tentar e não conseguir é uma coisa; desistir é outra. A média de idade da equipe era seis meses maior que a minha idade. Meu pai disse: ‘Fica’. Fizemos um bom torneio e fomos campeões.” Em sete anos de trabalho, Dado agregou experiência e repertório, aliando esse conhecimento ao uso recorrente de tecnologia. No Mogi Mirim, teve o auxílio da Unicamp, que testou em seus atletas um sistema GPS que registrava informações de velocidade e deslocamento durante o Campeonato Paulista. Mas é nos vídeos que o técnico aprende e ensina mais. Ele e o auxiliar gravam lances das partidas de seu time e de seus adversários com um iPad. Com as imagens nas mãos, procura acertar o posicionamento dos atletas — e individualmente, para acelerar o aprendizado e poupar os mais experientes e formados de conversas que pouco acrescentam. Usa softwares, scouts (contagem de ações de uma partida) e anda pelo gramado nos treinamentos com uma prancheta com um campo de futebol estilizado. “O processo de correção das deficiências pelas imagens é muito mais eficiente — e o meu lado acadêmico facilita isso. Se alguém falar que fulano anda mancando, eu não vou acreditar. Só se eu olhar a imagem. É esse o processo de feedback que uso no trabalho”, diz. Parte das informações ele usa ainda durante a partida, no intervalo. São 5 minutos para coletar e organizar as informações, outros 5 de conversa com os auxiliares e a última parte repassando as informações para os jogadores que vão voltar ao gramado. Para Dado, quem mais evoluiu com esse sistema no Mogi Mirim foi o atacante Henrique, atualmente no Santos. “Nós pegamos todos os jogos. Em vez de eu mostrar os problemas em cada jogo, no meio da competição, eu chamei o analista de desempenho e fiz um vídeo só para ele. Foram 8 minutos. A gente não só colocou os defeitos, mas as qualidades também.” “Ele soube analisar meus pontos fracos, minhas deficiências”, diz o atacante santista. “Quando cheguei, ele disse que, se eu investisse em aprimorar as minhas qualidades, estaria em um clube da série A.” O treinador assiste a jogos nos estádios sempre que possível. Mas, com a exposição cada vez maior, teme ser reconhecido. O último que viu foi Atlético-PR x Cruzeiro, na Vila Olímpica, em Curitiba. Em Recife, ia disfarçado, ainda que não funcione sempre. “Fui à Ilha do Retiro de bermuda, tênis e uma camisa na cabeça. Parecia um ninja. Na porta, o policial olhou pra mim: ‘Professor Dado? Tira a camisa da cabeça porque vão achar que é um marginal’.” O técnico tem sonhos, embora não os exponha. Quer treinar um clube de série A, mas sabe que antes deve cumprir seus trabalhos — como levar adiante o projeto de o Paraná Clube subir para a série A do Brasileirão. Essas metas não incluem, no entanto, treinar a seleção. Para ele, seria a antítese da carreira que ele construiu até agora. “Teve uma enchente em Recife, e Ricardo Rocha e Juninho Pernambucano fizeram um jogo beneficente. Eu me senti técnico da seleção brasileira. Fiz umas substituições e foi só. Seleção é isso. Esse tipo de situação não me enche os olhos. Eu quero continuar a fazer o que mais gosto: dar treino.” AS APOSTAS DO PARANÁ Com orçamento curto, clube procura técnicos promissores – e não se arrepende Ex-jogador do clube, começou a carreira na Vila Capanema. Voltou depois de um bom trabalho no Cianorte. Classificou o Paraná para a Libertadores em 2006. O sucesso no clube o levou para o Palmeiras. Só havia tido experiências nas categorias de base do Atlético-MG, no CRB e no Ipatinga antes de assinar com o Paraná, em 2010. Ganhou experiência e migrou para o Coritiba. Está hoje no Cruzeiro. Cria das categorias de base do Paraná Clube. Aposta do clube quando encerrou a carreira, em 2012. Pressionado pela diretoria, durou pouco no cargo, mas abriu caminho para a trajetória de treinador
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Benê Lima