Zé Mário defendeu os técnicos das seguidas demissões – Arquivo Em Tempo
Dono de uma carreira vitoriosa tanto como jogador quanto como treinador, Zé Mario agora atua fora das quatro linhas. Em entrevista exclusiva, o presidente da Federação Brasileira de Treinadores de Futebol (FBTF) deu detalhes sobre o trabalho desenvolvido à frente da entidade, defendeu os técnicos das seguidas demissões e apontou caminhos para que a troca no comando das equipes seja exceção, e não regra, como acontece atualmente.
PÓDIO – O senhor atualmente é o presidente da Federação Brasileira de Treinadores de Futebol (FBTF). Qual o objetivo e o trabalho desenvolvido por essa entidade?
Zé Mário – Queremos aprovar o projeto de lei que está em Brasília proposto pelo deputado José Rocha, da Bahia, que, entre outros benefícios para os treinadores e, por conseguinte, para o futebol brasileiro, pedimos que o contrato mínimo seja de seis meses, que tenhamos direito de arena como os atletas, já que também participamos ativamente do espetáculo, e que o clube só possa contratar outro treinador depois que pagar todos os direitos trabalhistas ao que está de saída. Sabemos que as demissões fazem parte de quem tem contrato. Isso serve para todas as profissões. Entretanto, na maioria das vezes, o profissional não recebe e fica em situação difícil, pois, muitas vezes, esse treinador mudou de cidade com a família, matriculou os filhos no colégio e, de uma hora para outra, tem que fazer toda essa transformação de volta para a sua cidade de origem e sem ter recebido.
PÓDIO – Já são 13 técnicos demitidos em apenas 16 rodadas disputadas no Campeonato Brasileiro. Números assustadores. O que pode ser feito para frear essa tendência no futebol nacional?
ZM – Enquanto os clubes não forem dirigidos por profissionais responsáveis, será muito difícil uma mudança nessa situação. Somos profissionais dirigidos por amadores apaixonados, que não têm nenhuma responsabilidade com a administração e as finanças dos clubes. Todos entram nas competições sem planejamento e sem ideia de onde podem chegar. Clubes pequenos ou grandes, no início do campeonato dão entrevistas como já fossem os futuros campeões brasileiros.
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PÓDIO – Neste ano, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) passou a registrar todos os contratos de trabalho dos técnicos de futebol. De que maneira isso pode contribuir com a melhoria da classe e da modalidade no cenário nacional?
ZM – Isso já era uma obrigação não cumprida desde 1993, quando foi aprovada a Lei do Treinador. Foi bom a CBF colocar essa obrigatoriedade no regulamento das competições, mas faltou a inclusão de que, para registrar outro treinador para sentar no banco de reservas de um jogo, o técnico anterior deveria dar a quitação das responsabilidades trabalhistas pela rescisão do contrato. Como a CBF não fez isso, a balbúrdia de demissão continuou juntamente com o não pagamento ao treinador demitido. O registro, mesmo assim, já foi um avanço.
PÓDIO – O senhor já teve a oportunidade de treinar equipes brasileiras e estrangeiras. É mais “tranquilo” trabalhar fora do país?
ZM – Todo lugar tem o seu problema, diferentes de um lugar para o outro, mas existem problemas. Só que na maioria dos outros lugares, principalmente no mundo árabe, onde atuei, o treinador demitido recebe seus direitos. Eu não posso reclamar, sempre fiz contrato e sempre recebi tudo que eu tinha direito aqui e no exterior. Sempre fiz contrato. Nunca trabalhei sem contrato. Ninguém me deve.
Zé disse que nunca trabalhou com contrato – Arquivo
PÓDIO – Essa sua experiência no exterior fez o senhor observar o trabalho e até a maneira como os técnicos são tratados no Brasil de uma outra forma?
ZM – Os treinadores no Brasil são tratados como pessoas que podem ser responsabilizadas por tudo de errado que acontece no clube. É a válvula de escape da má administração financeira e administrativa dos clubes. Não existe vitória sem jogador bom. O treinador não faz milagre. Se o clube não contrata bons jogadores, não pode exigir resultados positivos. Se o clube não paga os salários em dia, quem responde com isso é o treinador. Tudo é o treinador. Você já viu dirigente se demitir por mau resultado dentro do campo ou na administração?
PÓDIO – Na sua visão, por que os treinadores não conseguem ter uma sequência maior no comando dos clubes brasileiros?
ZM – O futebol é um esporte coletivo e com isso precisa de tempo para que dentro do campo os jogadores se conheçam melhor e saibam os defeitos e as virtudes de cada companheiro. Como um treinador ou os próprios jogadores vão se conhecer se a cada três meses saem vários jogadores e chegam vários outros novos? Isso é impossível. O treinador precisa de tempo para conhecer uma média de 25 a 30 jogadores que o clube tem, mais todo o pessoal de apoio que, nos clubes grandes, chega a 30 profissionais de várias áreas. E isso tudo quem comanda é o treinador. Como, em poucos meses, ou por três resultados negativos o treinador pode trabalhar a contento? Para piorar, existem os torcedores, a imprensa e os diretores, uns pressionando e outros pressionados, atrapalhando o trabalho.
PÓDIO – Temos visto uma mobilização muito grande, tanto por parte de jogadores quanto por parte de técnicos e executivos. Os debates são relacionados a calendário, estrutura dos clubes e uma série de outras coisas. Essa união entre as classes é o que pode mudar o cenário do futebol nacional?
ZM – Não vejo os executivos nessa tarefa. Não participam com a mesma ênfase que os atletas e treinadores. Você já viu executivo se demitir ou ser demitido por mau resultado? A união sempre é um fator muito grande de pressão. Estamos a caminho disso. Infelizmente, não nos deixam chegar nas presidências das entidades que dirigem o nosso futebol. Tenho certeza que temos muita gente boa que poderia ajudar muito. Um exemplo disso é o Mauro Silva, na Federação Paulista. Ele está fazendo um trabalho excepcional.
PÓDIO – Até que ponto as demissões são de responsabilidade dos clubes e até que ponto a culpa é do treinador?
ZM – Acredito que as demissões são de responsabilidade exclusiva dos dirigentes. Seja na falta de planejamento para o clube, para a competição, seja na hora da contratação do treinador, seja na busca por resultados impossíveis e assim por diante. A culpa dos treinadores está em aceitar treinar clubes que não têm a mínima condição de trabalho e, na hora da apresentação, aceitar o dirigente dizer que o trouxe para ganhar o título.
PÓDIO – Qual o atual cenário do futebol brasileiro em relação ao mercado de técnicos e o que pode ser melhorado?
ZM – Na CBF, constam quase 800 clubes profissionais. Na realidade, não existem 60 clubes profissionais no Brasil. A FBTF deu uma ideia para a CBF de fazer um caderno de obrigações para que um clube seja considerado profissional. Parece que a ideia está saindo do papel, vem com o nome de Licenciamento para Clube Profissional. Aí, sim, vamos ver quem pode se intitular profissional ou não. Muita gente acha que com isso vamos diminuir o mercado de trabalho. Não é verdade. Vamos diminuir o mercado de ilusão. Lembram do Vampeta: “Eles fingem que me pagam e eu finjo que jogo”. É isso aí. Como pode ser mercado de trabalho se só você tem obrigações? Na hora de pagar, não têm dinheiro. Na minha opinião, é mercado de ilusão e não mercado de trabalho. Quem não for considerado profissional vai ser amador. Existem no Brasil campeonatos amadores do mais alto nível, mas têm que ser considerados amadores.
André Tobias
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