Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, janeiro 14, 2012

Juliano Fernandes da Silva, professor da disciplina de metodologia do futebol na Universidade do Estado de Santa Catarina (CEFID-UDESC)

Doutorando fala do conceito de especificidade e futebol e ações do Laboratório de Esforço Físico-LAEF
Bruno Camarão

Toda metodologia vai apresentar vantagens e desvantagens, cabendo ao profissional escolher qual o método de ensino vai se enquadrar melhor a um objetivo particular. No caso do futebol brasileiro, em especial, o grande problema não é o aspecto metodológico em si, mas a falta de conhecimento dos gestores de campo sobre as diferentes possibilidades de etapas a seguir num determinado processo, as quais podem ser utilizadas nos variados escalões.

A avaliação acima é justamente de um professor da disciplina de metodologia desta modalidade que cursa o doutorado em Educação Física na área de Cineantropometria e desempenho humano. Juliano Fernandes da Silva tem a certeza de que, a partir de uma mescla de abordagens, aqueles que trabalham em escolinhas, categorias de base e equipes principais de excelência teriam mais êxito ao ensinarem e aperfeiçoarem a técnica dentro de um contexto de jogo, ao invés de focar somente a tática ou apenas a técnica.

Formado na Universidade Federal de Santa Catarina (CDS/UFSC), Juliano é membro do grupo de pesquisa do Laboratório de Esforço Físico (LAEF/CDS/UFSC), no qual estuda variáveis da fisiologia do exercício relacionadas à avaliação (aeróbia e anaeróbia) e treinamento de atletas de futebol e futsal.

“É preciso uma discussão urgente para o país recriar sua identidade futebolística, ou seja, o que temos, o que queremos e o que faremos para atingir estes objetivos. É importante saber que identidade brasileira é esta que “todo mundo” fala. Será que se referem a pegar a bola e sair driblando?”, questiona o professor.

Para ele, a discussão ligada ao desenvolvimento de novos atletas tem de ser ampla, mas também pontual; ou seja, cada clube precisa ter claro em todas as suas categorias de base o modelo de ensino de futebol. E não entende que o “tecnicismo” das escolinhas de futebol, algo apregoado em discussões acadêmicas e midiáticas, seja o vilão da história.

“Eu penso que a solução deste problema está na interação entre universidade, centros de formação e clubes, com as universidades formando profissionais capacitados para atuarem nesses locais e consequentemente alterando a situação atual de forma científica, e não apenas ficando dependente do empirismo”, elenca.

Nesta entrevista à Universidade do Futebol, Juliano fala mais sobre a sua trajetória, que passa, inclusive, por escolinhas de futebol e está concretizada hoje no LAEF, como o princípio da especificidade é fundamental para o delineamento e controle dos modelos de treino e o papel do fisiologista moderno.

Universidade do Futebol – Qual a sua formação acadêmica e como ocorreu seu ingresso no ambiente do futebol?

Juliano Fernandes da Silva – Tenho licenciatura plena em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2006. Em 2010 terminei meu mestrado na mesma Instituição, com o título “Evidências de validade do teste T-CAR e capacidade de sprints repetidos em atletas de futebol”.

Atualmente estou no segundo ano do curso de doutorado também na UFSC, tendo como orientador o professor Dr. Luiz Guilherme Antonacci Guglielmo e como co-orientador o professor italiano, Dr. Carlo Castagna.

Meu ingresso no futebol ocorreu a partir do ano de 2004, quando durante a faculdade de Educação Física eu iniciei como estagiário em uma escolinha de futebol. Paralelamente realizei o curso de árbitros de futebol de campo promovido pela Federação Catarinense de Futebol e Sindicato dos árbitros de futebol.

Em seguida fiz estágio com preparação física em um clube de futebol e iniciei meu trabalho como professor em uma escolinha de futebol. Sendo que desde 2006 venho me dedicando a estudos que envolvam a parte de avaliações físicas e treinamento integrado no futebol, porém não atuo em nenhum clube – atualmente sou árbitro assistente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Além disso, desde o início de 2011 sou professor das disciplinas de Metodologia do Ensino do Futebol e Metodologia do Futebol nos cursos de licenciatura e bacharel, respectivamente, na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

Universidade do Futebol – Pode-se dizer que o método tecnicista ainda está fortemente arraigado no inconsciente coletivo dos profissionais de futebol? Há uma grande dificuldade em compreender como é possível ensinar e aperfeiçoar a técnica dentro do contexto de jogo, ou como se teoriza, ensinar a técnica por meio da ação tática?

Juliano Fernandes da Silva – Sobre o método tecnicista, este vem sendo um dos assuntos frequentemente discutidos sobre as abordagens metodológicas de ensino no futebol e de outras modalidades coletivas. No meu ponto de vista há um exagero nas críticas ao método tecnicista, em que na verdade existe um problema muito maior a ser resolvido.

Este problema a que eu me refiro é a reprodução de conhecimento, ou o simples fazer por fazer. Não vejo problemas em fazer uma atividade de chute a gol ou de cruzamento, agora vejo problema se o profissional que aplica esta atividade não domina a modalidade, ou seja, não conhece a essência do jogo nos seus momentos de defesa, transições e ataque, e simplesmente utiliza as atividades fragmentadas para passar o tempo na sessão de treino.

Atualmente se fala muito dos jogos reduzidos como uma alternativa em substituição ao método parcial, sendo que virou banal pensar que colocar 4x4, ou 3x3 em um quadrado e mandar manter a posse de bola é a melhor forma de ensinar futebol. Penso que esta atividade pode ser tão irracional quanto treinar cruzamentos sem treinar formas de a bola chegar à linha de fundo.

Assim, creio que o problema maior atualmente no ensino do futebol não é uma metodologia em si, mas a falta de conhecimento dos profissionais sobre as diferentes metodologias que podem ser utilizadas nos diversos escalões de ensino, pois toda metodologia vai apresentar vantagens e desvantagens, cabendo ao profissional escolher qual o método de ensino vai se enquadrar melhor para seu objetivo.

Desta forma, a partir de uma mescla de diferentes abordagens, ficaria mais tranquilo para os profissionais ensinarem e aperfeiçoarem a técnica dentro de um contexto de jogo, ao invés de focar somente a tática ou apenas a técnica como é realizado em algumas metodologias.

 

 

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Universidade do Futebol  Em se pensando o futebol no aspecto humano e social, você acredita que a influência da cultura condiciona um determinado tipo de comportamento? É possível se falar em escolas regionais de futebol?

Juliano Fernandes da Silva – Acredito. Pois quando nos referimos à cultura, estamos abordando um sistema de crenças, valores, costumes e comportamentos que os membros de uma sociedade usam para lidar com o mundo e com os outros, e que são transmitidos de geração para geração através da aprendizagem. Desta forma, seria no mínimo irracional não aceitar a influência do fator cultural nos modelos de comportamento.

Neste sentido, acredito que é possível falar em escolas regionais de futebol, onde os profissionais que atuam em uma determinada região devem considerar diariamente os fatores que norteiam a formação da cultura local, na sua atuação profissional. Por outro lado, o fato de considerarem-se os fatores culturais não quer dizer que toda a metodologia de treinamento e ensino do futebol em determinada região não vai incorporar modelos oriundos de culturas externas.

Quando me refiro a este assunto, quero falar da dificuldade que alguns profissionais encontram para inovar em seus modelos de trabalho quando trazem “coisas novas” oriundas de uma cultura diferente. Vamos ao seguinte exemplo:

Um profissional oriundo de uma região diversa daquela em que ele vai atuar tenta implementar um Modelo de Jogo em que o objetivo principal é recuperar a bola rapidamente e sustentar a posse de bola, entretanto, o Modelo de Jogo consagrado naquele ambiente apesar de objetivar a recuperação da bola rapidamente, também busca que o contra-ataque seja realizado de forma rápida, desconsiderando os riscos de perder a posse de bola de forma precoce.

Com certeza em um período breve de tempo poderão aparecer críticas da população da região (torcedores, dirigentes, e até mesmo atletas) sobre o Modelo de Jogo, pois aquilo que norteava os comportamentos daquela equipe ao longo dos anos estava sendo substituído por algo que até aquele momento era desconhecido.

O Brasil, por ser um país muito grande e com elevada diversidade cultural, está sujeito a estas situações. Como sugestão aos profissionais que vão trabalhar em locais “desconhecidos”, é importante estudar inicialmente a cultura local do novo ambiente de trabalho para que a sua atuação apresente um maior êxito.
 


 

Universidade do Futebol  O fato de as crianças não brincarem mais tanto de futebol, desenvolvendo essa atividade majoritariamente em escolinhas ao comando de um professor muitas vezes tecnicista, pode acarretar em uma perda da identidade brasileira ao longo do tempo?

Juliano Fernandes da Silva – Então, antes de responder esta pergunta, é necessário analisar algumas situações. Está virando banal a discussão em palestras, livros, debates em televisão e em universidades que o futebol brasileiro vem perdendo a sua identidade devido ao fato das crianças não brincarem tanto de futebol como antigamente.

Na questão anterior nos referimos à palavra “cultura” como algo que é transmitido de geração para geração, e parece que isso tem gerado confusão na cabeça de algumas pessoas – o que é mais preocupante, de alguns profissionais. É enfadonho ter que ouvir em debates que devemos fazer as crianças brincar mais nas ruas, pois foi isso que nos tornou pentacampeões do mundo. Porém, estas pessoas esquecem que o mundo está evoluindo, que não podemos jogar os telefones celulares fora, que não podemos demolir os edifícios, que não podemos proibir a venda de eletroeletrônicos, enfim, não é possível frear o crescimento.

Outro fato que temos que considerar é que apesar de a pedagogia da rua apresentar características muito positivas, ela também apresenta características negativas. Cada grupo de criança cria suas brincadeiras que dependem das suas condições ambientais, desta forma, conforme o ambiente muda, as brincadeiras também vão se alterando. Aposto que muitas crianças africanas jogam futebol na rua, e quantos títulos mundiais eles têm?

Assim, é preciso uma discussão urgente para o país recriar sua identidade futebolística, ou seja, o que temos, o que queremos e o que faremos para atingir estes objetivos. É importante saber que identidade brasileira é esta que “todo mundo” fala. Será que se referem a pegar a bola e sair driblando?

Essa discussão tem que ser ampla, mas também pontual, isto é, um clube precisa ter claro em todas as suas categorias de base o modelo de ensino de futebol. Sobre a pergunta da influência das escolinhas, eu acredito que elas não são as principais culpadas por esta “perda” de identidade, pois os profissionais que ali atuam são apenas a “ponta do iceberg”.

Eu penso que a solução deste problema está na interação entre universidade, centros de formação e clubes, com as universidades formando profissionais capacitados para atuarem nesses locais e consequentemente alterando a situação atual de forma científica, e não apenas ficando dependente do empirismo.

 

Qual é a identidade do futebol brasileiro? Juliano levanta a questão e rechaça responsabilizar individualmente as escolinhas de futebol por alguma falha na formação geral de novos atletas

 

Universidade do Futebol  Você também tem uma atuação ligada ao futsal. Durante o trabalho nas categorias de base, é possível utilizar alguns aspectos dessa modalidade para o processo de ensino-aprendizagem?

Juliano Fernandes da Silva – Vou começar respondendo esta questão falando de uma história recente que ocorreu em um clube de futebol em que um amigo meu atuava.

Ele era treinador de categorias abaixo de 13 anos e utilizava os jogos reduzidos estruturados nas sessões de treino da equipe dele. Porém, ao longo do ano, ouviu alguns comentários de pessoas ligadas ao clube que ele deveria trabalhar mais os fundamentos, focar na técnica utilizando método tecnicista; contudo, ao se aproximar o fim da temporada, estas mesmas pessoas estavam sugerindo que o clube fizesse uma maior relação entre as categorias abaixo de 13 anos e o futsal.

Eu estou usando este fato para deixar claro dois pensamentos: primeiro, o futsal pode ser muito importante para formação de um jogador de futebol; segundo, é preciso que o processo de ensino-aprendizagem, principalmente abaixo dos 13 anos, contemple diversas formas globais de ensino de futebol, porém, deixando o tradicional 11 contra 11 em segundo plano nessas categorias. Infelizmente ainda hoje é muito comum ver crianças de 10 anos jogando em dimensões oficiais para adultos, no modelo 11 contra 11.

Nesta faixa etária, a criança precisa desenvolver a sua relação com a bola, com o companheiro, e adversário, porém, o ambiente em que ela está atuando vai de encontro ao bom desenvolvimento de todos estes objetivos. Primeiro, em um campo grande, ela toca raramente na bola; segundo, que ela experimenta muitas situações de frustração por não realizar tarefas que no imaginário delas seriam simples, como a simples cobrança correta de um tiro de meta ou de um lateral. Além disso, o 11x11 pode apresentar uma gama de tarefas muito elevadas que são impossíveis de serem realizadas pelas crianças.

Retornando a parte principal da pergunta, eu acredito que é possível e devem ser utilizados aspectos oriundos do futsal (pelo fato de ele se tratar de uma forma reduzida do futebol) para o processo de ensino aprendizagem nas categorias de base do futebol. Isso se dá pelo fato de o futsal apresentar princípios semelhantes ao futebol e como o jogo ocorrerá sempre em dimensões reduzidas e com menores números de atletas, isto favorece assimilação mais facilitada por parte das crianças.

 


Futsal e as Ciências do Esporte: uma análise dos estudos sobre a modalidade

 


Universidade do Futebol  É possível delinear uma faixa etária para efetuar essa “separação” entre as modalidades?

Juliano Fernandes da Silva – Eu acredito que na faixa etária de 11-13 anos deve ocorrer a passagem gradual do futsal para o futebol. Minha opinião está centrada nas características oriundas do desenvolvimento, visto que a partir dos 10-11 anos a criança começa a desenvolver um melhor senso de posicionamento, assim como uma melhor compreensão de princípios do jogo, como concentração e espaçamento.

Contudo, eu penso que as crianças podem iniciar diretamente no futebol logo aos seis anos, desde que bem orientadas e com tarefas, tamanhos de campo e materiais correspondentes ao seu desempenho físico e intelectual. Muitas pessoas se assustam com isso, pois só conseguem enxergar o futebol no formato 11 contra 11, porém é mais um paradigma a ser quebrado na cultura do futebol brasileiro.

Universidade do Futebol  No treinamento desportivo, o princípio da especificidade é fundamental para o delineamento e controle dos modelos de treino. O mesmo vale para o futebol, e tal reflexão já foi mote de um artigo escrito por você. O que é trabalhar de forma específica no futebol?

Juliano Fernandes da Silva – Como mencionamos no artigo que você citou, o conceito de especificidade vai estar relacionado com o conceito que cada treinador terá de futebol, e de como ele gostaria que sua equipe se comportasse nos momentos ofensivos, defensivos, e transições. Neste sentido, o treinador deve estipular “guias” que facilitem a tomada de decisão dos atletas.

É importante ter um padrão, no qual os atletas vão se basear no momento de tomar a “melhor decisão”. Estes “guias” seriam treinos estruturados em situações reais de jogo, coordenados de acordo com o Modelo de Jogo do treinador. Desta forma, o treino deve ser de acordo com aquilo que o treinador entende de futebol e gostaria que sua equipe jogasse.

Uma vez eu vi uma entrevista de um treinador que atuava em uma equipe da Série B do Campeonato Brasileiro. Para ele, “o futebol é 90% bola parada”; sendo assim, penso que ele deveria passar 90% do seu tempo de treinamento trabalhando bola parada.

Essa ironia é apenas uma forma de chamar atenção que primeiro devemos ter bem claro o nosso conceito de futebol e saber como eu quero que minha equipe atue, visto que depois apenas bastará a montagem de treinos para atingir tal objetivo.

 

O que é ser específico no futebol?

 


Universidade do Futebol  Ampliando o debate, como você definiria uma avaliação física específica no futebol?

Juliano Fernandes da Silva – Na minha opinião, a avaliação física específica de um jogador de futebol deve contemplar as seguintes variáveis: aptidão aeróbia para realização de exercício intermitente, aceleração, força, velocidade e a capacidade de sprints repetidos. Na parte aeróbia, podemos citar dois exemplos que podem ser indicados para este fim: o teste Yo-Yo recovery nível 1 e o teste T-CAR.

Esses testes têm mostrado bons indicadores de validade e possuem aspectos semelhantes às exigências a que os jogadores são submetidos, como frenagens, acelerações e pausas entre os estímulos. Porém, é preciso reconhecer que a razão esforço/pausa nesses modelos é predeterminada, enquanto nas partidas isso é aleatório.

Na parte de força, o counter movement jump (CMJ) tem se mostrado uma importante variável para avaliação da potência muscular de membros inferiores. Em relação à capacidade de sprints repetidos, o teste proposto por Rampinini et al. (2007), que se dá com a realização de seis sprints de 40m (20 ida + 20 volta) e o qual foi validado de forma direta com a distância percorrida em alta intensidade na partida por jogadores profissionais, é atualmente uma das alternativas mais interessantes para avaliar a capacidade de realizar sprints repetidos por jogadores de futebol. Nesse teste, também pode-se utilizar o melhor sprint (geralmente o primeiro ou o segundo) como um indicador específico (com mudança de direção) de velocidade e aceleração.

Universidade do Futebol  Além disso, o que é um treinamento físico específico e um treinamento tático específico?

Juliano Fernandes da Silva – Conforme abordamos no nosso artigo “O que é ser específico no futebol”, o treinamento físico especifico pode ser dividido em dois modelos: o primeiro é que o treinamento físico não está mais desvinculado do contexto do jogo, ou seja, o “físico” está auxiliando no cumprimento de uma tarefa técnica, que por sua vez está resolvendo um “problema” tático, que por sua vez necessita de um físico para se expressar enquanto ação; assim é inconcebível pensar no físico desvinculado da intenção tática. Nesse sentido, todo treinamento tático precisaria ser monitorado para obter-se a carga imposta nestes trabalhos, utilizando os testes citados anteriormente como um elemento auxiliar neste processo.

Por outro lado, se o profissional acredita que o físico precisa ser trabalhado separadamente, que faça com ações físicas semelhantes às que ocorrem com mais frequência nos jogos, como sprints curtos, corrida com frequentes frenagens, acelerações e mudanças de direção, ou seja, treinar para resistir às exigências físicas do jogo, pois não adianta correr muito, caso não se corra para o lugar certo, na hora certa e muito menos se não se tome decisões corretas.

Sobre o treinamento tático reitero o que foi apresentado no nosso artigo citado: pensamos que o treinamento tático específico refere-se à criação de comportamentos frente a situações do jogo, ou seja, determinar ações que serão desencadeadas em resposta a determinados estímulos do jogo; por exemplo, após a perda de bola no setor ofensivo, qual comportamento, enquanto equipe, devemos adquirir? Pressionar rápido? Posicionar? Ambas? E quando recuperamos a posse de bola, que comportamentos gostaríamos que nossos jogadores (os que roubam, os que estão próximos e os que estão distantes da bola) adotem?

A essência do treinamento tático é fazer com que os jogadores pensem em ações semelhantes ao mesmo tempo, gerando comportamentos sincronizados nos quatro momentos do jogo: defesa, ataque, e transições ofensiva e defensiva.

 

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Universidade do Futebol - Você é doutorando em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina na área de Cineantropometria e desempenho humano. De que modo essas ciências são aplicadas no ambiente do futebol (independentemente se for base ou equipes principais)?

Juliano Fernandes da Silva – Primeiramente, gosto muito da frase do professor dinamarquês Jens Bangsbo: “O futebol não é ciência, mas a ciência pode ajudar o futebol”. Desta forma, eu penso que a ciência pode auxiliar muito o futebol, porém precisamos diminuir o número de pesquisas transversais e aumentar cada vez mais o número de pesquisas longitudinais no futebol.

Sobre as categorias de base, é inadmissível que ainda haja clubes que não tenham um profissional especializado para fazer todas as avaliações físicas, antropométricas e maturacionais de todo o departamento. Quando falo de avaliações não me remeto a um emaranhado de testes, mas apenas alguns testes simples que podem ser utilizados para o monitoramento destes jovens atletas enquanto estiverem atuando naquela agremiação.

A realização destas avaliações será essencial para que o clube crie um banco de dados extenso e possa monitorar todos os seus atletas em todas as categorias de base até o profissional. Na categoria profissional temos menos tempo para realizar uma gama maior de avaliações, porém a ciência aplicada ao futebol poderá ser utilizada principalmente no monitoramento das cargas de treinamento como o training impulse (TRIMP), por exemplo.

Somado a isso, temos a utilização dos sistemas de posicionamento global (GPS), os quais têm servido por apresentar boa validade, sendo capazes de monitorar frequência cardíaca e gravar informações de frequência e magnitude dos impactos e colisões por meio de acelerômetros que também monitoram três tipos de direção (frente, lado e para trás), além da distância percorrida em diferentes velocidades.

Desta forma, todo treino pode ser monitorado, com o preparador físico tendo a resposta da exigência fisiológica que foi imposta em cada atleta. Por outro lado, também temos os dinamômetros isocinéticos, que são capazes de verificar o equilíbrio muscular, sendo um importante elemento na prevenção e recuperação de lesões.

 

Para Juliano, a ciência pode auxiliar muito o futebol, porém é preciso reduzir número de pesquisas transversais e aumentar as longitudinais

 

Universidade do Futebol  Qual a relação ideal entre a bioquímica do exercício e a fisiologia do exercício em prol do desempenho esportivo de atletas de futebol? Os clubes têm uma preocupação nesse sentido?

Juliano Fernandes da Silva – Então, o que seria uma relação ideal? Eu penso que esta relação ideal depende de trabalho em longo prazo, para que a partir de um elevado banco de dados e avaliações controladas o clube possa ter respostas satisfatórias. Por outro lado, acredito que um dos problemas que temos hoje é a confiabilidade de quais marcadores fisiológicos podem ser utilizados no futebol.

Muitos clubes utilizam a CK (creatina kinase) como um marcador referente ao dano muscular, e que poderia vir a ser um indicador de que o atleta está propenso a lesão quando este sinalizador estiver alto. Contudo, o mesmo apresenta uma variação muito elevada entre os sujeitos, sendo necessário que sejam traçadas situações controle e de acompanhamento longitudinal para mensuração confiável. Mas quando a CK de um atleta estiver alta, como será tratada esta questão na comissão técnica?

As responsabilidades precisam ser divididas e ter uma tomada de decisão dividida entre todos os membros da comissão, pois se o atleta se lesionar ou a equipe sentir a falta deste, todos da comissão têm que assumir. Entendo que a relação ideal entre a bioquímica do exercício e a fisiologia do exercício em prol do desempenho esportivo de atletas de futebol é dependente de competência técnica de todos os membros da comissão, mas principalmente de valores morais, de confiança, de honestidade e de respeito entre os membros do staff e dirigentes, para que o departamento de fisiologia possa ter função atuante e eficaz em todos os momentos da temporada.

Sobre a preocupação dos clubes, acredito que um profissional que tenha atuado em várias equipes por um bom tempo possa responder esta pergunta.
 


 
Clubes usam tecnologia por meio de exames de sangue para evitar lesões nos jogadores

 

Universidade do Futebol  Atualmente, pode-se dizer que a fisiologia do esporte aplicada ao futebol ultrapassou as ações laboratoriais e tem atuação direta no cotidiano das agremiações? Como você definiria “o novo papel do fisiologista”?

Juliano Fernandes da Silva – Na minha opinião, o clube de futebol precisa ter dois fisiologistas, sendo um responsável pelas categorias de base e outro da categoria profissional. Penso que este profissional tem que ter trabalho atuante em campo no monitoramento das cargas de trabalho na categoria profissional, em conjunto com todos os membros da comissão técnica.

Este profissional transmitirá informações diárias sobre as cargas de treinamento a serem aplicadas, pois o futebol sofre alterações semanais no planejamento das sessões de treino devido a variáveis como, desgaste em função das viagens; de jogos em campos de grama molhada; ou em cidades de clima muito quente. Outra preocupação são os atletas reservas que viajam e não jogam – estes precisam ter uma sessão de treino forte para não terem perdas de rendimento.

Nas categorias de base, como já mencionei anteriormente, penso que a maior contribuição do fisiologista está relacionada ao monitoramento do desenvolvimento de cada atleta, para que o clube tenha um acervo elevado de dados de todos os seus atletas.

O monitoramento da maturação biológica é outra tarefa essencial do fisiologista nas categorias de base, visto que desta forma ele contribuirá de forma decisiva para uma seleção de talentos mais criteriosa, evitando que sejam selecionados apenas atletas com estágio maturacional avançado em relação a outros, fato este que poderá trazer prejuízos futuros ao clube.
 


 

Universidade do Futebol  Em linhas gerais, o que é o Laboratório de Esforço Físico e Centro de Desportos da UFSC? Quantas pessoas estão envolvidas, como é a estrutura e quais são os principais focos de observação e desenvolvimento?

Juliano Fernandes da Silva – O Laboratório de Esforço Físico da Universidade Federal de Santa Catarina (LAEF) possui como campos de atuação o desenvolvimento de projetos de pesquisa, extensão e ensino na área do exercício físico relacionado ao desempenho humano e à saúde, reunindo professores doutores, doutorandos, mestrandos e alunos de graduação. Atualmente participam cerca de 30 pessoas do nosso laboratório, que estão estruturadas em seis níveis:

Iniciação científica 1 (IC1):
Pré-requisito:
- Acadêmicos e graduados na área da saúde que foram recém incluídos no grupo pela autorização do coordenador.

Iniciação científica 2 (IC2):
Pré-requisito:
- Ter sido IC1 por, pelo menos, um semestre letivo.

Pesquisador 1 (P1):
Pré-requisito:
Ter sido IC2 por, pelo menos, um semestre letivo.
- Ter completado a graduação.
- Ter publicado, pelo menos, um artigo em uma revista científica.

Pesquisador 2 (P2):
Pré-requisito:
- Ser mestre ou mestrando(a) que realize pesquisas na linha da fisiologia do exercício.
- Desenvolver um projeto de pesquisa vinculado ao LAEF.

Pesquisador 3 (P3)
Pré-requisito:
- Ser doutor ou doutorando(a) que realize pesquisas na linha da fisiologia do exercício.
- Desenvolver um projeto de pesquisa vinculado ao LAEF.

Coordenador

Estrutura do LAEF tem dois focos básicos de observação e desenvolviemento de pesquisas; Juliano atua com o futebol e o futsal

 

Hoje, o LAEF tem dois principais focos de observação e desenvolvimento de pesquisas. Parte do grupo estuda variáveis e fenômenos fisiológicos relacionados a modalidades individuais, como ciclismo, corrida e triathlon. Entre os principais expoentes temos os professores doutorandos Ricardo Dantas de Lucas, que tem vasta experiência em treinamento e avaliação de atletas destas modalidades, o qual também é professor da Universidade do Estado de Santa Catarina. 

Destaque também para o professor Jolmerson de Carvalho, que atualmente também é doutorando no LAEF e apresenta elevada experiência no treinamento esportivo, principalmente no atletismo, hóquei de grama e de árbitros de futebol. Outro expoente nesta área em nosso laboratório é o professor doutorando Vitor Pereira Costa, que também tem experiência como treinador de atletas de Mountain Bikes.

Outro foco do nosso laboratório é o estudo de variáveis e fenômenos fisiológicos relacionados ao futebol e ao futsal, do qual eu participo. Entre os membros podemos destacar o professor doutorando Lorival Carminatti, criador do teste T-CAR e com elevada experiência em na área de cineantropometria e desempenho humano.

Também participam do nosso laboratório como mestrandos: Thiago Cascaes dos Santos (Ex-fisiologista do Avaí Futebol Clube, atua no momento como instrutor físico da Marinha), Leandro Teixeira Floriano (técnico da categoria sub-15 do Sport Club Corinthians Paulista), Tiago Cetolin (fisiologista do Figueirense Futebol Clube), Paulo César Nascimento (técnico da categoria sub-14 do Figueirense Futebol Clube) e Jaelson Ortiz Gonçalves (preparador físico da categoria sub-17 do Avaí Futebol Clube).

Também participa o professor Lucas Loyola, que é preparador físico da equipe de futsal do Florianópolis, que disputa a Liga Nacional, o qual é especialista em Fisiologia do Exercício. Outras duas importantes integrantes são as professoras Francimara Budal Arins (doutoranda) e Naiandra Dittrich (mestranda), que possuem experiência como preparadoras físicas de futsal e futebol, respectivamente.

Por fim, nosso laboratório é coordenado pelo professor doutor Luiz Guilherme Antonacci Guglielmo, o qual tem elevada experiência na área fisiológica do esporte aplicada à performance. Atualmente, ele é responsável pela disciplina de Metodologia do Treinamento Esportivo na graduação, assim como ministra disciplinas no curso de mestrado e doutorado do programa de Pós Graduação em Educação Física, onde atualmente é sub coordenador e foi coordenador por dois mandatos.

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Benê Lima