Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

terça-feira, janeiro 17, 2012

Categoria de base no Brasil - parte I

Atleta profissional do Corinthians, Paulo André faz análise sobre o duro processo de transição dos jovens talentos às equipes principais
Paulo André Cren Benini*

Hoje o Corinthians gasta cerca de 15 milhões de reais por ano para manter oito equipes, do Dente de Leite ao Juniores. Se considerarmos que existam 30 atletas por categoria, teremos 240 crianças e jovens utilizando a estrutura (alimentação, saúde, alojamento, treinadores, etc...) do clube para chegar à sonhada equipe principal. 

A cada transição de categoria, jogadores ficam pelo caminho enquanto novos atletas surgem para ocupar o lugar daqueles que não conseguiram prosseguir. Ao final do processo, quantos meninos, de fato, chegarão ao time de cima? Quantos serão profissionais em outros clubes?

Antes de responder, é preciso entender que o cenário atual é completamente diferente daquele vivido nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Nessa época, jovens eram promovidos à equipe principal por terem uma qualidade excepcional ou porque os clubes brasileiros, em desgraça financeira, não tinham condições de contratar atletas renomados. 

Com isso, eram obrigados a preencher seus elencos com garotos que, apesar de despreparados, poderiam em um ou dois jogos encantar olheiros europeus e receber uma bolada de dinheiro pela transferência. Essa era a única forma de sobreviver e sanar parte dos problemas financeiros do clube.

Hoje, com a acentuada melhora econômica do país, o aumento da arrecadação e dos direitos de TV pagos aos grandes clubes tornou-se possível manter bons jogadores no elenco, duelar financeiramente contra times pequenos e médios da Europa e oferecer uma estrutura de trabalho que convença muitos atletas a permanecerem por aqui. Além disso, a possibilidade e a necessidade de contratar bons jogadores para preencher as carências da equipe, e fazê-la conquistar títulos, tem feito com que seja cada dia mais difícil acreditar que um jovem de 18 anos terá espaço no time de cima.

Abaixar a idade limite de 20 para 18 anos no torneio mais tradicional de base do Brasil é algo intragável. Fazer isso e ainda manter as competições estaduais sub-17 e sub-20 é confuso e irracional. Ninguém mais sabe qual competição priorizar ou o que fazer com os meninos de 19 e 20 anos que não podem disputar a Taça São Paulo mas que ainda não estão prontos para o profissional. Essa precocidade “forçada” desperdiça talentos e vidas dedicadas ao esporte simplesmente porque aqueles que comandam o futebol no país não se adaptaram à nova realidade. Assim, não há dinheiro ou fé que salvem as categorias de base e façam valer a pena o investimento.

Essa é a constatação prática de quem está há três anos em um grande clube e treinou, durante esse período, com inúmeros garotos credenciados a subir ao time principal. A maioria deles ficou conosco por três ou seis meses e em nenhum momento demonstraram condições de jogar ou mesmo de permanecer no elenco. Não porque não tinham potencial suficiente, mas porque ainda eram imaturos física e tecnicamente. Para falar a verdade, em alguns casos a diferença era tamanha que chegava a atrapalhar a qualidade dos treinos e prejudicar o ritmo dos demais jogadores.

Por isso os cartolas que alteraram a fórmula deveriam saber que, salvo casos excepcionais como Neymar, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e alguns outros gênios precoces, jovens de 18 anos ainda não atingiram nem a maturação física nem um nível técnico/tático aceitável para disputar posição com atletas da primeira divisão do Campeonato Brasileiro. Se entendessem que nessa idade os garotos ainda estão em plena formação e evolução e que é muito cedo para decidir se ele será ou não um bom jogador, talvez mudassem as "regras do jogo". Principalmente porque "adiantar" em dois anos a decisão dos clubes/treinadores causa um efeito cascata com consequências nefastas aos cofres dos times que essas mesmas entidades/federações teriam por objetivo defender ou ajudar.

Vou usar meus companheiros de time como exemplo: Weldinho foi contratado junto ao Paulista de Jundiaí aos 20 anos. Leandro Castán foi revelado no Atlético-MG, teve que ir para a Suécia e voltar ao Barueri para depois chegar, mais maduro, ao Corinthians. Ralf rodou times pequenos e foi descoberto, aos 24 anos, depois de bela campanha no Grêmio Barueri. Paulinho formou-se no Pão de Açúcar, jogou no Bragantino e chegou ao Corinthians quase de graça. Bruno César fez a base em times grandes mas foi trazido depois de uma boa campanha no Santo André. Indo na contramão, Fagner (lateral do Vasco da Gama) se formou no Corinthians mas não teve espaço. Fabrício, lateral esquerdo (hoje no Inter) também. Posso citar muitos outros exemplos para mostrar que, no modelo atual, os clubes formadores e empresários são forçados a ceder ou emprestar jovens atletas a equipes menores com o intuito de fazê-los adquirir experiência e tempo de jogo suficientes para, quem sabe um dia, voltarem preparados ao clube grande.

Mas então por que o desespero de assinar contratos profissionais com garotos de 16 anos? E pior que isso, por que pagar-lhes suntuosos salários simplesmente para aumentar a multa de rescisão do contrato e evitar perdê-los aos clubes aliciadores que roubam atletas pela imposição do dinheiro? O gasto é elevado demais enquanto o retorno é insuficiente e incerto para fazer a máquina funcionar sozinha. Além disso, o risco de errar ao se assinar contratos profissionais a torto e a direito porque X ou Y fizeram jogos ou campanhas extraordinários no Infantil ou Juvenil é enorme pois sabemos que ser um grande artilheiro na base não é garantia de sucesso no profissional.

Se não houver uma mudança cultural e de reorganização do calendário, das competições, da formação das equipes de base pensando sempre no longo prazo e no futuro do futebol brasileiro, acredito que os clubes grandes deveriam mudar suas estratégias (assim como fazem Manchester, Real Madrid, etc...) e pensarem como empresa, diminuindo o risco e otimizando o lucro. Ou seja, na atual conjuntura, a melhor decisão, financeiramente falando, seria contratar cinco revelações por ano ao preço de 3 milhões de reais cada, ao invés de gastar 15 milhões de reais para manter 240 pessoas treinando. É mais seguro contratar cinco jovens talentos (de 21 ou 22 anos) de clubes pequenos/médios que comprovadamente atuaram em um bom nível profissional na última temporada do que tentar revelar um fenômeno ou cinco bons atletas por ano.

O que você acha disso?

Esse assunto será discutido nos três próximos posts. Nesta semana postarei o contra-argumento dessa tese. Espero o seu comentário e sua ideia para elevar a discussão.

Paulo André

*Nascido em 20 de agosto de 1983, Paulo André Cren Benini iniciou sua carreira como infantil do São Paulo Futebol Clube, em 1998, onde permaneceu até 2001, conquistando dois títulos paulistas de categoria de base (2000 e 2001). Em dezembro de 2001, foi transferido para o Centro Sportivo Alagoano, ficando por apenas três meses.

Em março de 2002, Paulo André voltou para o estado de São Paulo, desta vez para atuar no Águas de Lindóia Esporte Clube. Lá, foi campeão paulista de juniores da Série A-2 e teve sua primeira chance como profissional, ajudando o clube a subir da quinta para a quarta divisão estadual. Em janeiro de 2003, transferiu-se para os juniores do Guarani Futebol Clube, onde foi promovido aos profissionais. Em julho de 2004, sofreu com uma contusão no púbis, que o deixou afastado por seis meses.

Em junho de 2005, Paulo André foi transferido para o Clube Atlético Paranaense, onde foi consagrado como um dos cinco melhores zagueiros do Brasil, pela Revista Placar. Em 2006, recebeu o título de Melhor Zagueiro do Estado, pela Federação Paranaense de Futebol.

Aos 22 anos, em junho de 2006, o atleta firmou contrato de quatro anos com o Le Mans Football Club, onde participou por três anos dos campeonatos: Francês, Copa da França e Copa da Liga. Em julho de 2009, Paulo André foi apresentado como nova contratação do Sport Club Corinthians Paulista, em um empréstimo que iria até agosto de 2010. 

Mesmo atuando como reserva, o zagueiro destacou-se nas jogadas aéreas, marcou três gols, e teve seus direitos econômicos comprados pelo time paulista, firmando novo contrato que vai até julho de 2012. 


O texto foi retirado na íntegra do blog mantido pelo jogador: 
http://pauloandre-13.blogspot.com/.

 

Dimensões: Alto Rendimento
 
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Benê Lima