Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

terça-feira, janeiro 24, 2012

Futebol feminino está abandonado de novo

ALEX SABINO 
alex.sabino@diariosp.com.br

Clube encerrando atividade, técnico da seleção migrando para o masculino... Tudo volta a ser como antes

Marta é o símbolo da modalidade no país. Não deveria. Ela é exceção

Dizer que o futebol feminino no Brasil sofre com abandono é quase lugar-comum. Mas as coisas pareciam mudar. Um grande clube do país, o Santos, montou um time forte, repatriou Marta e conquistou títulos. A final dos Jogos Pan-Americanos no Rio, em 2007, levou 70 mil pessoas ao Maracanã. Se não foram remuneradas no mesmo patamar dos homens, algumas jogadoras começaram a receber salários suficientes para uma vida digna.

Tudo ilusão.

“A impressão que nós temos é que este esporte está acabando mesmo no país”, constata Marcelo Frigerio, que dirigiu a seleção da Guiné Equatorial na última Copa do Mundo e começa um projeto da modalidade no XV de Piracicaba.

São poucas as equipes que apostam na categoria. A maioria esmagadora que sobrevive é bancada por prefeituras ou projetos sociais. Os pagamentos às atletas não ultrapassam R$ 1 mil ou são bolsas de estudos em faculdades. O anúncio de que o Santos encerraria as atividades causou comoção. “Há problema de visibilidade. As empresas enxergam isso como prioridade. Se não aparece a TV, fica difícil. Se você olhar para o histórico do Santos, quando tivemos jogos transmitidos, conseguimos patrocinadores pontuais. Quando olha para o calendário, não tem garantia de nada”, diz o gerente de  marketing do Peixe, Armênio Neto.

As lágrimas da atacante Érika, titular das Sereias da Vila (como era chamada a equipe), foram mostradas em rede nacional. “Tenho proposta para jogar na Coreia. E as outras meninas?”, questionou, despertando a solidariedade superficial de sempre.

Especialistas ouvidos pelo DIÁRIO apontam vários problemas para o esporte crescer. O principal é a necessidade de os jogos serem transmitidos. Se isso não acontecer, ninguém vai querer patrocinar. Os públicos são pequenos, muitas vezes com menos de 200 pessoas nos estádios. A final do Paulistão de 2011, entre Santos e Botucatu, teve duas mil testemunhas.

Desistiu/ Kleiton Lima, técnico da seleção brasileira no último Mundial e há 15 anos trabalhando na modalidade, jogou a toalha. Lançou-se em carreira no masculino e é assistente no Red Bull Brasil, que vai disputar a Série A-2 do estadual. “É preciso um processo mais complicado do que simplesmente estar na televisão. Todo mundo cobra os clubes, que jogam para a federação.  A TV só aparece nos momentos em que cabe a ela aparecer. Se todos ajudassem, sem fazer loucura, o futebol poderia sobreviver num processo parecido com o do vôlei feminino. Pode não estar no mesmo patamar do masculino, mas tem calendário, times e  ganha títulos”, analisa.

No ano passado, em audiência no Palácio do Planalto, o então ministro dos Esportes, Orlando Silva, fez promessa a dirigentes. Garantiu convencer estatais a anunciarem nos intervalos das emissoras que levassem ao ar  jogos. O Bandsports, vendido na última semana para a Fox Sports, se interessou. Ficou na conversa.

São muitas histórias de tentativas, esperança e decepções. Em 2010, o Palmeiras tinha negociação de patrocínio. Divulgou peneiras e selecionou garotas. Na última hora, a empresa que bancaria o projeto voltou atrás. O Santos conseguiu acordo com a Copagaz, que pagou R$ 1,2 milhão para patrocinar a camisa. No final da temporada, decidiu não renovar. Argumentou que a visibilidade era pequena. “É impossível trabalhar assim”, reclama Frigerio.

E assim o futebol feminino voltou ao estado de antes. De puro abandono.

Entrevista 
Kleiton Lima_ Assistente técnico do Red Bull
‘Só se lembram do futebol feminino perto da Olimpíada’

DIÁRIO_  Algum fator foi determinante para você quando tomou a decisão de abandonar de vez o futebol feminino?
KLEITON LIMA_ Todo mundo se lembra do futebol feminino perto de Olimpíada e Mundial. Depois, se esquece por quatro anos. Isso cansa, né? Temos de trabalhar muito por muito tempo para aparecer por um período curto demais, que não dura nem um mês. Tem sempre de partir do zero de novo, sempre.  Estão falando agora por causa dos Jogos de Londres. Depois, se esquecem de novo.

A transição do feminino para o masculino é fácil? 
É mais fácil do que se fosse o caminho inverso. Você recebe a menina e tem de ensinar tudo, porque ela não teve educação futebolística. A maior diferença de tudo é a parte emocional. No feminino, você tem de fazer o papel de pai, amigo e conselheiro, muitas vezes. A mulher leva para dentro de campo os problemas que tem fora. O homem vê como trabalho, mesmo. Sair do feminino para ir ao masculino é mais fácil do que seria fazer o caminho inverso.

Mas o que se observa é que estava acontecendo uma evolução, apesar de tudo.

Estava. Houve massificação, o número de atletas cresceu, competições apareceram. Mas ainda está muito distante. Muito aquém do que é o feminino na Ásia, na Europa, na América do Norte. Estão sempre na frente. E, para completar, sempre aparecem problemas que nos fazem regredir. É incrível. 
 
No masculino é mais fácil? 
Bem mais.  Você tem estrutura bem melhor. Quando comecei no feminino, tinha de fazer todas as funções da comissão técnica. Era preciso adequar o treinamento com criatividade.

Nordeste aposta na modalidade, apesar de tudo

O Nordeste pode virar opção. O América-RN aposta na categoria e contratou a atacante Formiga. O Vitória de Santo Antão (PE) faz trabalho de base para revelar atletas e quer levar a Libertadores deste ano para Pernambuco.

“Dizem que o feminino não dá retorno nem dinheiro. Mas quantos times no masculino têm? As pessoas no futebol precisam enxergar os dois lados da moeda. Há retorno na mídia, sim. Isso é dinheiro”, afirma Paulo Maeda, coordenador do clube.

Ele tem longa lista de serviços prestados ao futebol. Seu trabalho no departamento amador do Santos culminou na revelação de Diego, Robinho e na formação do time campeão brasileiro de 2002. Nas vendas das revelações, o clube faturou R$ 150 milhões.

Há quem defenda faltar a conquista de um título de expressão por parte da seleção. A medalha de ouro olímpica e o título mundial poderiam dar um gás mais duradouro para a modalidade. As derrotas em jogos decisivos apenas despertam piedade e apoios efêmeros.  “Conheço o futebol por dentro e digo que há várias equipes em que o custo é zero. O time não paga nada para as meninas. Essa jogadora, quando chega aos 18, 20 anos, vai fazer outra coisa porque precisa ajudar a sustentar a família”, diz Frigerio.

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Benê Lima