Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, janeiro 04, 2012

Por que mudamos o foco sempre que perdemos?

Não se pode desconectar a formação dos grandes jogadores da formação de grandes homens e cidadãos responsáveis. Porém, Brasil ainda permanece apenas no discurso
Eduardo Bernardo*

Ao fim do jogo entre Barcelona e Santos, quase todos questionaram o futebol brasileiro e o modelo de jogo adotado pelo treinador alvinegro. Porém, minha pergunta é: temos que procurar culpados ou soluções para os nossos problemas?

Polemizar e apontar este ou aquele como único responsável pelo fracasso do Santos (ou do Internacional em 2010) não resolverá nosso maior desafio que é melhorar a técnica, o padrão tático, os aspectos psicológicos, cognitivos e físicos dos nossos jogadores, por meio de conhecimentos e estudos interdisciplinares no futebol.

Enquanto Portugal, através da Universidade do Porto, e a Espanha mudaram a maneira de pensar futebol, o Brasil não padroniza o sistema ou a filosofia de treinamento sequer na raiz, ou seja, na base dos seus clubes.

Muitos dos nossos grandes representantes despejam grandes cifras com jogadores em suas categorias de formação, mas se preocupam pouco com sua filosofia, tanto no momento de transição dos atletas (da base para o profissional), quanto na contratação de profissionais com um perfil adequado para a proposta do clube.

Por esse motivo acabam recorrendo a jogadores formados em agremiações menores, que em alguns casos têm menos qualidade técnica, menor leitura de jogo e nenhuma identidade com a aquela história. Por consequência, não finalizam o processo de formação dos atletas revelados em casa, que acabam deixando suas equipes muito jovens.

Outro ponto a se destacar é de que não há investimentos na formação dos profissionais que trabalham no futebol e poucas apostas são feitas em profissionais do meio acadêmico, sejam eles ex-atletas ou não.

Parece absurdo ainda hoje, em pleno século XXI, ouvir-se de profissionais do futebol que, ao ver uma criança tocar na bola, pode-se perceber se ela tem ou não jeito para a coisa, como se isto bastasse para detectar o talento.

Enquanto Espanha, Inglaterra, Alemanha, Portugal, Estados Unidos e até o Chile, através de cursos universitários, associações de treinadores, federações e confederações de futebol, investem na formação de treinadores e em formar escolas com um padrão e uma filosofia, o pentacampeão mundial prefere discutir pura e simplesmente se a equipe do Santos errou ao jogar com três zagueiros e se o Internacional não deveria ter focado mais no Campeonato Brasileiro, para se preparar melhor. (Grifo nosso)

Enquanto alguns países, igualmente desenvolvidos em futebol, preocupam-se com projetos de longo prazo, o Brasil só se preocupa com projetos imediatistas. Em 1998, por exemplo, a Alemanha tinha um programa de formação e incentivo para jovens vislumbrando a Copa de 2006. Foi detectado (na época) um problema de envelhecimento do futebol alemão. Em 2010 – e ainda hoje - podemos observar que o programa funcionou e novos valores brotam nas categorias de base, mesmo em um país com uma população bem menor, porém mais desenvolvido e onde as opções e oportunidades de estudo são maiores.

Alguns movimentos de evolução e desenvolvimento começam timidamente ocorrer no Brasil. Preocupação com a formação, sistemas de treinamento e outros estudos relacionados já são abordados em alguns fóruns. Mas é preciso muito mais. Não se pode desconectar a formação dos grandes jogadores da formação de grandes homens e cidadãos responsáveis. Porém, isto não pode ficar só no discurso. Por outro lado, ter talentos em uma equipe é importante, porém é preciso que todos os seus jogadores tenham inteligência de jogo para acompanhar e dar suporte aos grandes gênios.

O Brasil é ainda um dos grandes produtores de talentos do mundo, mas há muito tempo que não é mais o melhor em lapidar as suas joias e em formar atletas capazes de suportar uma mudança repentina de padrão de vida ou mudança brusca de hábitos.

Esse quadro é reversível, mas a nossa miopia e nossa soberba ou arrogância futebolística podem afetar decisivamente o nosso futuro nesta arte que se constitui o maior orgulho e patrimônio nacional.

*Treinador de futebol, bacharel em Educação Física e membro da NSCAA (National Soccer Coaches Association of America – USA "License B")

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Benê Lima