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"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, outubro 05, 2016

Dois erros comuns ao comparar sócios-torcedores brasileiros e europeus

Estádio da Luz, do Benfica, em Lisboa  
Por Rodrigo Capelo 

Por incentivo da Ambev, no Movimento Por Um Futebol Melhor, programas de sócios-torcedores brasileiros são comparados com europeus com certa frequência. Lá atrás, em 2013, logo após o lançamento do grupo de empresas que dá descontos a sócios de times de futebol, a cervejaria determinou o Benfica, de Portugal, como uma referência a ser seguida – inclusive com a hipótese fantasiosa do "se fôssemos todos o Benfica, teríamos milhões de sócios, muitos milhões de reais em receita e seríamos os maiores do mundo". Do fim de 2014 para 2015, outro paralelo foi incentivado pela empresa, um ranking de sócios global, que tem o próprio Benfica disparado na ponta e vários outros brasileiros muito bem colocados. Vamos com calma. Há dois erros comuns: acreditar na versão da cervejaria de que o Benfica é referência global e supor que clubes estrangeiros se importem com esses números.

A começar pelo Benfica. Quem passa pelo Estádio da Luz, em Lisboa, como fez este blogueiro no domingo passado, vê no piso superior do museu benfiquista a marca de 248.954 sócios. É menos do que os 251.315 que o Bayern de Munique anunciou ter em 28 de novembro de 2014, mas é um número considerável. O problema é que os valores cobrados são baixos. A cota mais cara sai por 12 euros (R$ 42). Quem vive a mais de 50 km de Lisboa paga oito euros (R$ 28), quem tem entre 14 e 18 anos, seis euros (R$ 21), e quem tem menos de 14 anos, três euros (R$ 10). Daí surgem dois problemas: os portugueses não informam quantos sócios estão em cada categoria, tampouco quantos deles estão adimplentes – com mensalidades em dia. O Internacional, no Brasil, segue a mesma linha.

O sinal de que há muito número para pouco resultado no Benfica está no balanço financeiro: o de 2013/2014 mostrou uma receita de € 3 milhões com associados. Há, nela, um problema contábil, pois o clube repassa 25% da receita para o Benfica SAD, o “Benfica empresa”, mas repassava 75% até a temporada anterior, o que mistura ambos os números. O valor exato que o time recebeu de sócios não é conhecido. De qualquer maneira, é evidente que o Benfica fatura muito menos do que brasileiros que despontaram recentemente, PalmeirasCruzeiro e Flamengo, fora outros mais adiantados, Grêmio eInternacional. O Benfica não é referência porque cobra pouco e, consequentemente, arrecada pouco.

Águias do Benfica, Vitória e Gloriosa, no Estádio da LuzÉ claro que benfiquistas são bons exemplos em diversos aspectos. As visitas ao Estádio da Luz, cujo ponto alto é ver de perto as duas mascotes, as águias Vitória e Gloriosa, e ao museu, ambas experiências pelo preço de 15 euros, são bons exemplos de como faturar num dia sem jogo de futebol – como também faz o rival Porto. Os descontos na compra de produtos licenciados também deveriam ser copiados de maneira consistente por muitos clubes brasileiros, que dão desconto em cerveja, mas não na camisa oficial do time. Em resumo: o Benfica tem muito a inspirar. Só não pode ser tomado como referência por liderar um ranking que não leva em conta nem inadimplência, nem receita.

O segundo erro é supor que europeus se importam com a liderança deste ranking – que a própria Ambev esclarece não ser definitivo, pois faltam dados de vários dos principais times do mundo, bem como falta exatidão e atualização em alguns dos números relatados, mas que a imprensa assim o repercute. Programa de associação, por lá, é muito mais um caminho para assegurar a compra de “season ticket”, pacote de ingressos para a temporada completa, do que uma rede de benefícios diversos a ser consumida por centenas de milhares. Tomemos o Barcelona como exemplo, este sim dono de uma receita considerável com associados – € 50,1 milhões em 2013/2014, equivalentes a R$ 151,2 milhões, com mensalidades e ingressos de 153.458. O Barça, global, com vários dos melhores jogadores de futebol da atualidade, tem fãs em todo o mundo e poderia conseguir muito mais sócios, certo? Mas ele não os quer.

Um “membro” só consegue fazer parte do quadro social se tiver parentesco com outro membro, seja pai ou mãe, avô ou avó, marido ou esposa, cunhado ou cunhada, padrasto ou madrasta, tio ou tia, sobrinho ou sobrinha, primo ou prima. Quem não tem vínculo pode virar sócio depois que tiver por três anos o "cartão de compromisso". Ele custa € 137 (R$ 413) e não dá direito a nada. Nem a voto, nem a participar da Assembleia Geral, nem a comprar season ticket. Nada. Só serve para se candidatar a membro após três anos. Candidatar-se! A entrada no quadro social não é garantida nem para quem se submete a isso, e quem quiser tem de ir pessoalmente a Barcelona retirar o cartão, pois não há entrega via correio. O "sócio-torcedor" do Barcelona não foi feito para ser democrático e abrangente, mas um clube exclusivo.
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Benê Lima