Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, outubro 05, 2016

O que uma liga tem a oferecer aos clubes (mas presidentes teimam em ignorar)

Reunião de presidentes de clubes na CBF

por Rodrigo Capelo 

A Fifa sofreu devassa que fez até Joseph Blatter, há 17 anos confortável na presidência, desistir de continuar nela por muito mais tempo. José Maria Marin, ex-presidente da CBF, está detido na Suíça.Marco Polo Del Nero, amigo e sucessor dele na CBF, desdobra-se para aparentar transparência e uma reforma no futebol brasileiro que, a julgar pelo o que se viu nos depoimentos dele, será minúscula diante do que há para ser feito. O empresariado receia em continuar a investir em patrocínios e finge que não financiou tudo que está aí por todo este tempo, a imprensa repercute investigações americanas todo dia, e a opinião pública, que na prática pouco conta, é de descrédito e vergonha. Este é o contexto. E neste contexto presidentes de clubes brasileiros se apequenam. Perdem uma oportunidade histórica, que tardará a surgir novamente, para ganhar poder político e financeiro no futebol que efetivamente é deles.

A criação de uma liga deveria ser a primeira atitude dos presidentes que comandam quem forma atletas, paga a conta, possui torcedores e representa o futebol, os times. Que Walter Feldman, secretário-geral da CBF que acaba de ser trazido da política para o futebol por Del Nero, vá questionar a necessidade de uma associação de clubes em toda entrevista que dá à imprensa é absolutamente natural. É o negócio dele que está em jogo. Que Eurico Miranda, de volta à presidência do Vasco em 2015, vá debochar da ideia – “não sei por que tem esse negócio de ser liga ou não. Os clubes que decidem, e não interessa se é liga, pinga ou diga” – também é natural. Ele pertence a uma escola de cartolões caricatos que mandam como querem e ainda não notaram que há algo diferente (o dinheiro) no futebol. Triste é ver que, entre todos os outros, a iniciativa de unificar a gestão dos times parte apenas de Mario Celso Petraglia, do Atlético-PR, e Carlos Miguel Aidar, do São Paulo, e logo é abafada até pelo pequeno Avaí.







A relutância em unir interesses por meio de uma associação talvez se dê pela ideia de que uma liga só decida regras do campeonato, arbitragem, questões técnicas, como deram a entender presidentes que falaram após reunião na CBF na última segunda-feira. É isso, evidentemente, mas é mais. É substituir os desencontros entre dirigentes fora de campo por uma gestão combinada que ganhe mais e gaste menos.

Vamos tropicalizar, hipoteticamente, a inglesa Premier League. Os 20 clubes do Campeonato Brasileiroformam a liga, e eles se revezam conforme promoções e rebaixamentos à Série B. Os 20 elegem presidente, talvez alguns vices, todos não remunerados. Eles são a ala política da associação e têm a tarefa de contratar diretor executivo, este sim remunerado, e gerentes assalariados para coordenar áreas: mídia, comercial, licenciamentos e marketing. Nem entram, nesta hipótese, questões técnicas, esportivas. Só gerenciais. O custo desta estrutura, que tem como prerrogativa ser enxuta, é um investimento compartilhado pelos 20 e precisa ser recuperado em tantos anos. A ala executiva responde à política, mas é independente. É assim que funcionam empresas fora do esporte, ligas europeias e até a Fifa.

O gerente de mídia vende cotas de direitos de transmissão para emissoras de televisão, estuda a divisão igualitária delas, que pode seguir um modelo de distribuição como o inglês, mas não só. É papel dos clubes alavancar a venda de pacotes pay-per-view, gerar alguma receita com direitos de transmissão para rádios, que hoje nada pagam, estruturar e vender plataformas digitais, levar o Campeonato Brasileiropara emissoras do exterior. Em 2014 os 19 principais times brasileiros obtiveram R$ 1,12 bilhão com mídia, e o grosso vem da televisão aberta. Há mais dinheiro no mercado a ser captado por esta área.

O gerente comercial vai atrás de negócios com empresas. Ora, já há um profissional deste no departamento de marketing de cada grande clube brasileiro – ele é chamado de diretor de marketing, gerente de marketing. Não há grande inovação. Só união. O patrocínio ao futebol, quando não estatal ou feito por um empresário torcedor, hoje serve como apenas porta de entrada para empresas pequenas ou estrangeiras – quando crescem ou esgotam verbas de marketing, elas saem – e se concentra demais em exposição na TV aberta. Este gerente capta novos negócios e se compromete em entregar contrapartidas às empresas. Pode vender os calções de todos os clubes de uma vez para uma grande companhia que queira visibilidade sem despertar rejeição em torcida alguma, pode montar campanhas publicitárias com empresas que não envolvam uniformes, mas deem às patrocinadoras acesso à enorme base conjunta de torcedores via CRM e ativações. Fora o dinheiro que já está no futebol, mas nas mãos de federações, das placas publicitárias de estádio, que atraem mais marcas do que uniformes, inclusive.

O gerente de licenciamentos cuida de produtos que levam marcas dos times e, em troca, geram royalties. A grana não é tanta quanto nas duas áreas anteriores, mas há potencial enorme e inexplorado. Hoje cada equipe sofre para organizar e monitorar contratos com centenas de fornecedores de canetas, bonés e apitos ao mesmo tempo. Esta área da liga faz isso. De novo, não há grande inovação. Só união de profissionais que atualmente fazem este trabalho desordenadamente nos departamentos de marketing. O negócio melhora para todo mundo: clubes faturam mais e estreitam relacionamentos com torcedores, fabricantes de produtos dos mais variados têm entrada facilitada no mercado do futebol. Bizarrices como a ausência de brasileiros em um game como o Fifa 15, jogado por milhões, não aconteceriam.

O gerente de marketing se dedica ao planejamento do futebol brasileiro, embasado, logicamente, em pesquisa. Quem são nossos torcedores, como eles consomem o esporte, aonde eles estão. O que o Campeonato Brasileiro pretende ser no mercado doméstico e no externo, o que ele já representa e que características terá destacadas no imaginário do público. Este profissional direciona e apoia todos os outros. Todos sob comando do diretor executivo, que por sua vez responde ao presidente eleito.

É por isso, Eurico, que tem “esse negócio de ser liga”. Sem estrutura profissional e executivos remunerados com horário de trabalho e metas a bater, não há grupo de dirigentes de marketing no Whatsapp, como o criado por teu gerente da área, que resolva. Todas essas áreas são subaproveitadas por times, umas mais e outras menos, e até aqui só foram abordadas receitas. Do lado das despesas, a união de clubes é a melhor maneira para acabar com salários injustificados a jogadores de qualidade média, reduzir o troca-troca de técnicos e a consequente grana perdida com rescisões de contratos, e até coibir o aliciamento de atletas e treinadores – não foi o Vasco que criticou o Grêmio por cogitar a contratação de Doriva? Interessa se é “liga, pinga ou diga” porque há muito mais a ser trabalhado do que decidir questões técnicas de sempre. Tudo isso pode e deve ser estruturado em paralelo à MP do Futebol. Basta que nossos presidentes conversem uns com outros e tomem iniciativa. A oportunidade está aí.

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Benê Lima