Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, novembro 19, 2016

A relação do futebol com a música dá samba

Márcio de Oliveira Guerra* 
Resultado de imagem para Bola que canta e encanta

Toca essa bola,

Esse “jogo” entre futebol e música começa a rolar no século passado, quando os primeiros compositores iniciaram a busca e inspiração nas partidas para cantar sobre os encantos da bola. Pixinguinha, Noel Rosa, Lamartine Babo são nomes marcantes da MPB do começo dessa história. Depois vieram Jorge Ben Jor, Gilberto Gil, Chico Buarque, Beth Carvalho e muitos que acabam ficando no anonimato, mas que sempre tiveram como fonte inspiradora o futebol.


Se estamos falando de algo relacionado ao futebol é claro que não faltaria também nesta relação com a música o que mais norteia o jogo: polêmica. E ela começa na discussão sobre qual a primeira manifestação musical sobre o tema. O pesquisador José Ramos Tinhorão aponta a polca Amadores da Pelota, de A. Borges Teixeira como a pioneira nessa história. Outras fontes apontam um chorinho chamado Flamengo, composto pelo pistonista Bonfiglio de Oliveira, que em 1911 ou 1912 (ainda indefinido), compôs a música em homenagem à entrada do Flamengo na disputa do Campeonato de Futebol do Rio de Janeiro.Um dos marcos deste começo da relação entre música e futebol é a composição de Noel Rosa, Conversa de Botequim. 

“Seu garçom faça o favor de me trazer depressa, uma boa média... Vá perguntar ao seu freguês do lado, qual foi o resultado do futebol” mostrava a reação de um bom malandro no bar. É também de Noel Rosa, em 1931, o samba Quem dá mais. 

Voltando ao começo do século passado, em 1918, Pedro Sá Pereira faz a melodia para a marcha composta por Francisco Teles intitulada “Alê-Guá”. Aquino (1996) conta que “era uma espécie de grito de guerra adotado na época pelas torcidas de todo o país. Os versos dessa marcha, distribuídos por três estrofes, inspirariam a ‘receita’ da música sobre o futebol até hoje”. Foi então que o compositor Feijoada compôs Goal Brasileiro, música de Luiz Nunes Sampaio. 

“Bianco e Píndaro/Na defesa/Garantem ao Marcos com firmeza./Amilcar, Sérgio e Dadá fazem tiradas/Que é o maná/Os dianteiros/Fazem entrar/Tiros certeiros de assombrar...No water-polo, que canja/Em natação, Abração.

O próximo passo seria inevitável: a criação de hinos que exaltassem os clubes de futebol. O primeiro registrado no Rio de Janeiro é de autoria de Paulo de Magalhães, jornalista e teatrólogo. Ele compôs um hino para o seu clube de coração, o Flamengo. Uma versão que acabou se tornando o “segundo” hino do clube, após a criação de Lamartine Babo. O refrão da composição de Paulo é um dos mais conhecidos.

A música exaltando os feitos de um clube acontece também em 1925, mais precisamente para destacar o Paulistano. A equipe de São Paulo se aventurou em uma excursão ao exterior. Fez sete jogos, venceu seis e perdeu um. Tudo sob o comando de Friedenreich. Um feito cantado assim – música de Osvaldo Cardoso de Meneses e letra de Sílvio Pereira de Sá, com o título Os Brasileiros.

Fiquei injuriado. Naquele estado de espírito, eu seria capaz de declarar guerra aos Estados Unidos. Já no Brasil, descobri que o espertalhão tinha sido o Lamartine: o hino do América era mesmo... da América. Quem me confirmou o plágio foi Sargentelli, sobrinho querido de Lamartine, que sabe tudo sobre o titio. O Lalá chupou mesmo o dobrado. Mas e daí? Há quanto tempo os gringos afanam coisas nossas e nunca devolveram nada? Desde então, canto, com um certo tom de forra a deliciosa introdução da marchinha americana:

-Trá-lá-lá-lá-lá-lá -Trá-lá-lá-lá-lá-lá -Trá-lá-lá-lá-lá! (G1- Curiosidades do esporte- consulta 28;06;2011)

“É o trem da Colina que chegou/ Sua raça e toda a massa alegria e mais fervor/ É o trem da Colina que ultrapassa/ a conquista de uma taça/para mostrar o seu valor.”.

O recém campeão paraense, o Independente (primeiro clube do interior do Estado que conquista o título), utiliza em seu hino um recurso muito comum em outras músicas criadas para os times. Ele fala do mascote. Curiosamente, o Galo do Independente é muito especial, afinal, trata-se de um Galo Elétrico. 

“Tu és meu Galo Elétrico/ A alegria do futuro e do presente/ Sempre seguirei/ Oh! Meu Independente.”

E por falar em Galo, não se pode deixar de lembrar do Hino do Atlético Mineiro. Ele cita uma competição que só aconteceu uma vez e que acaba servindo de deboche por parte dos adversários.

“Nós somos campeões do gelo...” A medida em que se começa a pesquisa e a leitura atenta aos hinos o número de curiosidades aumenta. Expressões como “campeão”, “maioral”, “vencedor”, são algumas recorrentes (a pesquisa pretende, inclusive, depurar isso melhor ao final). Diante de muita mesmice e fatos estranhos nas letras, esperava-se encontrar no Hino do Legião Urbana, time de Brasília, inspirado em Renato Russo, algo bem criativo. No entanto, a letra de Gustavo Leão diz “Avante Legião, Ao seu destino de glória. Soldados Laranjas, reinventando a sua história. Centuriões Laranjas, cujo lema é a vitória.” Nada efetivamente muito criativo. Renato Russo merecia algo melhor. 

Vem de Goiás outra “preciosidade” em termos de letra. Eis o refrão do hino do Goiânia, que é outro Galo do futebol brasileiro. “Cadê a bola? Cadê, cadê? Goiânia Esporte Clube futebol é com você. Com você. Com você.”

Quem também cantou o futebol foram as escolas de samba. Em São Paulo, inclusive, os grandes clubes já ganharam “filiais” no sambódromo, representadas pelas torcidas organizadas “Gaviões da Fiel”, “Mancha Verde”, “Independente”. No Rio, as escolas já homenagearam os clubes em seus enredos. “Lá, lá, lá, Lamartine/”cantou a Estácio de Sá, falando do América. “Bota, Bota, Botafogo nisso”, falou a Caprichosos de Pilares. A União da Ilha do Governador trouxe para o Sambódromo 

A gaitinha tocando, é gol. A galera gritando, Mengo”, “Sou Vasco da Gama meu bem, campeão de terra e mar”, anunciou a Unidos da Tijuca.Mas a Seleção Brasileira foi e continua sendo (mesmo estando hoje menos próxima do torcedor) uma fonte inesgotável de inspiração para nossos músicos. Do começo do século passado até a marcante “Eu te amo meu Brasil, eu te amo, meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil” ou do “todos juntos vamos, prá frente Brasil, Brasil, salve a Seleção”, ambas do período mais duro da ditadura (Copa de 70, no México), o selecionado brasileiro foi fonte certa de criação e arrecadação, especialmente em épocas de competição mundial.Alfredo Borba, em 1959, compôs “Verde e amarelo”. Como sempre se caracterizou, a música que fala de Seleção “apela” para o nacionalismo, para as cores nacionais, para o amor a pátria.

Até o ex-lateral esquerdo e hoje ocupando a função de comentarista de TV, Júnior, se arriscou e lançou um LP completo de pagodes e sambas com o tema Seleção. Isso sem falar nas próprias emissoras de televisão que sempre escolhem um tema para ser a inspiração de sua cobertura e tentarem emplacar um hit entre os torcedores. Quem não se lembra do repetitivo “Papa essa Brasil, papa essa Brasil”, numa alusão de gosto duvidoso ao fato da copa ser na Itália e próxima do Papa?

Também a publicidade “deita e rola” com o futebol. Além das marcas de material esportivo, as de bebidas, chinelos e derivados não perdem a chance de criar jingles aproveitando-se da paixão do torcedor e tentando fixar a marca do produto através da música e futebol. Até mesmo quando se apropriam de uma música de sucesso com Rider, na Copa dos Estados Unidos, que usou “O Tio Sam mandou parar aquela batucada...Brasil, esquentai vossos pandeiros, iluminai os terreiros, que nós queremos sambar”, um comercial cheio de bandeiras e torcedores invadindo uma terra nem tão repleta de amantes do futebol.Mas nossa pesquisa sinaliza também para aqueles que estão em campo ou estiveram e que inspiraram artistas na criação de músicas. Branco (2010) lembra que Mário Filho (1946) cita que nos anos 30, com os jogadores amadores já não aceitavam mais essa condição diante de colegas que começavam a ser assalariados e que três quatros dos jogadores em 1940 vinham da classe baixa. E mais, que no final da década de 30 do século passado já existiam jogadores negros em vários clubes. Foi quando Ari Barroso e Nelson Petersen compuseram Deixa Falar (1938). Um samba que virou sucesso na voz de Carmem Miranda e que exaltava Leônidas e “ao mesmo tempo conclama a união entre os times, a solidariedade da raça. Após a narração de um gol de Leônidas, na voz de Ari e sua famosa gaitinha, entra Carmem”.

Inesquecível, no entanto, é a Balada Nº 7, de Moacyr Franco, em homenagem a Garrincha, quando o jogador do Botafogo e da Seleção Brasileira encerrou a carreira.

A outra vertente da pesquisa que se inicia vai buscar nas manifestações dos torcedores de futebol um outro campo de criatividade e relação de música com o esporte. Um local onde se abrem espaços para criações, adaptações, improvisos, provocações, louvores, gritos, tudo ao ritmo musical. Dos hinos, que são entoados como se fossem o de um país (e o são na visão de quem entende o futebol como a “pátria de chuteiras”), até “urros” monocórdios, o que importa é acreditar que esse ritmo vindo da arquibancada poderá levar o time a vitória.

E exemplos não faltam. A torcida do Fluminense, quando vê o time em apuros, apela logo para a música composta para o Papa João Paulo II: “abenção, João de Deus, nosso povo te abraça”. Mas o grito pode ser de um “bando de loucos”, hit que marcou definitivamente o torcedor do Corinthians, surgido quando o clube amargou a Segunda Divisão do futebol brasileiro: “aqui tem um bando de loucos, loucos por ti Corinthians. Aqueles que acham que é pouco, eu vivo por ti Corinthians. Eu canto até fica rouco. Eu canto prá te empurrar. Vamos, vamos meu Timão, vamos meu Timão. Não ppara de lutar”. O maestro, músico e professor André Pires, em entrevista a Aquino (1996), comenta sobre essa criatividade que emerge das arquibancadas e que, em sua maioria, nem mesmo autoria tem. Alguém improvisa, cantarola, outro sugere um acréscimo e eis que surge mais uma música falando de futebol, provocando o adversário ou exaltando o seu time.

A professora de lingüística da Faculdade de Letras e ex-reitora da UFJF, Margarida Salomão, também no trabalho de Aquino (2006) analisa expressões que ganham melodia e ritmo nas arquibancadas, como o “Uh Tererê” ou o “Ah! Eu to maluco” e, mais recentemente, o grito de “Sai do chão, sai do chão, a torcida do ... (nome do time reduzido terminado em ão).

Curiosamente, o comportamento dos chefes das torcidas organizadas nas arquibancadas se assemelha muito ao de um regente de uma orquestra ou coral. Eles costumam passar os jogos de costas para o campo, em cima de grades, cobrando mais entusiasmo, mais participação dos ”outros músicos”.

Mas a música que vem das arquibancadas pode ser uma adaptação, como a feita pelos torcedores de Flamengo e Internacional, utilizando-se do ritmo da música composta para Ayrton Senna: “tu és, time de tradição, raça, amor e paixão, oh meu Mengão”. Pode vir também através de uma provocação. Quando em uma final do Campeonato Brasileiro, no jogo entra Flamengo e Botafogo, parte do alambrado da arquibancada se rompeu e alguns torcedores flamenguistas caíram na geral. Tudo transmitido pela televisão. Passado o drama vivido no dia, isso virou música para os adversários.Essa história nas arquibancadas começa com os gritos de “olé, olá, o São Paulo ta botando prá quebrar”. E uma inocente provocação (hoje todas são repletas de palavrões): “um dois três, o Flamengo é freguês”. Mas entre os hits que são perpetuados entre os torcedores está o de Bebeto, chamado Domingo. Música que é sucesso nos campos, nas quadras de escola de samba e em todas as comemorações.

Num primeiro momento, nos parece que teremos diversas formas de abordagem sobre os hinos dos clubes. Entre elas, aqueles que trazem um pouco da história de seus Estados e municípios, as expressões mais corriqueiras, os exageros e as formas mais estranhas de cantar as conquistas dos times. Só que, ao mesmo tempo, os primeiros dados nos mostram que a Seleção Brasileira não pára de ser a “musa” inspiradora (mesmo nos tempos de Dunga e Mano).

Nacionalismo, ufanismo, patriotismo, exageros também, tudo isso faz parte da primeira coleta de observações sobre as músicas que falam da Seleção Brasileira. As cores verde e amarela – apesar do uniforme número um ser azul e amarelo- são campeãs de citação nas letras. Mas tão instigante quanto entender como clubes e seleções viraram tema de sambas, pagodes, rocks e funks, é constatar que autores anônimos, assim como o são como torcedores, criam nas arquibancadas gritos, urros, músicas, que saem do coração e servem para motivar platéia e “artistas” nos estádios.

Ainda não é possível ter a dimensão correta de onde chegar. Mas o pouco que se fez até o momento sinaliza como um campo muito vasto a ser explorado. Alguns pesquisadores já fizeram trabalhos sobre o tema e, agora, nossa meta é sistematizar os quatro eixos como forma de organizar nosso estudo. Primeiro iremos à fundo nos hinos dos clubes.Depois, será a vez de buscarmos levantar o que foi composto sobre a Seleção Brasileira. A seguir, buscaremos identificar o que foi feito em homenagem aos jogadores de futebol do país, independente de grau de qualidade desses atletas.

Finalmente, o último aspecto, mas não menos importante, será puxar pela criatividade das arquibancadas e levantar músicas, provocações, paródias musicais que o torcedor vem cantando nos estádios. O pontapé inicial foi dado, os ritmos poderão ser muitos, mas que essa história vai dar samba, a isso vai dar.


Que vitórias vai contar
Aqui vem todo garrido
Joguem flores no passar
Turuna rapaziada
Radiante com o sol
Pois nunca ficou cansada
Num valente futebol. (...)
É!...É...É
Alê-guá. Guá. Guá.
Alê-guá. Guá. Guá. 
Hurrah! Hurrah!
 

Tua glória é lutar.
Flamengo! Flamengo!
Campeão de terra e mar.
 

Que tantas vitórias
Ao nosso pavilhão
Ofertaram
Cobertos todos de louros
E glórias
Com garbo
As conquistaram ...
... Hurras! ao Paulistano,
Time invencível
Em um brilhante
Campeonato
Provaram que eram mesmo
De fato
Do futebol os reis
Pois venceram seis.

O locutor diz que acabamos de ouvir o dobrado tal, de não sei quem. Falou lá o nome de um autor americano. Pensei no ato: Ladrões! Roubaram o hino do América! Quando chegar ao Brasil, vou denunciar o plágio descarado.


Comércio parado.
A torcida mais parece a do Fla-Flu
Bangu, Bangu, Bangu.


São as cores do Brasil.
Vencemos o mundo inteiro.
Maior no futebol é o brasileiro.
Salve a CBD.
Jogadores e diretores.
Salve a raça varonil.
Campeão do mundo, Brasil.
 

Deixa Falar.
Esse samba tem Flamengo.
Tem São Paulo
São Cristovão
Tem pimenta e vatapá
Fluminense e Botafogo
Já têm o seu lugar
Que o Diamante
Fosse jóia de mentira
Para tapear você pensava
Que o caboclinho fosse
Negro de senzala
Para se comprar
Só que viu que ele tem um sete
Deixou o mundo inteiro em revolução
Quando ele bota aquele pé em movimento
E chuta para dentro, não tem sopa não.


No estádio vazio
Uma torcida de sonhos
Aplaude talvez
O velho atleta recorda as jogadas felizes
Mata a saudade no peito
Driblando a emoção
Ainda na rede balança seu último gol
Mas pela vida impedido parou
E para sempre o jogo acabou
Suas pernas cansadas
Correm pro nada
E o time do tempo ganhou
E o que era doce, o que não era se acabou.
Cadê você, cadê você, você passou
No vídeo tape do sonho a história gravou


Mané, Garrincha!
Até hoje o meu peito
Se expande.
Mané que venceu lá na Suécia,
Mané que nasceu
Em Pau Grande

Escuta o que eu vou te dizer.
A festa da raça está em extinção.
Vocês viram na televisão.
Coitadinha da Raça, 
A raça do Urubu.
Tentou voar no Maraca legal,
E caiu na geral.
 

Eu vou ao Maracanã.
Torcer pro time
Que sou fã
Vou levar foguetes e bandeiras
Não vai ser de brincadeira
Ele vai ser campeão
Comprei cadeira numerada
Mas vou sentar na arquibancada
Pra sentir mais emoção
Porque meu time
Bota prá tremer
E o nome deles 
São vocês que vão dizer.
Ô, ô, ô, ô, ô, ô
(nome do time do torcedor)

Bola na área sem ninguém pra cabecear
Bola na rede prá fazer o gol.
Como jogador
Quem não sonhou
Em fazer um gol e ser um jogador de futebol?


E a lomba bateu
O jogo é às cinco
E eu sou mais o meu
Tô com a geral no bolso
Garanti meu lugar
Vou torcer
Vou xingar
Pro meu time ganhar.
Não precisa ser de placa
Eu quero ver gol.
 

Contava a história de um concurso popular promovido por uma marca de cigarros para a escolha do jogador mais popular. Na última apuração Russinho, do Vasco, venceu de Fortes, do Fluminense, e ganhou uma baratinha, carro que era o sonho de consumo na época.(AQUINO e SOUZA, 1996, p.63)

A música de Noel dizia: “Cinco mil réis.../Duzentos mil réis.../Um conto de réis.../Ninguém dá mais/De um conto de réis?/ O Vasco pega o lote na batata/E em vez de barata/Oferece ao Russinho/Uma mulata”. 

(...) o nosso clube destemido

Como é! Como é! Como é!
Contam também os primeiros estudos sobre música e futebol que desde o começo as primeiras conquistas dos clubes brasileiros, da Seleção e eventos esportivos eram logo trabalhados pelos compositores e viravam sucesso. Um dos eventos foi a conquista da Seleção Brasileira do seu primeiro campeonato sul-americano de futebol, em 1919. Mesmo ano em que o Brasil teve um bom desempenho do water-polo e natação. 
Flamengo! Flamengo!
Outro clube que teve um primeiro hino que depois foi substituído por outro foi o Fluminense. Em 1916, o músico Antônio Cardoso de Meneses Filho faz um hino para o tricolor. Em 1922 foi a vez de Americano Maia (letra) e Fernando Soriano Robert (música), empolgados pelo fato de o América ter impedido o tricampeonato sonhado pelo Flamengo, comporem um hino para o clube alvi-rubro, que, da mesma forma dos outros, acabou sendo superando por uma nova composição, de autoria de Lamartine Babo.
Salve os heróis
A essa altura Lamartine Babo cada vez mais via no futebol um espaço para se projetar. Além de dezenas de composições voltadas para falar de times e jogadores, ele acabou tendo seu nome marcado definitivamente nesta relação quando se propôs a fazer os hinos dos grandes clubes cariocas. Assim, Vasco, Flamengo, Botafogo, Fluminense, América e Bangu ganharam seus “novos” hinos, que acabaram se tornando mais conhecidos que os primeiros. Torcedor americano, ele acabou caprichando na composição do seu clube, mas é também aqui que teve a maior dor de cabeça. Foi acusado de plágio.
"[...] Há muitos anos, estava eu passeando de carro pelo interior da França. Lá vou, rádio ligado, sonhando com um bom bordeaux. De repente, ouço o hino do América, tocado por uma banda. Fiquei entre surpreso e orgulhoso. Me lembrei, logo, do Maracanã lotado, a delirar com as diabruras do atacante Manequinho, um crioulinho saci-pererê do time do América, cujo ataque era chamado de Tico-tico no Fubá pelo estilo de jogo repicado, serelepe, que bem lembrava o chorinho de Zequinha de Abreu. 
Fato é que se o Hino do América, independente da acusação, continua sendo considerado um dos mais belos. Os compositores passaram a colocar nas letras expressões e coisas curiosas que fazem parte da pesquisa que estamos iniciando. Como por exemplo, o fato do Hino do Flamengo fazer referência ao Fla-Flu. Mas um dos mais curiosos está no Hino do Bangu. Nele, Lamartine deu uma exagerada.

... Em Bangu quando o time vence é feriado.
O Hino do Trem, do Amapá, faz uma alusão ao encontro do torcedor com Deus. “Trem tu és meu enredo. Tu és meu o apego. Tu és minha paixão. Quando fechar meus olhos direi ao criador.  "Com sua licença, Sou rubro negro amapaense Com muito amor". O termo recente utilizado pelo Vasco em sua conquista da Copa do Brasil, “trem da Colina” já era utilizado em um hino do Sul América, time do Amazonas, composto por Isac Júnior. 

Verde,amarelo,cor de anil.
Branco (2010,p27) comenta que a conquista da Copa do Mundo de 1958 abriu um cenário bem propício e inspirador para os compositores. Por outro lado, ele lembra que nos anos 70, além de exaltar as virtudes do futebol brasileiro, as composições tinham um caráter de uso “para emprestar legitimidade política ao governo. “Todos juntos, vamos, prá frente Brasil, Brasil, Salve a Seleção”,dizia o verso de uma das músicas tema feita para a Seleção Brasileira. 

Todos tem seu valor.
Você pensava
Uma das mais conhecidas, produzida nos anos 70 é Fio Maravilha, de Jorge Bem Jor. Que inclusive gerou uma polêmica entre compositor e jogador por um bom tempo. “Fio Maravilha, nós gostamos de você”. Mais tarde, numa apropriação literal, a música passou para “Túlio Maravilha, nós gostamos de você”. É de Chico Buarque a música que faz, entre outras perguntas, “e se o Botafogo for campeão?”, numa alusão ao longo período (na época) que o clube estava sem conquistar um título.
Sua ilusão entra em campo
Cadê você, cadê você, você passou.

Garrincha já tinha sido homenageado em 1959, um ano após a conquista da Copa do Mundo na Suécia. Alfredo Borba, que já tinha feito algumas composições para o Corinthians, faz uma marcha que virou sucesso na voz de Angelita Martínez.
Mané, Garrincha!

Outro grande talento do futebol brasileiro que foi homenageado foi Zico. O Galinho, como era chamado carinhosamente pela torcida do Flamengo, teve seu nome cantado por Morais Moreira. Um lamento pelo fato do atacante rubro-negro ter sido negociado em 1983 para a Udinese, na Itália. A letra dizia “e agora, como eu fico, nas tardes de domingo, sem Zico no Maracanã”. 

Esses jingles espontâneos que acontecem durante as partidas, esses verdadeiros slogans musicais, são, com certeza, uma das provas da importância da música para o futebol e de como as duas coisas se juntam. Normalmente, esses jingles são elaborados por alguém, num primeiro momento. 

A massa, quando assume essas melodias e essas letras, se encarrega de fazer uma espécie de erosão na linha melódica e na letra, transformando-as na cara dessa massa. A massa adéqua as letras e melodias ao seu entendimento musical e lingüístico... O “Uh Tererê” cantando em vários estádios do país foi uma adaptação de algo ininteligível para algo inteligível para a língua de quem está cantando e com um significado próprio.

Você na verdade está sendo conduzido por aquilo que o Pouds chamava de melopédia, ou seja, é muito mais importante a cadeia fônica, é muito mais importante a situação. No “Uh Tererê”, por exemplo, você tem uma oxítona, é como se fosse um verso, um brado de guerra, presente também em outras civilizações e culturas. Há outros exemplos, que são também atividades de massa como o futebol, em que as pessoas precisam mostrar uma espécie de identificação entre si, fazendo com que todos falem a mesma coisa.

Mesmo os torcedores do mesmo time torcem com emoções e experiências diferentes. O jogador, que é nosso interlocutor passivo, porque não nos dá nenhum retorno lingüístico, precisa ser entusiasmado e contagiado pela nossa própria euforia. Então, nós temos um brado único que é vazio de significado conceituais. O que quer dizer “Ah, eu to maluco”
Ô balance, balance.

Também pode vir essa criatividade do ajuste a uma provocação do adversário. Os palmeirenses, antes ofendidos quando chamados de porcos, assumiram o mascote e gritam animados após o gol: “chiqueiro, chiqueiro, chiqueiro, festa no chiqueiro”. Alguns cantos das torcidas se transformam em quase novos hinos, ou, pelo menos, disputam com eles a preferência nas arquibancadas. É o caso do “e ninguém cala, esse nosso amor, e é por isso que eu canto assim, é por ti Fogo”, cantado pelos botafoguenses. 

Domingo

Essa é uma música que se tornou de “domínio público” de todas das torcidas. Domingo é um sucesso “unificado” e a disputa é de quem gritava o nome do time mais forte. Até que surgem duas outras músicas que também são adotadas pelos torcedores em geral e que tratam do futebol. Uma delas quebra, inclusive, um padrão pré-concebido de que somente através de sambas, marchas e pagodes se falava de futebol. A banda de rock Skank compõe, em 1996, "É uma partida de futebol".
Bola na trave não altera o placar.

Seguindo esses passos, a banda O Rappa lançou outro grande sucesso: "Eu Quero ver Gol”. 
... tô no rango desde as duas
Eu quero ver gol, eu quero ver gol.

Interessante verificarmos que todos os gêneros musicais passaram a cantar o futebol, rompendo com todo tipo de preconceito que, desde a sua origem, esse esporte carregou. E esse rompimento tem significado importante e é o que a pesquisa que ora se propõe a fazer buscará sinalizar.

Primeiros (com) passos:
Quando se pensou em elaborar essa pesquisa a ideia inicial era a de percorrermos os caminhos entre música e futebol em suas origens e fixarmos o olhar nos hinos dos clubes. Não que isso não seja um dos principais focos ainda, mas só os primeiros dados coletados nos apontam um longo percurso, mas tão interessante quanto as curiosidades que já começaram a surgir com a leitura atenta dos primeiros hinos analisados. 


Referências bibliográficas:
AQUINO, Michael; SOUZA, Cláudio. O balé da bola. Projeto de conclusão de curso Faculdade de Comunicação. Orientador Prof. Dr. Márcio Guerra. UFJF- 1996.
AZEDO, Maurício. Jogando por música. Revista Placar, São Paulo, Editora Abril, janeiro 1978.
BRANCO, Celso. O futebol e a música popular brasileira (1915-1990)- Revista Historia e Esporte – Recorde- Vol 3 n1 – junho 2010.
OLIVEIRA, Augusto Vieira de. Futebol x Música. Grafisa. Campos dos Goytacazes – 2002.
OLIVEIRA, Fernanda Cristina de. Jogando por Música. Projeto de conclusão de curso Faculdade de Comunicação. Orientador. Prof. Dr. Márcio Guerra. UFJF- 1989
PEREIRA, Leonardo Afonso de Miranda. Footballmania. Uma história social do futebol do Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira, 2000.
TOLEDO, Luiz Henrique. Torcidas Organizadas de Futebol. Autores Associados. Campinas, 1996.
*Doutor em Comunicação pela UFRJ, Mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ, Especialista em Marketing; Professor da Pós-Graduação e Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Além disso, é diretor da Produtora de Multimeios da Facom/UFJF e coordenador do NP de Comunicação e Esporte- Intercom


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Benê Lima