Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

domingo, setembro 06, 2009

Entrevista

Alessandro Schoenmaker, preparador físico do vice-campeão holandês FC Twente (Parte 2)
Na segunda parte, o preparador físico do FC Twente fala sobre a metodologia do futebol holandês
Rodrigo Azevedo Leitão, Equipe Universidade do Futebol

Na primeira parte desta entrevista apresentamos um pouco da história do preparador físico Alessandro Schoenmaker, que possui uma carreira bem sucedida na Holanda. Contamos como ele conseguiu entrar naquele mercado, como fez sua adaptação e propôs mudanças na periodização do treinamento dos clubes pelos quais passou, como lida com grupos de atletas vindos de diferentes países, qual a visão dos holandeses sobre os jogadores e profissionais brasileiros, entre outros interessantes aspectos sobre o futebol holandês.

Graduado na Faculdade de Educação Física da Unicamp, Alessandro Schoenmaker é um dos mais respeitados preparadores físicos do futebol holandês. Ele trabalha na equipe do FC Twente, vice-campeã do último campeonato do país europeu.

“Em quase todos os momentos dos treinamentos, eles estão focados para a cultura holandesa, que dá bastante importância para o trabalho de posicionamento, passe, controle de bola, além do ritmo alto de execução e de concentração”, salientou Schoenmaker, na segunda parte da entrevista exclusiva à Universidade do Futebol, durante a visita a sua família, na cidade de Holambra (interior do Estado de São Paulo).

Nessa parte da conversa com o preparador físico do FC Twente conta algumas características do futebol e jogadores holandeses, como se organiza uma semana de treinamentos, sobre a questão da concentração nos treinos e jogos, por que as equipes holandesas têm dificuldades em vencer torneios internacionais, a qualidade e o interesse pelo aprendizado por parte dos treinadores holandeses, além de dicas valiosas para um profissional vencer no exterior.

Universidade do Futebol – Como é a sua relação de estruturação de trabalho como treinador? Como você estrutura o treino?

Alessandro Schoenmaker – Acho que é mais fácil descrever como é uma semana de trabalho por lá. Dentro do FC Twente há oito treinadores. Existe o manager que é o Steve McLaren. Ele possui dois assistentes, sendo um o responsável pela parte mais “administrativa” (planejamento da semana, treinos, quem vai treinar com os juniores, quem dos juniores vai treinar com o profissional, quem vai jogar na segunda, quem joga no domingo, quem joga no sábado, quem vai viajar para fazer um amistoso etc.) e com quem eu tenho todas as discussões sobre treinos, testes e jogadores novos. O segundo assistente está mais ligado a parte de campo.

Além deles, existe um treinador técnico que trabalha muito individualmente com os jogadores e com atletas novos. Ainda há um treinador de atacantes, um treinador de goleiros. Por fim, há um treinador do time B que, quando não está na sua função, colabora com a equipe profissional.

O trabalho não é fragmentado. Todos têm um trabalho específico e sabem o que devem fazer. Além disso, o planejamento para a semana seguinte já é definido na quinta-feira anterior. Nós temos um mural com todos os jogos do mês e todos os treinos que serão realizados. Com isso é possível prevermos como será a carga de treinos e jogos daqui a três semanas.

Por exemplo, se nós jogamos no domingo, na segunda-feira de manhã, há um trabalho regenerativo para os jogadores que atuaram por mais de 70 minutos. Já os jogadores que não participaram da partida ou que atuaram por menos de 70 minutos treinam separados ou jogam com o time B, que disputa um campeonato paralelo ao profissional. Por exemplo, se você joga contra o Ajax no domingo, você vai jogar contra o Ajax na segunda de novo. Nesse segundo jogo vão atuar todos os reservas da partida de domingo, mais os jogadores que ficaram fora do grupo e mais os atletas do time B. Isso é bastante comum na Europa, em vários países.

Por isso realizo um controle em relação à quantidade de minutos jogados por cada um dos atletas. Se há um jogador que atuou bem menos tempo do que a média, ele não será convidado, mas sim obrigado a jogar nas partidas de segunda-feira. As exceções para esse tipo de procedimento são os atletas acima de 30 anos de idade. Até 23 anos, eles são obrigados.

Esse campeonato paralelo possui um ótimo nível e é bastante competitivo, porque as outras equipes procedem da mesma maneira.

Na terça-feira, o grupo que jogou na segunda-feira realiza o mesmo trabalho que os jogadores que atuaram no domingo fizeram na segunda de manhã e mais uma parte do trabalho do grupo que atuou no domingo. Na terça é o dia dedicado à musculação. Logo, realizo trabalhos funcionais, preparativos para a musculação e depois a musculação propriamente dita (aqueles que atuaram na segunda-feira só realizam a primeira parte). Dependendo da semana, realizamos um trabalho de transferência para a atividade no campo, com exercícios de salto ou de velocidade.

Ainda na terça-feira, dependendo da época e da quantidade de jogos que temos durante aquele período, a tarde é de folga.

Na quarta-feira, sempre trabalhamos em dois períodos, sendo o da manhã dedicado a exercícios de velocidade (com todos os jogadores atuando em conjunto), e na parte da tarde são realizados jogos reduzidos.

Na quinta-feira, são dois treinos, sendo que de manhã é feito um trabalho mais individualizado, o que chamamos de POP (Programa de Desenvolvimento Pessoal, em tradução livre do holandês para o português).

Durante a pré-temporada, avaliamos jogador por jogador em uma junta com quase todos os treinadores (o treinador técnico, um dos dois assistentes, o treinador, eu e um psicólogo). Definimos quais são os pontos fortes e quais devem ser trabalhados nas áreas física, tática, técnica e mental. A partir daí é feito um desenho de cada atleta e é montado um plano para cada um deles pelo período de meio ano.

Depois, cada um dos atletas é chamado individualmente e é informado sobre a avaliação da comissão técnica e sobre quais pontos ele irá trabalhar mais. Além disso, questiona-se o que mais ele gostaria de desenvolver. Daí coloca-se na balança o que é possível de ser feito a partir desse panorama. Então, nesse dia do POP, como somos oito treinadores, dividimos o grupo.

Na parte da tarde de quinta-feira, ou os atletas têm folga ou é feito um trabalho individualizado para aqueles jogadores que perderam o treino de terça-feira por conta de alguma lesão. Esse treino é feito junto aos jogadores dos juniores.

Essa relação com os juniores é interessante porque todos os atletas do profissional acabam conseguindo ter aproximadamente o mesmo período de treinamento.

Na sexta-feira, é folga, dependendo sempre do dia em que acontecerá o jogo, o que pode fazer com que a folga aconteça na quinta e o trabalho individualizado na sexta.

No sábado, que é um dia antes do jogo, há um trabalho que começa com o aquecimento, depois é realizado um trabalho tático específico, e ainda mais alguns exercícios curtos comigo. Após isso, há um trabalho individualizado. No total, esse treino dura uma hora. Na parte da tarde é folga.

No domingo, acontece o jogo.


“Temos um mural com todos os jogos do mês e todos os treinos que serão realizados. Com isso é possível prevermos como será a carga de treinos e jogos daqui a três semanas”

Universidade do Futebol – Dentro da programação da semana, em que tipos de trabalhos a “cultura holandesa de jogar futebol” é mais evidenciada?

Alessandro Schoenmaker – Acredito que em quase todos os momentos dos treinamentos, eles estão focados para a cultura holandesa, que dá bastante importância para o trabalho de posicionamento, passe, controle de bola, além do ritmo alto de execução e de concentração. Mesmo porque, com tantos treinadores, não há como o jogador perder a concentração. Os próprios atletas se cobram muito.

Lá, os jogadores que se dão bem são aqueles que são inteligentes, que têm alto nível de aproveitamento nas ações, que não dão mais do que dois toques na bola e já pensam a jogada lá na frente, aqueles que recebem, tocam e se movimentam. Na Holanda, prega-se muito o deslocamento diagonal com alta intensidade, sem carregar a bola.

Outra característica é que os trabalhos são de tempos curtos. Aqui [no Brasil] faz-se um coletivo de 40 minutos e o treinador não para o jogo em nenhum momento. Na Holanda, também são feitos esses treinos de 40 minutos, mas com pausas, pelo menos, a cada cinco minutos. Ou o treinador interrompe para corrigir e posicionar, ou a cada cinco minutos o treino é interrompido e depois recomeçado. Isso é interessante também porque trabalha a retomada rápida da concentração, pois quando o treino para, ela tende a cair. Dessa maneira também não se perde a especificidade, pois em cada bloco do treino os atletas estão com a concentração alta, com o nível de execução alto e com a velocidade alta.

Universidade do Futebol – Abordando essa questão da concentração, como isso é passado para o jogo? Como fazer para que os atletas a mantenham “alta” durante toda a partida?

Alessandro Schoenmaker – Isso depende muito de jogador para jogador, pois existem aqueles que têm problemas para manterem o nível de concentração, mas há os que estão sempre focados do primeiro ao último minuto.

Não sei se isso tem algo a ver com a cultura, mas os jogadores que têm mais dificuldade em relação à manutenção da concentração são os africanos e, até mesmo, os brasileiros. São atletas que gostam mais de carregar a bola, se o time está ganhando, o seu ritmo cai, preferem dar um toque para trás, pedalar.


"Para as equipes, dentro dos campeonatos europeus, o que mais pesa é o fator financeiro, pois há qualidade, mas para concorrer com times da Inglaterra, da Espanha e da Itália, é complicado"

Universidade do Futebol – Por que você acha que as equipes holandesas, e a própria seleção do país, conseguem montar equipes tão sólidas e que jogam com muita intensidade, mas que têm enormes dificuldades para obterem bons resultados nos torneios internacionais?

Alessandro Schoenmaker – Creio que, na Holanda, o grande problema é a renovação. Por exemplo, muita gente se surpreendeu pelo fato do FC Twente ter conseguido terminar o campeonato em segundo lugar, na frente de Ajax, Feyenoord e PSV. Outra surpresa foi o AZ ter sido campeão, pois é um time que tem um bom grupo, mas sem destaque para nenhum dos jogadores.

Ou seja, o real problema das grandes equipes é que elas têm dificuldades e muita lentidão em renovarem seus elencos. Por exemplo, o Ajax, que é um time com muito dinheiro, aposta em jogadores estrangeiros de nome para comporem a sua equipe, mas não há garantia de que esses atletas vão dar certo, que eles vão se adaptar ao clube. O Ajax pagou 18 milhões de euros pelo jogador sérvio Sulejmani, a maior contratação dentro do campeonato holandês. No entanto, nessa temporada, esse atleta, fez apenas três gols em 34 jogos.

Outro atleta em que eles investiram foi um zagueiro que era do nosso time, que tem atualmente cerca de 30 anos. No nosso time, ele era o capitão e era sempre um dos melhores jogadores, porque era constante. Mas é importante ressaltar que estava conosco há quatro anos. Então, para encaixar no Ajax, onde a exigência e o estilo de jogo são totalmente diferentes, talvez não dê certo.

Na minha equipe, como mencionei, há 18 nacionalidades diferentes e apenas cinco jogadores holandeses integram o grupo. Por isso, para a seleção o maior problema é que não há opções para realizar a renovação.

Para as equipes, dentro dos campeonatos europeus, o que mais pesa é o fator financeiro, pois há qualidade, mas para concorrer com times da Inglaterra, da Espanha e da Itália, é complicado. Isso porque os jogadores que se destacam na Holanda, logo são comprados pelos grandes clubes dos países com agremiações mais ricas.

Ou seja, a Holanda também [a exemplo do Brasil] não tem condições de manter os atletas que se destacam. Sendo assim, tem que apelar para competições de menor expressão, que são as da Bélgica, Dinamarca e Suécia, para conseguir buscar jogadores. O problema disso é que se compararmos o campeonato holandês com o da Suécia, por exemplo, o nosso é muito melhor. Sendo assim, buscam-se atletas em locais em que o futebol é pior.

Portanto, quando os times holandeses disputam uma Uefa Champions League, onde são enfrentadas as melhores equipes do mundo, entra-se com uma desvantagem muito grande.


"Em relação aos treinamentos, é essencial que o jogador se doe 100%, e se der, 200%, em cada um deles. Mais ainda, é importante querer sempre melhorar"

Universidade do Futebol – Para um jogador chegar onde ele quer, é preciso que ele abra mão de várias coisas e se dedique a tantas outras. Se você tivesse que enviar uma mensagem para os garotos que estão nas categorias de base do Brasil, para ajudá-los a escolherem os melhores caminhos, qual seria?

Alessandro Schoenmaker – O mais importante é não desistir do seu sonho. Você deve sempre segui-lo, independente das barreiras que encontrar. E é interessante deixar claro que, tanto no Brasil quanto no exterior, esses obstáculos existirão.

Por isso, deve-se estar aberto para combater essas barreiras, e ser receptivo às mudanças e novas culturas.

Em relação aos treinamentos, é essencial que o jogador se doe 100%, e se der, 200%, em cada um deles. Mais ainda, é importante querer sempre melhorar. Isto é algo que observo bastante na Europa, os jogadores não ficam satisfeitos se eles não conseguirem desenvolver-se ao menos 1% na parte física, técnica ou tática a cada dia.

A minha mensagem é nunca se dar por satisfeito. Em holandês, nós utilizamos uma expressão que, em português, significaria, “coloque o seu travessão o mais alto possível” e tente alcançá-lo. Esta atitude faz com que o jogador não se acomode.

Universidade do Futebol – Onde está o seu “travessão” atualmente?

Alessandro Schoenmaker –
Está bem alto ainda. Do FC Twente, pretendo ir para uma equipe grande, na Holanda ou Brasil, e, de lá, assim como qualquer jogador ou profissional ligado ao futebol, quero chegar um dia à seleção brasileira. Se não for possível, que eu atue pela seleção holandesa, que é o meu segundo país. De repente, Brasil-2014 com a seleção da Holanda não seria uma má ideia.

Universidade do Futebol – A que você atribui tantos bons treinadores como o Guss Hiddink, o Van Gaal, o Rijkaard, e uma promessa, o Henk Ten Cate (do Panatinaikos) serem holandeses?

Alessandro Schoenmaker – Acredito que o holandês seja um povo muito determinado. Essa frase que eu falei (a do travessão) é bastante popular na Holanda, isto é, todos têm um objetivo, um plano de carreira, e investem tudo nessa meta.

Trabalhei com alguns treinadores que eram os primeiros a chegar ao clube e os últimos a irem para casa. Ou seja, eles são muito determinados e minuciosos em tudo que fazem.

Além disso, os holandeses acompanham muito o desenvolvimento do futebol em todas as áreas, isto é, não são acomodados. Portanto, se você conversar com um treinador holandês sobre a parte física pelo menos um mínimo de conhecimento sobre qualquer assunto ele tem. Isso vale para a área da fisiologia, de periodização, de nutrição etc.

Por eles terem uma formação muito disciplinadora e rígida quando são jogadores, acredito que essa visão permanece quando se tornam técnicos.

Certa vez me questionaram o que eu achava dos treinadores holandeses, e eu respondi que, a partir do momento em que um técnico holandês assumisse a seleção brasileira, ela não perderia para ninguém.

Atualmente, o melhor treinador do mundo, em minha opinião, é o Guus Hiddink, que estava no Chelsea, mas que é da seleção Russa. Se analisarmos os times que ele treinou e o que ele conquistou (chegou à semifinal da Copa de 2002 com a Coréia, com a Austrália, idem, em 2006, com a Rússia, chegou à final da Eurocopa 2008) não há como negar isso.

Para interagir com o entrevistado: A.Schoenmaker@fctwente.nl

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Benê Lima