Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, setembro 05, 2009

Roleta I
O mercado interno brasileiro é fraco e a produção é alta. Não exportar pode ser um risco, e as consequências podem ser graves

Oliver Seitz

A janela de transferências fechou. Uma das janelas mais sem-graça dos últimos anos, como já tinha sido adiantado a você aqui nesse espaço. Também tinha sido dito que quem movimentaria a janela seria o Real Madrid e o Manchester City, que foi o que acabou acontecendo. Não tinha previsto o Barça nem a Inter de Milão, que se mexeram um pouco, assim como a Juventus. O Lyon também fez uma ou outra coisa, mas nada de muito espetacular. Nada de última hora. Nada muito revolucionário.

Sobra, é claro, pro Brasil. A saída de jogadores no meio da temporada foi minguada, tirando o Cruzeiro, que já é tradicionalmente um dos clubes que mais vende jogador no país. Outro clube que tradicionalmente vende é o Atlético-PR, que, nesse ano, ficou a ver navios. O São Paulo, a mesma coisa.

O Brasil é um mercado exportador nos mais diversos setores. Ele produz muito, mas não há atratividade no consumo interno. Portanto, ele exporta. No futebol é igual, como você já bem sabe. O mercado interno é fraco e a produção de jogadores é alta, daí a naturalidade da exportação. Não exportar pode ser um risco. As consequências podem ser graves.

Vamos antes, porém, às possíveis causas da baixa movimentação da janela.

A primeira, e mais óbvia, é a grave crise financeira européia, que impede que bancos emprestem dinheiro para operações tão arriscadas como a aquisição de um jogador de futebol. Isso não se aplica, é claro, em casos que ou o dono tem muito patrimônio pessoal para dar de garantia ou o clube é intimamente ligado ao poder público e futebolístico. Os dois casos se aplicam ao Real Madrid, daí a razão pela qual o clube conseguiu pagar tão caro nas contratações. Mas a maioria dos clubes não possui esse poder, portanto, o mercado esfria. O efeito cascata das contratações do Real Madrid e o Manchester City também não foi muito forte porque alguns clubes preferiram fazer planos de contingência com a receita, que é o evidente caso do Arsenal, que ganhou uma bolada com o Adebayor e o Touré, mas achou melhor segurar o dinheiro. Uma atitude sábia de um clube que tem como técnico um cara que tem mestrado em economia.

A segunda razão pela qual poucos jogadores saíram do Brasil no meio desse ano pode ser a melhora da situação do país. O fortalecimento do Real em relação às moedas estrangeiras diminui a atratividade de clubes de fora, principalmente, porque o grosso das transferências é feito para times médios ou pequenos, que não podem arcar com salários líquidos mais altos. Os altos impostos aplicados em países como Bélgica e França reduzem significativamente a receita do atleta e diminuem o incentivo de mudar de clube.

A terceira razão pode ser uma descrença no modelo de negociação envolvendo jogadores de ponta no Brasil. Pelo menos quatro jogadores saíram daqui com valores europeus, digamos assim. Foram eles: Denílson, Robinho, Pato e Breno. Tirando o Pato, que pelo menos é titular, nenhum dos outros três justificou, por enquanto, o valor da contratação. O Denílson não tem mais chance. O Robinho tem alguma. O Breno ainda tem tempo. Mas mostra o risco. Além do mais, os grandes jogadores brasileiros em destaque hoje na Europa surgiram pela porta de trás. O melhor brasileiro na Inglaterra é o Denílson, não o supracitado, que já foi inclusive chamado de ‘o meio-campista perfeito’ pelo jornal The Guardian. Denílson chegou ao Arsenal novo e quase de graça. Na França, o destaque é o Michel Bastos, que saiu do Figueira sem que ninguém desse muita bola e passou um bom tempo no Lille até chegar ao Lyon. Situação semelhante ao Grafite, na Alemanha. Na Espanha, o destaque é o Kaká, que você conhece muito bem. Assim como conhece o Diego, grande destaque brasileiro na Itália, que demorou certo tempo até conseguir encaixar no futebol europeu. Tirando o Kaká, que já era destaque antes, todos os outros jogadores precisaram fazer pelo menos uma ponte para conseguir destaque. O que certamente implica em grandes clubes europeus ficando avessos ao risco e evitando fazer compras direto da fábrica, o que joga os valores das negociações para um patamar inferior.

A quarta razão: pode ser que o mercado brasileiro sentiu o impacto da entrada dos grupos de investidores como Traffic e Dis. Com esses grupos, a negociação sai da mão do clube e passa para a mão do investidor, que tende a estabelecer patamares maiores de valor, uma vez que ele já fez uma aplicação anterior. Digamos que um jogador X valesse, para o clube formador, cinco milhões de euros. O investidor Y chega no clube e adquire 60% do jogador X por 2,5 milhões de euros. O clube concorda, porque além de receber o dinheiro imediatamente, consegue manter o jogador no clube por mais um tempo, apesar do preço ser um pouco desvalorizado. Só que o clube também imagina que o jogador X que antes valia cinco milhões, na mão do investidor passa a valer pelo menos oito milhões, uma vez que o investidor tem maior poder de barganha financeira na hora da negociação com o clube de fora. E com 40% de oito milhões, o clube ganhará 3,2 milhões de euros, que somados aos 2,5 milhões de euros já recebidos, totalizam 14% a mais do que o clube estimava pelo jogador. E o investidor Y, nessa mesma brincadeira, ganha 2,3 milhões de euros, quase 100% do valor que tinha sido investido inicialmente. Seria uma matemática perfeita em que o clube e o investidor ganham, mas apenas aplicável se o mercado de fora realmente estivesse disposto a pagar os oito milhões de euros pelo jogador. O que não parece ser o caso.

A inflação do preço por conta da entrada de investidores e da melhora da situação financeira do país, aliadas à possível diminuição da demanda por conta da crise econômica e da perda de atratividade de jogadores brasileiros provenientes diretamente do país de origem, acabam travando as negociações.

Essas razões são, pelo menos, algumas das causas para o enfraquecimento da janela. E as consequências desse enfraquecimento são graves. Por isso que essa coluna terá duas partes. Semana que vem eu tentarei analisar essas consequências. A princípio, a análise não é nada otimista.

Até lá, sinta-se livre para enviar a sua análise sobre as causas, caso ela seja diferente daquelas aqui expostas. E pode enviar também a sua análise sobre as consequências da janela para o futebol brasileiro. Eu certamente não sei sobre todas elas.

E espero que a próxima coluna consiga dar pelo menos um sentido ao título escolhido.

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Benê Lima