O futebol brasileiro tem mudado. Essa mudança é lenta, tem os seus percalços, mas torna-se incontestável a assertiva de que evoluímos nos últimos anos. Ainda estamos bem longe do desejável, mas a luz no fim do túnel aproxima-se e, talvez, como nunca antes, temos uma oportunidade única de modernizar e definitivamente dar um imenso salto de qualidade na estrutura do futebol brasileiro. Uma recente conjunção de vários fatores mostra isso.
Vejamos: Copa do Mundo em 2014, renovação dos estádios, modificação da Lei Pelé (pronta para ser votada no Congresso Nacional), efetiva discussão quanto a alteração do calendário, implementação do sistema de licenciamento de clubes (por determinação da Fifa, tal qual já ocorre na Uefa) e vontade política de mudança (ao menos expressada publicamente).
Essas (expectativas de) mudanças chegam em um momento em que o Campeonato Brasileiro é reconhecidamente um dos melhores do mundo, estando na frente de algumas ligas europeias. Onde os principais clubes brasileiros já começam a apresentar uma receita bruta comparável a agremiações do Velho Continente e cujos contratos de patrocínio já são maiores que os de muitos deles. O que falta, então? Falta uma mudança estrutural e não apenas cirúrgica.
Os clubes brasileiros têm uma força fora do país que por vezes nem nós sabemos. É preciso pensar grande. É preciso pensar que o nosso mercado concorrente está na Europa. Sim, o futebol europeu invadiu o futebol brasileiro. Quem não gosta de ver os jogos da Champions League? Pois essa competição já começar a ocupar um lugar no território brasileiro que pertencia anteriormente apenas ao campeonato nacional ou à Libertadores. Basta ver que a principal rede de televisão do Brasil adquiriu os direitos de transmissão dos jogos.
Por outro lado é difícil concorrer com um clube que disputa a Champions League, como por exemplo a Fiorentina, que ao alcançar a fase de grupos e disputar suas seis partidas, sendo eliminada, recebeu € 16.815.000, enquanto pelas mesmas partidas na Libertadores um clube brasileiro recebe cerca de U$ 600.000,00.
Poderíamos citar também o Fenerbahçe que, ao ser eliminado na mesma fase que a Fiorentina, recebeu € 14.234.000,00. Nem vamos citar o Barcelona, que, por ter por ter vencido a competição, ganhou apenas da Uefa € 30.968.000,00. A disparidade é gigante. É preciso repensar.
Licenciamento de clubes tem que ser a bola da vez. Está provado que deu certo na Europa, mesmo que ainda tenha algumas imperfeições e esteja em constante aperfeiçoamento. Conseguiu estabelecer um padrão para os clubes que disputam as competições europeias. Dívidas com clubes e atletas não podem existir. Estádios devem ter infraestrutura adequada para receber jogos.
O clube deve estar aparelhado administrativamente com profissionais hábeis a cuidar de suas mais diversas áreas. Deve investir e possuir um determinado número de equipes disputando as categorias inferiores, assim como ter um planejamento efetivo para a gestão e formação de atletas. Por fim, sua estrutura jurídica (independentemente de ser empresa ou associação) deve ser transparente.
Não é isso que, de uma forma ou outra, falta ao futebol brasileiro? Pois isso é o sistema de licenciamento de clubes, que se não vai resolver todos os nossos problemas, certamente resolverá pelo menos metade deles.
Calendário
Adequar o calendário nacional ao padrão seguido pelas principais ligas da Europa não é conter o êxito de atletas ao exterior. Eles continuarão saindo. E, em verdade, os clubes precisam que eles saiam. Essa é a lógica do mercado.
Temos os melhores jogadores do mundo e é natural que desejem jogar em clubes de primeira linha na Europa. Afinal de contas, os nossos craques não seriam os nossos craques se estivessem jogando apenas no Brasil. Agora, adequar é poder oferecer ao departamento de futebol e a comissão técnica do clube capacidade de planejamento da temporada. É afastar o fantasma que ronda a cabeça dos treinadores durante o período de junho a agosto. É, sobretudo, propiciar um mínino de igualdade de condições para que os clubes nacionais possam estar na vitrine do futebol mundial.
Como? Jogando amistosos na Europa, EUA e Ásia contra os principais clubes do mundo. Há mercado para isso? Com certeza. É importante dizer que, embora relevantes, as receitas advindas unicamente dessas pré-temporadas e amistosos não serão o diferencial em termos de rentabilidade.
O diferencial virá com o valor que se agregará à imagem dos clubes e às oportunidades de negócio que se abrirão, o que não acontece quando você está preso na sua casa e não pode sair para se comunicar com o mundo. É a mesma coisa que querer trabalhar com comércio internacional e não falar inglês.
Que nossos líderes políticos e esportivos estejam conscientes do momento que estamos vivendo. O futebol brasileiro pode dar a grande virada de sua história, assim como ocorreu com a economia nacional. E com um ambiente macroeconômico sólido, estrutura profissional e capacidade de internacionalização, os clubes nacionais, que já são os mais fortes do continente, poderão competir com os clubes europeus, senão em condições iguais, mas pelo menos em condições justas. Por fim, já estava me esquecendo de um tema que normalmente todos esquecem. Os árbitros.
É mais que chegada a hora de mudar o processo de formação e desenvolvimento de suas carreiras. Investimentos milionários decididos por árbitros paupérrimos e despreparados não se coadunarão com a futura estrutura do futebol brasileiro.
* Eduardo Carlezzo é advogado, diretor do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) e autor do livro “Direito Desportivo Empresarial”, Editora Juarez de Oliveira: 2004.
Além disso, MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas, professor do Curso de Pós-graduação em Direito Desportivo do IBDD, membro da International Association of Sports Law, Instituto Ibero-americano de Direito Desportivo, Comissão de Direito Desportivo da OAB-SP e American Bar Association.
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Benê Lima