Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sexta-feira, setembro 11, 2009

Entrevista

Luis Filipe Chateaubriand, autor de uma proposta de alteração do calendário do futebol brasileiro (Parte 1)
Pesquisador propõe adaptação do calendário brasileiro ao europeu e sugere novos torneios
Marcelo Iglesias

Enquanto os clubes brasileiros estão no meio do campeonato nacional, os europeus estão montando as suas equipes e realizando as suas pré-temporadas. No momento em que os times do Brasil estão de férias e realizando as suas pré-temporadas, os da Europa estão no meio das suas competições. A ausência de alinhamento entre o calendário do futebol brasileiro e o europeu gera diversos problemas para os clubes nacionais, como dificuldades de planejamento e transferências dos principais atletas para o exterior no meio da temporada regular.

Abordando a importância da adequação do calendário brasileiro ao "europeu"* ou "mundial"**, Luis Filipe Chateaubriand escreveu o livro “Futebol brasileiro: um projeto de calendário”, no qual defende que o Brasil altere as datas das suas competições, pré-temporada e férias dos jogadores, além de propor novos torneios e adaptações em alguns campeonatos que já acontecem no país.

Professor de Administração na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, Chateaubriand se debruça sobre a ideia de alteração do calendário do futebol brasileiro desde 1999. “A partir do momento em que se cria um calendário mais organizado e adaptado ao que se realiza no resto do planeta, os clubes sabendo aproveitar isso, conseguirão receitas de bilheteria melhores. Além disso, as possibilidades com receitas de televisão também podem crescer no médio e longo prazos, uma vez que o produto torna-se mais interessante”, disse Chateaubriand, em entrevista exclusiva àUniversidade do Futebol.

Nessa primeira parte da entrevista, ele falou especificamente sobre a sua proposta, o formato de organização de cada um dos campeonatos em que os clubes brasileiros participariam e quais seriam as consequências dessas mudanças para a gestão das agremiações.

Notas da Redação:
*Calendário europeu é a forma que estudiosos, como o professor Luis Filipe Chateaubriand, denominam as datas adotadas, principalmente, pelas mais importantes ligas européias de futebol, e por alguns outros países.
** Calendário mundial é uma expressão utilizada para referir-se ao calendário europeu, entre outros, pelo jornalista Juca Kfouri, haja vista que todo o mundo desenvolvido do futebol, inclusos México, Chile e, principalmente, Argentina, também o adotam.

Universidade do Futebol – Explique, em linhas gerais, qual é a sua proposta de calendário para o futebol brasileiro.

Luis Filipe Chateaubriand – Eu organizei uma proposta de calendário baseada em três premissas. A primeira é que se deve adaptar o calendário do futebol brasileiro ao europeu ou, como o jornalista Juca Kfouri fala, ao calendário mundial, na medida em que vários países do mundo, não só na Europa, adotam esse calendário.

Essa adequação funcionaria de que maneira? A temporada iria do dia 1º de julho de um ano até 30 de junho do ano seguinte. Isso seria dividido em três períodos: a pré-temporada, a temporada oficial e as férias dos jogadores.

A pré-temporada iria do dia 1º de julho até o dia 31 do mesmo mês. Nesse período, os clubes poderiam executar todas as atividades típicas de pré-temporada: treinamentos físicos, técnicos, táticos, jogos-treino e partidas amistosas. Como coincidiria com a temporada na Europa, haveria espaço para a realização de excursões, assim como os torneios que equipes como Boca Juniors, River Plate e LDU, por exemplo, realizam, e das quais, os clubes brasileiros teriam a oportunidade de participar, fato que não é possível por falta de adequação do calendário nacional.

Já a temporada regular iria do início de agosto até o final de maio do ano seguinte. Se analisarmos, nesse período existem 43 ou 44 domingos, e, logicamente, o mesmo número de quartas-feiras. Como há durante esse espaço de tempo festas como Carnaval, Reveillon e Natal, o que não disponibilizaria todos esses domingos para jogos, trabalhamos com a ideia de existirem 42 datas para o futebol. O mesmo ocorre para as quartas-feiras.

O Campeonato Brasileiro ocuparia 38 domingos, levando-se em conta os jogos da primeira, da segunda e da terceira divisões. Como todas elas têm 20 clubes que jogam em turno e returno pelo sistema de pontos corridos, seriam 38 rodadas.

Dos quatro domingos que restaram, dois seriam utilizados para a Super Copa do Brasil, que seria uma competição espelhada nas diversas Supercopas que existem pelo mundo, e que seria composta por dois jogos entre o campeão da Copa do Brasil do ano anterior e o campeão brasileiro da primeira divisão também do ano precedente. Cada time teria um mando de campo, e aquele que se saísse melhor, seria o vencedor. Esse campeonato aconteceu uma vez no Brasil, em 1991, quando foi realizado apenas um jogo, em São Paulo, entre o Corinthians (campeão do Campeonato Brasileiro de 1990) e o Flamengo (vencedor da Copa do Brasil de 1990). O time paulista venceu por 1 a 0, gol do Neto. O torneio seria reeditado, uma vez que no mundo inteiro existe esse tipo de campeonato.

Por fim, os outros dois domingos que restaram seriam para a realização da Recopa das Américas, formada por dois jogos entre o campeão da Libertadores da temporada em curso e o vencedor da Copa Pan-Americana do mesmo ano. Seria um redesenho do que existe hoje, a Recopa Sul-Americana, que é a disputa entre o campeão da Libertadores contra o da Sul-Americana.

Eu proponho que a Copa Sul-Americana seja substituída pela Copa Pan-Americana. Dessa maneira, ao invés de existirem cerca de 40 clubes, ela passaria a ter 64 agremiações, envolvendo times do continente americano inteiro. Até porque, chamar-se a Sul-Americana por esse nome não faz sentido, já que há clubes do México na disputa.

Dessa maneira, completam-se os 42 domingos, sendo que os dois primeiros, no início da temporada, seriam dedicados à Super Copa do Brasil, os 38 seguintes para o Campeonato Brasileiro (da primeira, segunda e terceira divisões), e os dois últimos para a Recopa das Américas.

É interessante analisarmos que se são 20 clubes disputando cada uma das três principais divisões do Campeonato Brasileiro, e, no país, existem quase 700 times profissionais, os outros 640 clubes, que não estão entre os melhores, disputariam uma espécie de quarta divisão, que seria o Torneio da Integração Nacional. Essa disputa aconteceria, na maior parte do tempo, de maneira regionalizada e, no final, haveria um sistema de mata-mata para indicar os cinco clubes que subiriam para a terceira divisão na temporada seguinte, e os cinco últimos da terceira jogariam o Torneio Integração Nacional, no ano seguinte. Essa quarta divisão também seria realizada durante os 42 domingos da temporada.

Continuando o planejamento, todas as outras competições seriam disputadas durante as 42 quartas-feiras. Dessas datas, as 21 primeiras seriam dedicadas aos estaduais ou para os interestaduais. Ou seja, eu proponho que volte a Copa Sul-Minas e a Copa do Nordeste. Obviamente, os clubes que disputarem a os interestaduais não jogarão os estaduais e vice-versa, atentando, que, nem por isso, os torneios estaduais deixariam de ser disputados.


O projeto de Chateaubriand baseia-se em três premissas: adaptação ao calendário europeu; definição do Brasileiro como competição Premium; jogos da seleção só no período de férias dos clubes

Universidade do Futebol – E como se daria o planejamento dessas competições regionais? Atuariam em substituição aos Estaduais?

Luis Filipe Chateaubriand – Para a realização dos interestaduais, eu parto do princípio que haveria uma liga de clubes fechada sempre com os principais clubes. A Copa Sul-Minas seria composta por quatro times fixos do Rio Grande do Sul (Internacional, Grêmio, Juventude e Caxias), quatro fixos de Santa Catarina (Avaí, Figueirense, Criciúma e Joinville), quatro fixos do Paraná (Atlético-PR, Coritiba, Paraná e Londrina) e quatro fixos de Minas Gerais (Cruzeiro, Atlético-MG, América-MG e Ipatinga). Já a Copa do Nordeste, que, quando existia, foi um dos maiores êxitos de bilheteria e publicidade da história do futebol brasileiro, seria formada por três times da Bahia (Vitória, Bahia e Fluminense de Feira de Santana), por três de Pernambuco (Sport, Santa Cruz e Náutico), por dois de Sergipe (Confiança e Sergipe), por dois de Alagoas (CRB e CSA), por dois da Paraíba (Botafogo-PB e Treze-PB), por dois do Rio Grande do Norte (ABC e América de Natal) e dois Ceará (Fortaleza e Ceará).

Os estaduais, nesses estados, aconteceriam, mas sem as agremiações que participariam dos interestaduais. Eu entendo que é comercialmente mais interessante para esses clubes disputarem os torneios com times de outros estados. Por exemplo, Cruzeiro e Atlético-MG têm muito mais interesse nesse tipo de proposta do que jogar o Campeonato Mineiro que, em termos de bilheteria e de publicidade é fraco. É bem mais atrativo jogar com Internacional, Grêmio, Coritiba ou Atlético-PR.

Pode-se até tentar criar uma rivalidade entre os dois grandes do Sul (Grêmio e Internacional) com os dois grandes de Minas Gerais (Cruzeiro e Atlético-MG) para que se crie um cenário parecido com o que existe no Rio de Janeiro entre os quatro grandes (Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco da Gama) e, também, em São Paulo, entre os seus quatro grandes (Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos). No Nordeste, essa ideia se justifica com mais propriedade, pois os estaduais da região são muito fracos e possuem pouco atrativo e baixíssima arrecadação. Todos os grandes clubes do nordeste prefeririam jogar uma Copa do Nordeste do que os seus respectivos campeonatos estaduais. Eles só não o fazem, porque as federações brecam essa iniciativa. Acredito que seja o momento deles terem uma postura mais autônoma e assertiva para buscarem os seus melhores interesses.

Em relação aos grandes clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo, eu, particularmente, defendo que joguem um campeonato entre si, reeditando o Torneio Rio-São Paulo. No entanto, nesses dois estados o processo é mais complicado. Na Sul-Minas isso não tem tantos entraves, pois os grandes clubes da região desejam esse tipo de campeonato inter-regional. No Nordeste, então, a situação é mais favorável ainda a esse tipo de disputa.

No eixo Rio-São Paulo, porém, o processo é mais difícil, porque, tanto os presidentes dos grandes clubes do Rio de Janeiro quanto os presidentes dos grandes de São Paulo entendem que é mais favorável disputar o estadual do que um torneio regional. Apesar de eu não concordar com essa visão, o Flamengo acostumou-se com a situação local de que se ele disputar um Campeonato Carioca, pelo menos a cada dois, ele vence um, o que é interessante para fazer média com a torcida. Já em São Paulo, os grandes clubes pensam que o seu campeonato estadual é bom e rentável, o que justificaria apostar na sua realização.

Portanto, esses torneios ocupariam as primeiras 21 quartas-feiras, os interestaduais ou os estaduais. Nas 11 seguintes haveria a Libertadores e a Pan-americana, obedecendo a mesma regra de que quem joga uma não participa da outra. Sendo assim, a Libertadores teria um papel parecido com o da Champions League, na Europa, e a Pan-americana seria uma espécie de Copa da Uefa.

As 10 quartas-feiras restantes seriam destinadas para a Copa do Brasil com um formato um pouco diferente daquele que existe atualmente. Por fim, em junho, seriam as férias dos jogadores, fechando-se o calendário com a adaptação ao que acontece na Europa, e concluindo a primeira premissa.

A segunda premissa está contida no que já foi abordado, e entendo que o produto premium, aquilo que é diferenciado, que deve ser valorizado, é o Campeonato Brasileiro.

Sendo assim, ao invés de esse torneio ficar restrito a ser disputado aos domingos e quartas-feiras, como acontece atualmente, coloca-se essa competição para ser disputada somente aos domingos. Existe tempo suficiente para isso, uma vez que se têm 42 datas e serão necessárias 38 para o Campeonato Brasileiro. Entendo que realizá-lo só aos domingos propiciaria um público muito maior nos estádios e seria bom para os anunciantes. Dessa maneira, a possibilidade de arrecadação seria potencializada.

A terceira premissa versa que, quando os clubes jogam, a seleção brasileira não joga, e vice-versa. Por exemplo, no mesmo dia em que o Brasil jogou com a Argentina pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2010, houve um jogo em que um dos clubes era o líder do Campeonato Brasileiro. Dessa forma, cria-se uma situação horrível, pois se abre a concorrência entre o futebol de clube e o de seleção.

Além disso, da maneira que se faz hoje, pode-se desfalcar os clubes dos jogadores que vão para a seleção, quando essas equipes mais precisam dos seus atletas. Um fato dessa natureza aconteceu há pouco, quando o Brasil jogou um amistoso na Eslovênia no mesmo dia em que jogaram Palmeiras e Atlético-MG. Com isso, a seleção levou o Diego Tardelli para ser reserva, enquanto que o clube mineiro ficou sem o seu principal jogador. Isso é um crime contra os clubes.

O prejuízo é para os dois lados, para o interesse das agremiações e da seleção: o clube é estorvado pela seleção, pois eles deixam de ter os seus principais jogadores, o que acarreta na falta de atratividade dos jogos das agremiações e, também, do ponto de vista técnico.

Como eu acredito que quem movimenta o negócio do futebol são os clubes, defendo que o período em que as agremiações não estivesse em atividade (junho e julho) seriam as datas para serem realizados todos os trabalhos com as seleções, sendo junho a época de preparação e julho a de competição.


A realização de jogos do Brasil no meio da temporada regular dos clubes prejudica tanto as agremiações quanto a própria seleção

Universidade do Futebol – Fale um pouco sobre cada um dos campeonatos, uma vez que a sua proposta prevê a criação de novos torneios e mudanças em outros que já existem.

Luis Filipe Chateaubriand – No Campeonato Brasileiro, teríamos a primeira, a segunda e a terceira divisões, cada uma com 20 clubes, e jogadas em turno e returno com pontos corridos, o que abarca 38 datas para jogos.

Os cinco primeiros da série A classificam-se para a Libertadores, assim como os cinco melhores da Série B classificam-se para a A e os cinco primeiros da C sobem para a B. Em contrapartida, os cinco últimos de cada uma dessas divisões são rebaixados para a série imediatamente inferior, sendo que os piores da Série C disputarão o Torneio da Integração Nacional na temporada seguinte.

O Torneio da Integração Nacional abrangeria os 42 domingos sobre os quais já discutimos. Sendo as três principais divisões formadas por 60 clubes, os outros 640 que existem no Brasil seriam divididos em 64 grupos com 10 times cada um. Logicamente, seriam grupos regionais para reduzir os custos. Por exemplo, dos 640 clubes, aproximadamente, 40 são do Rio Grande do Sul. Portanto, o estado terá quatro grupos de 10.

Nesses grupos de 10 times haveria turno, returno, novo turno e novo returno, o que precisaria de 36 datas. Em cada grupo, os cinco melhores estariam classificados para que não fique algo pouco atraente do ponto de vista comercial.

Se eram 64 grupos de 10 e classificavam-se os cinco primeiros de cada um, seriam 320 times na fase seguinte, a qual seria disputada no esquema mata-mata com jogo único. Isso acarretaria em mais seis datas, que somadas às 36 da fase de grupos resultariam nos 42 domingos já apresentados.

Os cinco times que conseguissem chegar até o final da competição subiriam para a Série C, na temporada seguinte, enquanto que os cinco piores da C cairiam para o Torneio da Integração Nacional.

É importante esclarecermos alguns aspectos como o motivo pelo qual, na primeira fase, eu não ter colocado 32 grupos de 20 clubes só com turno e returno. Pela razão de que, dependendo da região do Brasil, colocar-se 20 times em um mesmo grupo pode existir uma distância geográfica muito grande entre os locais de jogos, o que significaria locomoções muito longas, e viagens cansativas e caras. Portanto, há uma preocupação com a logística do torneio.

Outra dúvida que pode existir em relação a esse torneio é como é definido o mando de campo se na fase de mata-mata que é realizada em jogos únicos. Muito simples: o clube que tiver realizado melhor campanha durante a fase de grupos joga como mandante e pode empatar para se classificar.

Acredito que o Torneio da Integração Nacional seja extremamente importante e estratégico no calendário nacional, porque é ele que pode garantir que todos os que não estão na disputa do Campeonato Brasileiro da primeira, da segunda e da terceira divisão tenham, pelo menos, 36 jogos ao longo da temporada.

A partir dessa preocupação, consegue-se o interesse do grande clube pela adequação do calendário, pois ele estará disputando campeonatos competitivos, e, também, do pequeno clube, que terá essa proteção e segurança de atuar durante quase toda a temporada.

Conversamos também que 21 quartas-feiras seriam dedicadas aos campeonatos interestaduais (Copa Sul-Minas e o Campeonato do Nordeste) e, nos outros casos, os campeonatos estaduais.

A Sul-Minas seria uma liga composta por 16 agremiações fixas. Todas jogariam entre si, em turno único, classificando-se as oito melhores. A partir daí, começam as partidas mata-mata, em jogos de ida e volta. Sendo assim, na fase classificatória, cada time joga 15 vezes somadas com as partidas de ida e volta do mata-mata, resultando em 21 datas. Um ponto relevante nesse caso é que, por se tratar de uma liga de clubes fixa, e com um turno só, haverá disparidade em relação à quantidade de mandos de campo. Para solucionar isso, na temporada seguinte, utiliza-se a mesma tabela, só que se invertendo o mando de campo. O mesmo acontece para a Copa do Nordeste, só, logicamente, mudando-se as equipes que participam.

Nessas 21 datas também ocorrerão os campeonatos estaduais, os quais seriam disputados, a primeira divisão, com oito clubes, e todos os outros times do estado disputando a segunda divisão. Por exemplo, São Paulo que tem cerca de 130 clubes profissionais, teria oito deles na primeira divisão e 122 na segunda.

Universidade do Futebol – E precisamente sobre o formato de disputa das duas divisões dos campeonatos estaduais e dos torneios continentais, como seria a organização?

Luis Filipe Chateaubriand – A primeira divisão dos estaduais seria disputada em dois turnos. Todos jogariam entre si, somando sete jogos na fase classificatória. Os quatro melhores se classificariam para a fase de mata-mata e jogariam uma partida na semifinal e uma na final, somando-se nove jogos. O mesmo aconteceria no segundo turno, só que com a inversão dos mandos de campo, na fase de pontos corridos. Nisso tudo, teriam sido disputados 18 partidas. Para chegar-se às 21 datas, o campeão do turno jogaria contra o campeão do returno em três jogos, sendo que um dos dois terá conseguido melhor campanha, o que lhe assegura a bonificação de um ponto para essa final em três partidas.

Talvez em São Paulo questione-se a presença de apenas oito clubes no Estadual, mas acredito que esse torneio teria um nível técnico muito mais elevado. Mas, caso não se queira fazer dessa maneira, tudo bem. O importante é que em 21 datas conclua-se a disputa.

Na segunda divisão dos campeonatos estaduais, os clubes poderiam organizar o campeonato de várias maneiras, mas também teriam que respeitar o número de 21 rodadas. Para essa disputa, porém, há uma imposição que também deveria ser respeitada que é a de cada clube jogar, pelo menos, seis partidas.

Para os estaduais, haveria o acesso e descenso de apenas um time, sem terceira, quarta ou demais divisões. Isso porque, defendo que é mais vantajoso um clube estar na segunda divisão e ter reais condições de ir para a elite do futebol do seu estado do que ele ter que ir subindo de divisão ano a ano. É mais motivante.

As outras 11 quartas-feiras seriam para a Libertadores e para a Pan-Americana. Ambas envolveriam clubes de todo o continente americano, não só da América do Sul e do México, mas também dos EUA, do Canadá e da América Central. Logicamente que, desses centros menores, haveria menos representantes.

Eu proponho que ao invés de terem 38 clubes, e depois realizar-se o qualificatório para a fase de grupos com 32 times, haveria 64 agremiações dos diversos países. Aumentar o número de times é favorável, porque haverá mais representantes de cada país, o que possibilita valorizar-se os diversos campeonatos nacionais. No caso do Brasil, participariam sete clubes (os cinco primeiros da Série A do Campeonato Brasileiro da temporada anterior e os dois finalistas da Copa do Brasil).

Com esse desenho, eu defendo que se faça a Libertadores inteira no esquema de mata-mata, com jogos de ida e volta, pois, na maioria das vezes, times de diferentes países estarão se enfrentando.

Um detalhe que seria uma novidade, é que a final, ao invés de ser em dois jogos, seria em apenas uma partida, com um campo pré-definido, como se faz na Uefa Champions League.

Com esse esquema de mata-mata até o fim, sendo que na final só haveria um jogo, são 11 rodadas, com a particularidade de que os quatro primeiros se classificam para o Mundial de Clubes, o qual eu proponha que passe a ter 16 times ao invés de sete, como acontece atualmente.

Na Pan-Americana, haveria 64 clubes também, paralela à Libertadores, como se fosse uma espécie de Liga Europa (a substituta da Copa da Uefa). Do Brasil, também seriam sete representantes, do sexto ao décimo colocado do Campeonato Brasileiro da temporada anterior, mais o terceiro e o quarto colocados da Copa do Brasil.

Esse torneio também seria disputado como a Libertadores, no esquema de mata-mata até o fim, sendo a final em local pré-definido, em um jogo só.

A minha dúvida é em relação ao local onde aconteceria a final da Pan-Americana, pois esse jogo poderia acontecer no mesmo lugar da final da Libertadores ou em uma cidade diferente. Comercialmente poderia ser interessante.

É importante ressaltar que o clube que vencesse a Pan-Americana também ganharia uma vaga no Mundial de Clubes, o que valorizaria o que, hoje, é a Copa Sul-Americana, e que é ignorada por muitos clubes. Portanto, seriam cinco vagas do continente americano para o Mundial (quatro da Libertadores e uma da Pan-Americana).

Universidade do Futebol – Em relação à Copa do Brasil, que hoje apenas garante uma vaga ao campeão do torneio à edição seguinte da Libertadores, qual seria o paralelo europeu?

Luis Filipe Chateaubriand – As 10 datas para a Copa do Brasil, a qual seria disputada com o mesmo modelo utilizado na Copa da Inglaterra, seriam acessíveis a todos os clubes profissionais de futebol no Brasil.

Nessa competição seria permitida a entrada de clubes amadores. Ou seja, haveria 1.024 clubes (700 profissionais e 324 amadores), sendo que a CBF teria que pensar em um critério para selecionar os amadores que participariam.

Obviamente, uma competição com esse perfil não pode ser feita de maneira aberta, possibilitando-se o cruzamento inicial de clubes do sul com um time do norte, por exemplo. Por isso, a Copa do Brasil seria dividida em duas fases. A primeira seria composta por 32 grupos com 32 clubes em cada. Esses grupos seriam regionais para que houvesse maior proximidade geográfica.

Nesses grupos, as disputas seriam no esquema mata-mata, o que possibilitaria, em cinco rodadas, ter um campeão em cada grupo, isto é, 32 times que iriam para a fase seguinte, a qual também ocorreria da mesma maneira que a fase anterior, até que se chegasse no campeão.

Uma questão interessante é que, como são jogos únicos em mata-mata, a definição do mando de campo seria feita por meio de sorteio. A equipe que fosse sorteada poderia escolher entre ter o mando de campo ou poder empatar para se classificar. Isso é interessante, pois não se estabelece um critério arbitrário, e concede-se uma vantagem para cada um dos times.

Além disso, o jogo é decisivo. Então, é uma partida que vai ter interesse da torcida e da mídia. Melhor ainda é que se elimina a possibilidade de se decidir o confronto por pênaltis ou por prorrogação, o que está presente em todas as propostas que eu faço no meu trabalho.

A Super Copa do Brasil seria disputada em dois jogos, entre o campeão da Copa do Brasil da temporada anterior e o campeão brasileiro da primeira divisão também na temporada anterior. O primeiro jogo na casa do vencedor da Copa do Brasil e o segundo na casa do ganhador do Campeonato Brasileiro. Em caso de empate nos dois confrontos, o vencedor é o campeão do Campeonato Brasileiro, que é a competição mais importante.

Na Recopa das Américas aconteceria o mesmo esquema da Super Copa do Brasil, só que entre os campeões da Libertadores e da Pan-Americana, com vantagem para o vencedor da Libertadores.

Por fim, o Mundial de Clubes, o qual não entraria na temporada regular, e sim, na primeira metade de junho - ele seria disputado por 16 clubes (cinco das Américas, sete da Europa, um do país sede, um do continente africano, um do continente asiático e um da Oceania).

Esses 16 clubes seriam divididos em quatro grupos com quatro componentes, dos quais se classificaria somente o vencedor de cada grupo. Isso somaria cinco rodadas (três na fase de grupos, uma semifinal e a final).


São Paulo é o estado que possui mais clubes na série A do Campeonato Brasileiro de 2009

Universidade do Futebol – Quando se fala em mudança de calendário, as séries B, C e D não são amplamente discutidas, assim como os Estaduais também não, como se o futebol brasileiro fosse constituído somente pela elite. Como podemos equacionar o calendário nacional dentro de uma premissa macro, tendo em mente que o Brasil é um país de dimensões continentais?

Luis Filipe Chateaubriand – Na minha proposta de calendário eu abordo as divisões que não são a elite do futebol brasileiro, e com uma particularidade: a Série C, hoje, é regionalizada. A fórmula que existe é que os 20 clubes concorrentes são divididos em grupos com cinco componentes cada, classificando-se os dois primeiros de cada grupo. Os oito classificados fazem uma disputa mata-mata. Eu defendo que a terceira divisão deve ser realizada em pontos corridos, com turno e returno, assim como ocorre com as séries A e B.

Pode-se argumentar que uma terceira divisão em pontos corridos, com clubes de várias partes do Brasil, ficaria muito caro, por conta da logística para a realização das partidas. Concordo que fica mais custoso, mas é outro exemplo de trade off, porque a receita também vai ser maior.

Caso seja em pontos corridos, na minha visão, é uma maneira mais justa de disputa, e se é mais justo, já traz mais credibilidade. Além disso, pela minha proposta, os cinco primeiros colocados iriam para a segunda divisão e os cinco últimos vão para o Torneio da Integração Nacional, que é a quarta divisão. Então, há objetivos para todos os clubes ao longo do campeonato, o que traz o interesse comercial e faz a receita crescer, inclusive de televisão.

Nesse modelo de terceira divisão, o clube pode ser eliminado após disputar apenas 10 jogos. Supondo que essa agremiação participou de um campeonato estadual, no qual fez 15 partidas, o time terá 25 jogos oficiais ao longo de toda a temporada. Isso significa ficar meses sem jogar. Como exemplo concreto tem-se o Santa Cruz, que estava na Série D e foi eliminado com oito ou 10 jogos e vai ficar cinco meses sem jogar, pois o Campeonato Pernambucano só começa em janeiro de 2010. E isso que o Santa Cruz não é um clube pequeno – é, pelo menos, médio e pode ser considerado grande do ponto de vista regional.

Imagine só o que acontece com um time pequeno. Se a terceira divisão fosse disputada em pontos corridos, todos os clubes participantes possuiriam 38 jogos garantidos no Campeonato Brasileiro.

Um clube, pela minha proposta, ou joga o Campeonato Brasileiro da primeira divisão, ou da segunda, ou da terceira, ou ainda o Torneio da Integração Nacional. Se ele se enquadrar no último caso, ele terá 36 jogos garantidos. Além disso, existem os jogos do campeonato estadual, nos quais eu proponho que cada clube realize pelo menos seis jogos nesse torneio. Por fim, o modelo que eu proponho de Copa do Brasil garante a ele, no mínimo, mais um jogo. Sendo assim, todas as 700 equipes brasileiras teriam garantidas, pelo menos, 43 partidas por temporada, o que preenche, dos 10 meses de competição, pelo menos nove jogando. Isso acaba com a situação do clube jogar apenas o Estadual e ficar oito ou nove meses sem partidas oficiais.


Fonte: Folha Online
Com a adaptação do calendário brasileiro ao europeu, a Rede Globo teria mais possibilidade de comercializar o futebol nacional para o exterior

Universidade do Futebol – Como essas alterações poderiam melhorar a gestão dos clubes brasileiros e da modalidade no país?

Luis Filipe Chateaubriand – Somente ajustar o calendário, melhorando-o, criam-se oportunidades para os clubes. Alguns deles conseguirão tirar proveito dessa nova situação e outros não evoluirão.

Se existem 38 domingos para um clube da primeira divisão, um clube faz 19 jogos como mandante. Sendo assim, pode-se estabelecer algo já consolidado na Europa, que é o carnê de ingressos. É claro que o pressuposto para isso é jogar sempre no mesmo estádio e a marcação de lugares. Apesar desse tipo de iniciativa até poder ser realidade atualmente, existe um problema, pois muitos dos torcedores que podem ir ao estádio aos domingos, não podem ir nas quartas-feiras, por diversas questões. Porém, como domingo é um dia de lazer e colocaram-se todos os jogos aos domingos ou aos sábados, é muito mais fácil comercializar esses carnês.

A partir do momento em que se cria um calendário mais organizado e adaptado ao que se realiza no resto do planeta, os clubes sabendo aproveitar isso, conseguirão receitas de bilheteria melhores. Além disso, as possibilidades com receitas de televisão também podem crescer no médio e longo prazos, uma vez que o produto torna-se mais interessante.

Nessa atmosfera, um aspecto que é importante ressaltar é que fala-se que a Rede Globo seria contra à mudança do calendário. No entanto, eu entendo que se eles se colocarem contra essa alteração, eles podem estar indo contra os seus próprios interesses, porque, fazendo-se a adaptação, como na maioria dos grandes centros da modalidade, o futebol é de agosto até maio, a emissora teria mais possibilidades de comercializar esse produto para o exterior. Um jogo na quarta-feira, às 21h30, na Europa corresponde às 02h30.

E know-how para fazer esse tipo de comercialização, a Rede Globo possui, pois se eles conseguem vender as usas novelas para diversos países do mundo, isso pode ser levado para o futebol. Essa situação alavancaria receitas na própria emissora.

Existem pessoas que falam que, com a minha proposta de calendário, haveria jogos no verão, o que poderia reduzir a audiência da TV. No entanto, já se joga no verão. As temporadas começam por volta do dia 10 de janeiro. Além disso, os jogos são transmitidos em rede nacional. Portanto, quem viaja pode perfeitamente acompanhar a partida.

Acredito que o que faz perder audiência são situações como a que aconteceu com o Flamengo. O time jogou o primeiro semestre inteiro com o Ibson. Agora, na segunda metade do ano o atleta foi transferido. O mesmo vale para o Corinthians que atuou com Douglas, André Santos e Cristian, para o Cruzeiro no caso do Ramirez e para o Internacional com o Nilmar. Com esses atletas saindo no meio da temporada, a tendência é que se perca audiência. Portanto, o modelo de calendário atual não é bom nem para própria Rede Globo.

Em relação a melhorias para os clubes, a adequação do calendário isoladamente não resolve. Eles também terão que ter planejamento e visão estratégica, o que ainda me parece um pouco falho no Brasil. Se conseguirem pensar melhores maneiras, em médio e longo prazos, de se articular com o cliente que, no caso do futebol, é o torcedor, pode-se depender menos da venda de jogadores.

Outros pontos que devem ser trabalhados pelos clubes e pelas autoridades são o combate à pirataria, negociar melhor os planos de transmissão, fazer projetos de atração e coibir a violência.

Nota da Redação: Leia a segunda parte desta entrevista na próxima sexta-feira (dia 18/09) e saiba como a mudança de calendário pode contribuir para a profissionalização da gestão dos clubes, de que forma as questões culturais do brasileiro são encaradas nessa proposta de alteração, os meios pelos quais a adequação do calendário nacional pode evitar a transferência precoce dos bons jogadores brasileiros para o exterior e qual é a proposta de Chateaubriand para o calendário de seleções.

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Benê Lima