Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, março 30, 2011

As estruturas e as interações da linha de meio-campo e de ataque da equipe do FC Barcelona

A partir das estruturas construídas no campo de jogo, muitas dinâmicas acontecem na interação entre os jogadores, resultando em um futebol atrativo e efetivo
Leandro Calixto Zago

“Existe alguma coisa a mais na vida, alguma coisa
não-material e irredutível – um padrão de organização”
(Capra, 2006)

 

O futebol apresentado pelo Barcelona, nos últimos sete anos principalmente, tem chamado a atenção de todos que acompanham essa equipe. Pela forma como os excelentes resultados que vêm sendo obtidos (em uma parte considerável desses resultados há uma grande diferença de gols pró equipe catalã) são construídos, de uma maneira muito consistente, alguns fatores emergem como destaques positivos. Dentro de uma cultura de jogo muito definida (pode-se dizer também que há uma cultura do clube que engloba uma cultura de jogo com interferência bidirecional), os corportamentos de jogo (em sua maioria) são balizados por essa cultura, tendo por consequência padrões de movimentação que, apesar de bem sistematizados, interagem bem com o jogo do adversário criando as adequações necessárias na grande maioria das vezes em que é preciso para resolver as adversidades que o jogo propõe.

O jogo do Barcelona é contruído numa plataforma tática de 1-4-3-3, com um goleiro muito ativo dentro dos quatro momentos do jogo (organização ofensiva, transição ataque-defesa, organização defensiva e transição defesa-ataque), uma linha de quatro jogadores à sua frente muito habituada a jogar “alta” (avançada), um meio-campo com três jogadores dispostos estruturalmente em um triângulo apontado para trás e três atacantes que mantêm com certa regularidade também uma estrutura em triângulo, porém apontada para frente.

O foco desse artigo está prioritariamente nesses dois triângulos formados pelos seis jogadores (linha de meio-campo e de ataque), porém sem jamais desconsiderar que sistemicamente estão intimamente relacionados com as dinâmicas de toda a equipe, como será visto a seguir.




Figura 1 – A regularidade da emergência das estruturas

 

Como pode-se observar na Figura 1, as estruturas estão presentes nas mais diversas situações e obviamente deformam-se, aproximam-se, sobrepõem-se, se afastam, ou seja, realizam uma gama muito ampla de movimentos para resolver os problemas propostos pelo jogo.




Figura 2 – Estruturação do espaço com bola

 

Na Figura 2, o Barcelona está em Organização Ofensiva, com um relativamente bom espaço efetivo de jogo e com mais jogadores para trás da linha da bola (campo grande para trás), criando uma situação mais favorável à circulação e manutenção da posse do que de progressão. É interessante observar a reação da equipe como um todo e dos jogadores (elementos) se comportando simultaneamente para atender essa necessidade (manutenção da bola). São as convenções coletivas da qual todos compactuam, construídas dentro do processo de treinamento que alguns jogadores dessa equipe vivenciam desde o início da formação nas categorias de base do clube, que permitem tal feito com tanta eficácia.




Figura 3 – Sobreposição de Estruturas e Compactação

 

Com a defesa avançada (tentando diminuir o espaço efetivo de jogo do adversário “dentro” da equipe), há uma sobreposição devido à subida dos meias (Iniesta e Xavi) que estão tentando pressionar a bola para desqualificar (no sentido de diminuir a qualidade) qualquer tentativa do adversário. É o “campo pequeno a defender” neste caso, porém com um espaço muito grande para ser gerido nas costas da linha de defesa. Pode-se observar que mesmo em situações como esta, a plataforma tática 1-4-3-3 está mantida e muitas estruturas em triângulo (estruturação do espaço típica do modelo de jogo da equipe) poderiam ser construídas selecionando aleatoriamente quaisquer três jogadores.




Figura 4 – Manutenção das Estruturas deformadas
 

Assim como nos outros três momentos, em organização ofensiva, os jogadores se relacionam intra (relações internas do setor) e inter (relações com outros setores) setorialmente para que a macro-estrutura equipe possa atingir seus objetivos (marcar gols e vencer a partida). Na tentativa de desequilibrar o adversário, várias trocas acontecem, jogadores “atacam” espaços vazios, o lateral oposto mantém a boa amplitude da equipe, atacantes se aproximam e se afastam, alguns jogadores ficam em zonas sem pressão para uma necessidade de retirada da bola da zona de pressão e outra infinidade de possibilidades.

Segundo Capra (2006), a estrutura do organismo apenas “condiciona o curso de suas interações e restringe as mudanças estruturais que as interações podem desencadear nele”. Portanto, a estrutura deve ser vista como meio, não como fim. A finalidade da preparação para o jogo deve sempre manter relação com os objetivos do jogo (marcar gols e impedir os gols do adversário) e a contrução de estruturas tanto fixas como móveis deve estar subjulgada a isso.




Figura 5 – A mobilidade como princípio estrutural de ataque do FC Barcelona

 

Há interações permanentes em uma equipe de futebol. Em todas, sem exceção. A qualidade das interações é algo único, que pertence a cada equipe, sendo um dos fatores que dão identidade a ela. Os princípios de jogo que regem essas estruturas vão diferenrenciá-las em fixas e móveis (figura 5). Basicamente, nas estruturas fixas, poucas trocas acontecem (como no caso da linha de defesa do Barcelona), com uma maior rigidez posicional, e as estruturas móveis são caracterizadas por muitas trocas (linha de meio-campo do Barcelona, principalmente os jogadores Xavi e Iniesta). Interessante como independentemente do tipo de estrutura da equipe, a mobilidade ocorre sem descaracterizá-la também organizacionalmente.

Ao direcionar o olhar para as estruturas, deve-se ter muito claro que existe uma dinâmica permanente que a mantém, não é algo estanque, parado, morto. E a “vida” que a equipe manifesta surge desse movimento constante.


Referência bibliográfica

Capra, F. (2006) A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Editora Cultrix.

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