Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sexta-feira, março 04, 2011

'Analfabetismo funcional': a atuação da CBF na disputa judicial da Máfia do Apito e a relação da entidade com o futebol no Brasil

Negligenciar a importância de qualquer esporte é deixar de apreender uma esfera da sociedade civil onde se manifestam inúmeras nuances de toda a organização coletiva que esta possui
Heitor Tonon

Em 2005, um esquema de manipulação de 11 partidas de futebol, arbitradas por Edílson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon, em duelos dos campeonatos paulista e brasileiro do mesmo ano. A trama envolvia sites clandestinos de apostas, uma vez que os jogos de azar não são sequer regulamentados no Brasil.

A ação criminal que não dotava de tipificação nos últimos anos teve seu veredito em primeira instância, e os dois árbitros, o apostador beneficiado Nagib Fayad e as duas entidades envolvidas (FPF e CBF, Federação Paulista de Futebol e Confederação Brasileira de Futebol, respectivamente) foram condenadas à indenização de um total de 180 milhões de reais por danos morais a seus consumidores.

O debate que cabe, porém, não envolve a esfera judicial, pelo menos sobre os crimes e a pena. Inacreditável, porém, é a defesa apresentada pela CBF em relação ao caso, e as alegações que a sustentam. Ainda mais, a condenação extra que a entidade recebeu junto com Danelon por litigância de má-fé, crime caracterizado, segundo a sentença oficial (anexada ao fim deste artigo), por “aquele que: (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980) II – alterar a verdade dos fatos; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980) III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980) V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)”.

O texto do juiz José Paulo Camargo Magano – responsável pela sentença – continua a discorrer sobre os motivos da condenação também em litigância, dizendo que “a CBF juntou documentos impertinentes, com o escopo de ofender o MPE. Fez a juntada sob fundamento que somente o despreparo para o sentido do devido processo legal explica. Condicionou a desistência de prova a desistência do processo, como se isso, dada a natureza da ação civil pública, fosse possível. Associou triste fato envolvendo criança a seu requerimento. Ofendeu, com efeito, o princípio republicano que caracteriza o processo (método de atuação do Poder Judiciário)”.

Quando a denúncia se tornou pública, em 2005, nenhum envolvimento de quaisquer federações com o esquema de resultados das partidas foi revelado, citado, sequer cogitado. Os membros da quadrilha foram revelados e expostos. Edílson, por exemplo, sequer apresentou defesa.

A argumentação lógica a ser feita é que não há cumplicidade e/ou envolvimento da entidade com o esquema; portanto, não visou e/ou atuou de modo a lesar os contratantes de seu “produto” – leia-se, torcedores, emissoras de TV, rádios, etc. Porém, a argumentação da CBF frente à acusação foi deslegitimar o próprio futebol e a capacidade psicológica dos apaixonados fãs do esporte.

Como relatado pelo juiz Magano, “em parte da contestação, a CBF afirma que ‘medidas como a presente ação, que querem emprestar ao futebol uma dimensão que um esporte não tem nem pode ter, contribuem para a desinformação do povo, já de si mal aparelhado intelectualmente, sabendo-se que, segundo o IBGE, no Brasil cerca de 70% (setenta por cento) da população é formada por analfabetos funcionais, ou seja, pessoas incapazes de entender o que lêem’”.

A argumentação da CBF torna-se chula com outros exemplos esportivos dados pelo próprio juiz na sequência do artigo, citando a paixão e a audiência do Super Bowl (final do campeonato de futebol americano) ou da Liga dos Campeões da Uefa, e os índices de analfabetismo funcional respectivamente nos Estados Unidos e em toda a Europa.

A CBF foi ainda mais longe em sua tentativa de desprestigiar o processo, alegando que não compete à entidade organizar campeonatos e jogos de futebol. Em seu estatuto, porém, no primeiro artigo, a confederação se intitula como a “associação de direito privado, de caráter desportivo, dirigente do futebol brasileiro”. No processo, argumenta que a responsabilidade é das federações regionais, filiadas a ela, CBF.

Outro argumento é que a confederação “não participa das receitas de jogos de quaisquer competições”. Ora, as receitas são do clube mandante e do visitante. Se o crime é participar de receitas de jogo, Edílson, Nagib e Danelon não são culpados: também nunca receberam um centavo de quaisquer rendas das partidas que manipularam.

A defesa completa sua falta de bom senso na sequência deste argumento: “o futebol é o ópio do povo, o demandante pretende dar uma importância ao esporte que o mesmo não tem, a fraude nos jogos não dá lugar a danos morais. Eventual condenação implicará em sua insolvência e desfiliação da Fifa”.

Norbet Elias, renomado antropólogo que juntamente com o seu aluno e sociólogo Eric Dunning são considerados os pensadores clássicos da sociologia do esporte moderno tendem a discordar da lógica apresentada pela entidade em tal lógica crassa.

Na introdução de “A busca da excitação”, em que Elias retrata o papel do esporte como esfera onde as sensações de membros da sociedade civil que são constrangidas em outros campos podem ser enfim manifestadas, o autor traça um longo paralelo entre a gênese do esporte moderno e as condições para sua aparição na Inglaterra do século XVIII. As condições encontram-se, dentre outros fatores, na estrutura social que se constituía no país.

Elias diz, de maneira explícita, ao discorrer sobre a importância do esporte nas sociedades modernas, que “as investigações sociológicas sobre o problema do desporto tem a responsabilidade de explicar alguns dos seus aspectos que não se conheciam antes ou que, se eram conhecidos, o seriam apenas de uma forma muito vaga. Nesses casos, a tarefa consistia em dar maior segurança ao saber. Tínhamos a profunda consciência de que a compreensão do desporto contribuía para o conhecimento da sociedade”. (ELIAS, 1985)

Negligenciar a importância de qualquer esporte (no caso, o futebol) é deixar de apreender uma esfera da sociedade civil onde se manifestam inúmeras nuances de toda a organização coletiva que ela própria possui, seja a manifestação de relações de poder, de um capital simbólico coletivo como na teoria de Bourdieu, ou na apropriação do próprio esporte para a manifestação de ideologias políticas e/ou sociais de quaisquer naturezas, por exemplo, nacionalistas, separatistas, de esquerda ou reacionárias.

Que o futebol – ou qualquer esporte – aliena, se torna o “ópio do povo”, é fato. É uma possibilidade concreta, sim, mas não pelo próprio desporto como “objeto”, “coisa” em si: mas por indivíduos. Mais que isso: indivíduos que enxergam no desporto um espaço legítimo e de largo alcance em seu contexto social.

O esporte pode ser usado para legitimar regimes ou mesmo ditaduras, como a própria CBD (entidade da qual se origina a CBF) foi utilizada pelo regime militar no Brasil. Os ecos da célebre canção nacionalista de “A Copa do Mundo é nossa” referente ao tricampeonato mundial no México, em 1970, ainda são ouvidos. As reais intenções de “Com brasileiro, não há quem possa”, porém, são felizmente uma sombra no passado.

Voltando ao processo judicial, outro ponto da defesa da CBF gera discussão, sobretudo na administração do futebol brasileiro.

Diz o texto que “os árbitros não lhe prestam serviço nem são por ela remunerados, sendo, ademais, os mesmos indicados pelas federações regionais e escolhidos por sorteio”. Ou seja: uma vez que não se considera responsável pelo produto que oferece (o futebol profissional, regulamentado por sua chancela, pelo seu BID, pela sua comissão antidoping), a entidade se diz isenta, pois não profissionaliza os seus árbitros.

Pode-se observar o caso inglês, da Premier League, onde a arbitragem é tida como exemplo, onde os juízes são registrados pela FA (Federação Inglesa de Futebol) e possuem cursos, seminários e outras tantas reuniões para melhorar seu desempenho, alinhamento de critérios, direitos e deveres na profissão de árbitro. As federações aqui, no entanto, optam por não arcarem com esse “custo” a mais, de auxílio e direitos trabalhistas para profissionais da arbitragem, que continuam relegados ao que só pode ser considerado um “amadorismo forçado”.

Com a fraquíssima argumentação demonstrada em sua argumentação frente a um crime realizado por “profissionais” (e as aspas neste caso são fundamentais para se compreender toda a dimensão do ocorrido) envolvidos na prática que a ela cabe responsabilidade e gestão.

A CBF conseguiu criar um fato onde antes não existia: a visão da federação sobre os espectadores, os torcedores, ou seja, os “clientes” que fazem do esporte futebol o mais popular do país, e da federação a mais rica em comparação às demais “irmãs” de outra modalidades. E ainda o seu papel em relação ao futebol no país que, em três anos, sediará o maior torneio da modalidade, deixa mais em dúvida os caminhos e o profissionalismo da gestão do desporto no Brasil.

O noticiário ao redor da federação não para, desde a eleição do Clube dos 13 no ano passado (quando o candidato apoiado pela CBF, Kléber Leite, foi derrotado) e recentemente a iminente dissociação da organização; a oficialização dos títulos nacionais anteriores a 1971 (do campeonato que a própria CBF diz não ser responsável por organizar, argumentação refutada pelo juiz José Paulo Camargo Magano) e em seguida o fim da polêmica da “Taça das Bolinhas”. E agora, seis anos depois da ocorrência, a condenação no escândalo da arbitragem.

A decisão do tribunal se deu apenas em primeira instância, e é passível de recurso. Se depois do veredicto final for confirmada a culpa da federação no processo, essa situação pode gerar até desfiliação da Fifa (segundo argumentação da CBF descrita dentro do próprio processo) por ingerência.

Abaixo, o texto integral da sentença, disponibilizado pelo blog do jornalista Juca Kfouri

CONCLUSÃO:

Em 2 de fevereiro de 2011, faço estes autos conclusos ao MM. Juiz de Direito Dr. JOSÉ PAULO CAMARGO MAGANO.

Eu, , escr. Processo nº 06.145102-5 Vistos Trata-se de ação civil pública (acp), com pedido de liminar, ajuizada por MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (MPE) em face de CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL (CBF), FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL (FPF), EDÍLSON PEREIRA DE CARVALHO, PAULO JOSÉ DANELON e NAGIB FAYAD.

Segundo a petição inicial, os corréus Edílson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon, árbitros selecionados pela CBF e pela FPF para apitarem os Campeonatos Brasileiro e o Paulista de 2005, em conluio com o corréu Nagib Fayad, fraudaram diversos resultados de jogos de competições organizadas e promovidas pelas referidas entidades esportivas, a fim de garantir que grandes apostadores, dentre eles, o próprio Nagib, fossem favorecidos, gerando as condutas conjugadas, danos morais difusos à sociedade consumerista e danos morais e patrimoniais aos torcedores, quanto aos quais (danos e dissabores) pede MPE indenização, a par (de pedir) sejam os demandados compelidos a publicarem a sentença em jornais de grande circulação. A petição inicial veio acompanhada de documentos (fls. 02/512).

Foi indeferida a liminar (fls. 513/514). Determinou-se a publicação de edital para cientificação dos interessados (fls. 523/526).
Nagib Fayad foi citado e apresentou contestação alegando ilegitimidade passiva, existência de ação penal prejudicial, falta de especificação da conduta que ensejou os danos e dissabores e que eventuais prejuízos dizem respeito exclusivamente aos apostadores, além de afirmar ter ele (Nagib) perdido dinheiro, posto que vítima de falsas afirmações do corréu Edílson (fls. 632/634).

CBF foi citada e apresentou contestação, aduzindo, preliminarmente, impertinência subjetiva da demanda quanto a ela, e ao MPE, no mérito, afirma não estar entre suas finalidades “organizar campeonatos e jogos de futebol”, ausência de culpa in eligendo e in vigilando decorrentes do art. 932, II do CC, pois os árbitros não lhe prestam serviço nem são por ela remunerados, sendo, ademais, os mesmos indicados pelas federações regionais e escolhidos por sorteio. Também afirma que: não participa das receitas de jogos de quaisquer competições, o futebol é o ópio do povo, o demandante pretende dar uma importância ao esporte que o mesmo não tem, a fraude nos jogos não dá lugar a danos morais, eventual condenação implicará em sua insolvência e desfiliação da FIFA (fls. 641/733).

Paulo José Danelon foi citado e apresentou contestação alegando, preliminarmente, nulidade da citação, vindo a, no mérito, afirmar que: não haver prova suficiente para manejo o ajuizamento da demanda, embora tenha tido contato com Nagib, sempre recusou suas propostas para manipulação de resultados, em nenhum dos jogos foi reconhecida a existência de atitudes dolosas relativas à fraude, inexistindo ato ilícito a reparar. Impugnou, ainda, as transcrições juntadas pelo autor (fls. 735/744). FPF foi citada e apresentou contestação, aduzindo, preliminarmente, impertinência subjetiva dela e do MPE, e impossibilidade jurídica do pedido, inexistindo interesse coletivo ou difuso a ser tutelado, vindo a, no mérito, alegar que os fatos narrados na petição inicial não configuram vício de produto ou prática abusiva, e que não há dano patrimonial ou moral indenizável (fls. 746/835).

Edílson Pereira de Carvalho foi citado por carta precatória, e deixou transcorrer in albis o prazo para contestação (fls. 844/848 e 850). Manifestação do demandante (fls. 855/868). Decisão saneando o processo e deferindo a produção de prova emprestada referente ao processo criminal (fls. 869/ 872). Certidão de objeto e pé do Juízo da Comarca de Jacareí acerca do processo criminal (fls. 936).

CBF e FPF interpuseram agravos de instrumento contra a mencionada decisão, aos quais se negou provimento, tendo manejado recursos acerca dos quais se negou seguimento, e pendem decisão dos tribunais de sobreposição (fls. 885/905, 907/917, 1733/1738, 1739/1740 e 1899 e ss).
Realizou-se audiência em que as partes não se conciliaram, deliberando-se sobre a prova documental (fls. 1277, 1308 e 1323/1324). Cartas precatórias com a audiência de testemunhas (fls. 1368/1384, 1405/1441, 1457/1504, 1505/1522, 1524/1570, 1573/1589, 1598/1608, 1610/1704 e 1746/1763). Manifestação das partes (fls. 1766/1766v°, 1.769 e 1.770/1.775). CBF, instada a esclarecimentos, manifestou-se (fls. 1776/1777 e 1.779/1.782). Foi indeferida oitiva pretendida pela CBF, bem como encerrada a instrução (fls. 1785/1787). Memoriais (fls. 1771/1775, 1810/1857, 1859/1863, 1865/1881 e 1883/1886). É o relatório. Decido. 

As questões prévias foram enfrentadas pela decisão de fls. 869/872, e os recursos dela (em realidade, dos v. acórdãos) interpostos não têm o condão de suspender o andamento do processo, sendo certo, por outro lado, que não há ordem dos tribunais de sobreposição nesse sentido.
O conjunto probatório revela, de forma inequívoca, ter ocorrido fraude ou manipulação de resultados em diversas partidas de futebol realizadas nos campeonatos brasileiro e paulista de 2005.

Inexiste dúvida sobre as fraudes, em diversos jogos de futebol realizados nos certames brasileiro e paulista de 2005.

Com efeito. Importante, de início, estabelecer os limites e a natureza da responsabilidade dos réus com relação aos ilícitos perpetrados. A (responsabilidade) da CBF e FPF, far-se-á nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Isso em razão de a Lei 10.671/03 equiparar torcedores a consumidores, e as entidades organizadoras de competições, a fornecedores. “Art. 3o Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo.” “Art. 40. A defesa dos interesses e direitos dos torcedores em juízo observará, no que couber, a mesma disciplina da defesa dos consumidores em juízo de que trata o Título III da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990.”

Também o artigo 42, §3º da Lei 9.615/98 (Lei Pelé) equipara expressamente os torcedores aos consumidores. “Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem. § 3o O espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desportivo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.” Tocante aos demais demandados (pessoas físicas), a responsabilidade civil se estabelece consoante os artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002. “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” “Art. 927. 
Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” Pois bem. As questões da demanda serão analisadas distintamente facilitando a compreensão do julgado.

Edílson Pereira de Carvalho foi citado e não apresentou defesa, isto é, a principio, seria hipótese de se presumirem verdadeiros os fatos alegados, respeitantes a ele. A presunção, no entanto, tem somente a vocação de acelerar a prestação jurisdicional, vale dizer, é técnica que não se sobrepõe à busca da verdade real e, assim, à correta aplicação do direito material, escopo último do processo (instrumental). As provas produzidas são suficientes para caracterizar a culpa (lato sensu, vez que, em realidade, há dolo estrito) de Edílson acerca dos discutidos danos e dissabores. Nos interrogatórios, Edílson admite ter aceitado propostas de suborno para que favorecesse os times escolhidos pelo corréu Nagib, através da inversão de faltas e de infrações cometidas (fls. 55/61). A oitiva da testemunha da corré FPF, Irael Santana confirma ter havido manipulação de resultados de jogos, por Edílson, mediante paga em dinheiro (fls. 1701/1702). Onze partidas apitadas por Edílson no Campeonato Brasileiro de 2005, foram liminarmente anuladas pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva. De acordo com o STJD (fls. 175): “In casu, da análise de todo farto material probatório colhido, e do cotejo dos depoimentos prestados pelo denunciado, Edílson Pereira de Carvalho, com o prestado pó Nagib Fayad, vulgo Gibão, conclui-se ter o denunciado manipulado resultados de partidas que arbitrou, com o fim de receber pagamento em dinheiro, por apostas feitas por terceiros e sites de jogos na Internet” (sic). Os ilícitos de Edílson geraram, de forma manifesta, dissabores e danos à sociedade e aos torcedores, ludibriados tocante à lisura e à higidez das partidas e do campeonato, acarretando, conseqüentemente, dever de indenizar. Esse é tom da responsabilidade civil do Paulo José Danelon. Indigitado réu, em contestação, impugnou as transcrições juntadas pelo demandante, sob o argumento de que não teria havido controle judicial. A alegação não procede, pois, como se depreende da análise da decisão (fls. 969 e 979), proferida na esfera criminal, a prova produzida não é ilícita, vez que as interceptações telefônicas foram autorizadas judicialmente, monitoradas pela Polícia Federal e acompanhadas pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado. Também não procede a alegação de Paulo de inexistência de ato ilícito capaz de ensejar indenização, vez que teria recusado as propostas feitas por Nagib. Com efeito. Em seu interrogatório, disse que fraudou jogos de futebol, através da marcação de faltas no meio do campo, inversão das mesmas e marcação ou não de pênaltis (fls. 66/70). O depoimento foi tomado na presença do patrono do réu, e o mesmo aceitou colaborar com as investigações a fim de obter os benefícios de delação premiada. Descabe, agora, desmentir o que foi dito no interrogatório. Está comprovada a fraude, emergindo, bem por isso, seu dever de indenizar.

Também Nagib Fayad está obrigado à reparação dos danos. Na contestação, disse que Edílson o enganou, e que “perdeu muito dinheiro nas apostas realizadas com base nas afirmações falsas do corréu Edílson. Repita-se, não podendo ser responsabilizado por algo que não participou” (fls. 634). Se ele “perdeu muito dinheiro nas apostas realizadas com base nas afirmações falsas do corréu”, é fato que ele sabia das intenções de tal árbitro em manipular os resultados, bem como se ajustou a conduta do mesmo, e foi com ela complacente. É o que se comprova pelo documento juntado pelo próprio Nagib (fls. 634). Aduziu inexistir culpa stricto sensu. De fato, não há negligência, imprudência ou imperícia, contudo, há culpa lato sensu, vez que é nítido o dolo no comportamento do réu. O demandado aduz que à luz do art. 159 do CC não praticou ato ilícito (fls. 636). “Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.” Esse artigo nada tem a ver com a presente demanda. Afirmou que a inicial não especificou a conduta ilícita que ensejou a perda patrimonial e moral. O suborno dos árbitros, assumido no interrogatório de fls. 62/65, é a conduta ilícita da qual deriva o dever de indenizar. No interrogatório (fls. 62/65), o demandado disse que pagava a Edílson importâncias em dinheiro para que o mesmo arbitrasse de forma parcial as partidas, favorecendo os times nos quais apostava, bem como que, igualmente, pagava Danelon para que houvesse as fraudes. O comportamento de NAGYB foi essencial a que ocorressem as manipulações. Assim, configurados estão os requisitos necessários para a formação da responsabilidade civil do art. 927 do CC, quais sejam, a existência de dano, ato ilícito, culpa e nexo causal. No mais, o próprio Nagib afirmou que a aposta é ilícita (fls. 637). Cometeu, pois, dois atos ilícitos: aposta e suborno. Analisadas as alegações dos réus (pessoas físicas), passa-se ao exame do aduzido pelas pessoas jurídicas, CBF e FPF. CBF, em contestação, afirmou que não há relevância social no assunto discutido, bem como a inexistência de danos materiais e morais a serem ressarcidos. Cita parte de acórdão do E. STJ (R.Esp. n° 58.682): “ – O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos, desde que esteja configurado interesse social relevante” (in “Rev. Dir. Adm.”, vol 207, pág. 282).”. E conclui: “tratava-se de questão oriunda do Estado de Minas Gerais, que envolvia a coletividade dos trabalhadores das minas de Morro Velho, que o acórdão considerou de interesse social relevante. Acrescente-se: era coisa séria, doença profissional de operários de mineração, não uma ridicularia em torno de jogos de futebol.” (destacou-se). Como considerar que a fraude em dois dos principais campeonatos esportivos do país, responsáveis por movimentar milhões de reais por ano, senão mais, considerando-se todas as atividades a eles relacionadas, não possui interesse social relevante? Há uma verdadeira indústria do futebol, que movimenta quantias incalculáveis de dinheiro. Some-se o valor movimentado pelos empregos gerados direta ou indiretamente pelo futebol; pela venda de ingressos; pelos gastos efetuados com transporte (público, automóveis privados, passagens de avião, etc.), alimentação, venda de artigos (como camisas, bandeiras, uniformes, cornetas entre outros), redes hoteleiras; pelas emissoras de televisão e de radiodifusão, inserindo-se até mesmo o mercado informal, como as atividades exercidas por cambista e camelôs. Inquestionável a relevância social do presente tema, não só por ser de suma importância para todo brasileiro, mas, também, pela enorme relevância econômica que possui.

Nesse sentido, a título de elucidação, cita-se o exemplo da Rede Globo de Televisão, que pagou a importância de R$ 148.922.171,00 pela transmissão do Campeonato Brasileiro de 2005, e R$ 19.500.000,00 pelos direitos sobre o Campeonato Paulista do mesmo ano, e da TV por assinatura SKY, que obteve receita bruta de R$ 58.235.595,48 em relação à venda do “Brasileirão” de 2005 (fls. 428 e 446). E o v. acórdão do TJSP destacou a relevância do tema (fls. 1736): “Não se sustenta o argumento segundo o qual os direitos e interesses cuja defesa se pleiteia carecem de relevância social. O futebol está entre as práticas de maior expressão na sociedade brasileira, sendo certo que principal campeonato anual disputado entre os grandes clubes do país tem grande repercussão econômica e cultural. “ Afirmou também CBF não influenciar na escolha dos árbitros, os quais não lhe prestam serviço nem por ela são remunerados. Contudo, como asseverou o v. acórdão, é de conhecimento geral que a CBF participa na escolha dos árbitros que atuam nos campeonatos por ela organizados, portanto, há, sim, prestação de serviços. O Estatuto Social da demandada disciplina a existência de uma comissão de arbitragem cuja finalidade é a de fiscalização: “art. 62 – A CBF terá uma Comissão de Arbitragem à qual caberá, especialmente: I – fiscalizar, no âmbito de suas atividades, o fiel cumprimento das leis do jogo; III – fazer a escalação de árbitros e seus auxiliares para as partidas de competições nacionais, os quais poderão ser escolhidos por sorteio, entre aqueles previamente selecionados”. (destacou-se). Sidrack Marinho dos Santos, membro da comissão especial composta pela FPF para apurar as possíveis irregularidades praticadas pelos árbitros, e Teodoro Manoel Fernandes de Castro Lino, ex-árbitro da FIFA, disseram que a mesma não participa da escalação dos árbitros que atuam no Brasileirão: quem os escolhe é a comissão de arbitragem da CBF (cf. depoimentos as fls. 1.588/1.589 e 1.760/1.761).

Para ver se livre de responsabilidade, CBF disse que as entidades responsáveis por promover os jogos de futebol são as federações regionais, somente as mesmas auferindo lucros com os espetáculos. Contudo, o fato de a referida ré não arrecadar com os jogos não exclui sua responsabilidade de supervisionar as regularidades das competições realizadas. No próprio site da CBF (http://www.cbf.com.br/pdf/sumula_2010.pdf), há súmula e relatório das partidas que devem ser preenchidos e entregues pelos árbitros. Evidente que a CBF tinha o dever de fiscalizar todos os jogos realizados, como determina seu Estatuto Social. Buscando sustentar a tese contrária, CBF transcreve entendimento de consultor jurídico (fls. 648): “(…) Como bem demonstrado, compete à Confederação Brasileira de Futebol apenas a coordenação, organização, supervisão das competições sub examen, o que o faz zelando pela observância das regras da regularidade dos campeonatos, já que as federações regionais é que são as verdadeiras entidades promotoras dos espetáculos, sobre os quais incidem as contribuições (…)” (destacou-se). O Estatuto da CBF (fls. 125/171) assim dispõe: “art. 5° – A CBF tem, por fins básicos: I – administrar, dirigir, controlar, fomentar, difundir, incentivar, regulamentar e fiscalizar, de forma única e exclusiva, a prática de futebol não profissional e profissional, em todo território nacional.” (destacou-se). IX – decidir, com exclusividade, sobre a promoção de competições interestaduais ou nacionais pelas entidades estaduais de administração e de prática do futebol e pelas ligas, porventura reconhecidas, estabelecendo diretrizes critérios, condições e limites, sem prejuízo de manter a privatividade de autorização para que tais entes desportivos possam participar de competições de caráter internacional.” A responsabilidade civil da CBF deve-se ao fato de que houve culpa in eligendo, bem como in vigilando: não cumpriu o dever de garantir a observância das regras que garantissem o regular andamento dos campeonatos, ante a escolha de árbitros parciais, cujas condutas ilícitas geraram danos e dissabores a toda sociedade brasileira. O depoimento da testemunha da CBF, Sérgio Gomes Velloso (fls. 1422/1424), ex-secretário de esporte do Rio de Janeiro, deixa claro que os árbitros devem seguir as regras da arbitragem da FIFA e da própria CBF, e que a responsável pela fiscalização do cumprimento de tais normas é a CBF, como disposto no art. 1°, §2° de seu Estatuto Social, a seguir transcrito: “art. 1°, §2° – “A CBF reger-se-á pelo presente Estatuto, pela disposições legais que lhe forem aplicáveis, cabendo-lhe, na qualidade de filiada, observar e fazer cumprir no Brasil todos os ditames estatutários e regulamentares emanados da Fédération Internationale de Football Association – FIFA.” (destacou-se). Soma-se ainda o fato de que a FPF se submete às normas da CBF, vez que sua associada, como bem demonstram os artigos 9° e 10° do referido Estatuto: “art. 9 – A CBF é constituída pelas entidades estaduais de administração do futebol (Federações)…” “art. 10 – Os estatutos das entidades estaduais de administração (Federações) e da prática do futebol (clubes), filiadas à CBF e das ligas nacionais, se constituídas e quando admitidas na CBF, subordinar-se-ão ao da CBF, cujas normas e regras orientarão a organização, competência e funcionamento daquelas”. Portanto, a responsável pela fiscalização e regulamentação do futebol no Brasil é a CBF, revelando-se manifesta sua responsabilidade civil ao negligenciar parte de sua função, possibilitando a ocorrência das fraudes. A demandada alega que “não pode haver danos morais indenizáveis como resultado de banal incidente ligado a jogos de futebol, mera atividade de lazer e entretenimento” (destacou-se). Surpreende que uma entidade criada justamente para atuar em função do futebol sustente isso. A “máfia do apito” efetuou atos ilícitos, e não pode ser considerado um “banal incidente” (fls. 650), bem como, para muitos, o futebol não é “mera atividade de lazer e entretenimento”: como dito, os campeonatos futebolísticos são eventos altamente rentáveis para a economia.

Em parte da contestação, a CBF afirma que “medidas como a presente ação, que querem emprestar ao futebol uma dimensão que um esporte não tem nem pode ter, contribuem para a desinformação do povo, já de si mal aparelhado intelectualmente, sabendo-se que, segundo o IBGE, no Brasil cerca de 70% (setenta por cento) da população é formada por analfabetos funcionais, ou seja, pessoas incapazes de entender o que lêem”.
Desnecessária e desprovida de sentido a afirmação.

A presente demanda, de forma alguma, serve para desinformar o povo.
A má formação intelectual de grande parcela da população brasileira em nada tem a ver com a paixão pelo esporte.
A ré cita o Senador Cristovam Buarque: “O futebol deslumbra, mas só o saber constrói”.

O saber é de suma importância, mas não exclui a paixão pelo futebol.
É de amplo conhecimento que os eventos relativos ao Super Bowl, campeonato estadunidense de futebol americano, geram sentimentos tão acalorados quanto os relativos ao futebol do país, se não mais, e é inegável que os EUA tem um percentual de analfabetos funcionais muito menor do que o Brasil.

O campeonato europeu organizado pela UEFA leva todos os anos milhares de torcedores aos estádios, e é impossível dizer que os países de tal continente possuem índice de analfabetismo alto.

Não há que se atribuir à paixão pelo esporte relação com o índice de analfabetismo do país. Esse é um problema social a ser combatido com políticas públicas, nada implicando, no entanto, na diminuição do amor que o brasileiro tem pelo futebol.

Ainda em sua defesa, após citar trecho da exordial, discorre a CBF acerca dos danos morais: “essa conclusão coroa o relato segundo o qual, mesmo quem viu os jogos fraudados pela TV, desembolsou o custo do receptor, da energia elétrica etc. Com esses “argumentos” é que se pretende justificar os danos morais coletivos…”(sic). Contudo, tais “argumentos” corroboram, sobretudo, a necessidade de indenização por danos patrimoniais, e não morais. O principal argumento suscitado pelo MPE acerca dos danos morais refere-se ao dissabor sofrido pelos torcedores pela boa-fé e confiança por eles depositada: acreditaram na lisura das competições, as quais já possuíam diversos resultados predeterminados antes dos jogos ocorrerem. Assim, toda angústia e emoção vivenciada pelos torcedores foram em vão. Tanto a decepção de saber que o time pelo qual se torce só foi vencedor porque houve fraude na arbitragem como a tristeza de saber que a agremiação de coração perdeu em resultado arranjado caracterizam dissabor indenizável.

De rigor o dever de indenizar da CBF: responsável por regulamentar e fiscalizar a prática do futebol no país.

No mais, a CBF é a fornecedora do produto Campeonato Brasileiro, arcando objetivamente pelos vícios e fatos do produto.

Cabe uma última consideração tocante às alegações da CBF. Em trecho que fala de “obviedades” (fls. 660), diz que pode vir a ser desfiliada da FIFA no caso de existência ou procedência da demanda, citando situação que teria ocorrido com a Federação Grega de Futebol.

Sugere que a intervenção do Poder Judiciário caracterizaria ingerência política dando azo a sanções, dentre elas a desfiliação.

A par de consistir em alegação que agride o art. 5º, XXXV, da CF, portanto, sem nenhum amparo normativo, a sugestão tem tom alarmista, especialmente na iminência da realização da Copa do Mundo no Brasil, com pesados investimos econômicos do Estado e enorme expectativa da população. O mesmo se diga com relação a alusão de que a procedência da demanda pode levar a CBF à insolvência, questão processualmente precipitada e com igual matiz alarmista. Passa-se a análise da responsabilidade da corré FPF.

Tal demandada afirma que não teria como impedir os atos praticados individualmente pelos envolvidos no esquema. Porém, o artigo 18 do CDC estabelece que o fornecedor é responsável pelos vícios presentes no produto oferecido, e, como já dito, a FPF se equipara à figura do fornecedor. O Estatuto da FPF (fls. 192/233) dispõe: “Art. 2°- A FEDERAÇÃO, que funcionará por tempo indeterminado e exercerá as atividades segundo o disposto neste Estatuto e leis acessórias, tem por fim: b) promover a organização e realização de campeonatos, torneios e competições de futebol” É de conhecimento geral que o Campeonato Paulista é organizado pela FPF. O mencionado estatuto dispõe, em sua seção III, que a Federação possui uma Comissão de Arbitragem, órgão, de acordo com o art. 35, caput, “encarregado de deliberar sobre todos os assuntos que lhe forem pertinentes e fiscalizar, no âmbito de sua atividades, o fiel cumprimento das leis do jogo”. Alega o não cabimento do pleito de danos morais difusos, transcrevendo entendimento de Massimo Severo Giannini (fls. 770): “só é difuso um direito quando de fato é difusa a titularidade subjetiva dos bens tutelados, sendo esses titulares substancialmente anônimos”. Diz que não há homogeneidade nos interesses dos torcedores, “uma vez que muitas das equipes/ torcidas sequer sofreram qualquer influência acerca da anulação dos jogos”. É óbvio, no entanto, que a interferência parcial dos árbitros acaba por prejudicar toda a tabela dos campeonatos, pois jogos que não iriam ocorrer caso não houvesse a fraude acabaram acontecendo, de modo que há sim uma repercussão, direta ou indireta, da ação dos fraudadores, em relação aos outros clubes. Embora a afirmação supra tenha, aparentemente, consonância com a teoria do caos, desacreditada por muitos, é inegável que a manipulação de resultados acabou por influenciar todos os jogos realizados posteriormente. Houve clara lesão ao direito ao lazer, direito social fundamental de segunda geração protegido pelo art. 6° da CF/88. Tal direito é indispensável ao pleno exercício do princípio da dignidade humana, alicerce fundamental de todos os Estados Democráticos de Direito, como o Brasil, à evidência do disposto no art.1º, III, da CF: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana” Descabe a alegação de que os bens tutelados em análise caracterizam unicamente interesses individuais e homogêneos, pois houve, igualmente, lesão a direitos difusos. No caso, o sujeito indeterminável seria a sociedade brasileira, enquanto bem indivisível o direto social ao lazer, ambos afrontados pela corrupção que assolou e maculou os Campeonatos Brasileiro e Paulista de 2005. Assim, houve, à semelhança do ocorrido com a CBF, culpa na modalidade in vigilando e in eligendo: houve escalação de árbitros responsáveis pela ocorrência de danos, tanto morais quanto materiais.

Estão presentes a conduta, o dano e o nexo causal a configurar responsabilidade civil e o dever de indenizar. Ademais, mesmo que fosse desconsiderada a negligência da ré, a FPF se submete ao CDC, respondendo objetivamente pelos vícios e fatos do produto oferecido. No que tange aos danos materiais, devem ser ressarcidos os gastos dos torcedores em razão da manipulação indevida de resultados das partidas, tais como transporte, alimentação, camisas, bonés, bandeiras, jogos pay-per-view, etc. Os danos materiais possuem presunção relativa de veracidade, devendo ser comprovados individualmente, em sede processual própria. Cabe, ainda, o acolhimento do pleito de indenização por danos morais. O futebol é, reconhecidamente, a paixão nacional do brasileiro. A importância do futebol no país ultrapassa a seara econômica, caracteriza verdadeiro patrimônio cultural peculiar da sociedade brasileira, capaz de despertar reações e sentimentos dos mais variados. É inegável que, em tempos de Copa do Mundo, os brasileiros ficam, inclusive, mais patriotas, fazendo questão de demonstrar o orgulho de comporem a nação, o que, sabiamente, não ocorre em dias regulares. Normalmente, a escolha do clube é uma tradição familiar, e o respeito e devoção são impagáveis, sendo extremamente comum a imagem de torcedores chorando ao ver a derrota de seu time de coração. Por vezes, o amor à camisa é tamanho que os torcedores literalmente se matam por ela, como por exemplo, de forma deplorável, vê-se nas constantes brigas de torcidas organizadas, que além de custar vidas, depredam o patrimônio alheio, gerando danos a toda sociedade. É mais do que evidente que o ocorrido não foi “resultado de banal incidente ligado a jogos de futebol, mera atividade de lazer e entretenimento”, caracterizando, sim, dissabor indenizável, descobrir que o “time do coração” foi “ajudado” ou “prejudicado” pela arbitragem” (fls. 25), resultando em campeonatos viciados. No mais, há danos morais de toda a sociedade brasileira, que viu maculado pela corrupção elemento intrínseco à sua cultura. A fixação do quantum debeatur deve-se pautar pelo princípio da razoabilidade. O valor determinado a título de danos morais deve ser o suficiente para que o dissabor seja compensado, mas não tão exorbitante que se torne fonte de enriquecimento sem causa. Essa atribuição de valor deve levar em conta a tríplice natureza dos danos morais (compensatória, punitiva e pedagógica), a condição social e econômica das partes, e a gravidade e extensão do dano experimentado. Ademais, conforme parte dispositiva que segue, há que se distinguir valores com base na distinção dos campeonatos (brasileiro e paulista de 2005), e diferenciação dos fatos (fraudes e repercussões), no brasileiro, a influência teve maior destaque e repercussão, onze partidas anuladas, ao contrário do campeonato paulista. Em suma, devem ser acolhidos os pedidos constantes na petição inicial. Por fim, o comportamento processual dos corréus CBF, Nagib Fayad e Paulo José Danelon enquadra-se nas hipóteses de litigância de má-fé (art. 17 do CPC). As fls. 730/731 e 1.779/1.782, a CBF juntou documentos impertinentes, com o escopo de ofender o MPE. Fez a juntada sob fundamento que somente o despreparo para o sentido do devido processo legal explica. Condicionou a desistência de prova a desistência do processo, como se isso, dada a natureza da ação civil pública, fosse possível. Associou triste fato envolvendo criança a seu requerimento. Ofendeu, com efeito, o princípio republicano que caracteriza o processo (método de atuação do Poder Judiciário), tumultuando e retardando a atividade jurisdicional. A alegação de Danelon – de que se recusou a aceitar as propostas de suborno feitas por Nagib – visou alterar a verdade dos fatos, pois, pelas provas juntadas aos autos, sobretudo, a confissão de Danelon no interrogatório, restou demonstrada sua participação no evento danoso.

Está caracterizada a má-fé da CBF, conforme incisos III e V do CPC, e de Danelon, de acordo com o inciso II do referido código. “Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980) II – alterar a verdade dos fatos; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980) III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980) V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; (Redação dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)” Ante o exposto, nos termos do art. 269, I, do CPC, acolho os pedidos do demandante e condeno: a) os corréus EDÍLSON PEREIRA DE CARVALHO, NAGIB FAYAD, e CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL, solidariamente, nos termos do art. 95 do CDC, ao pagamento de indenização por danos materiais e morais causados aos consumidores pela manipulação de resultados do Campeonato Brasileiro de 2005, valores a serem apurados em módulo processual próprio; b) os corréus EDÍLSON PEREIRA DE CARVALHO, PAULO JOSÉ DANELON, NAGIB FAYAD e FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL, solidariamente, nos termos do art. 95 do CDC, ao pagamento de indenização por danos materiais e morais causados aos consumidores pela manipulação de resultados do Campeonato Paulista de 2005, valores a serem apurados em módulo processual próprio; c) os corréus EDÍLSON PEREIRA DE CARVALHO, NAGIB FAYAD, e CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL, solidariamente, ao pagamento do valor de R$ 160.000.000,00 (cento e sessenta milhões de reais), a título de indenização pelos danos morais difusos causados aos consumidores, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês desde a data da publicação da presente sentença, a ser recolhido ao Fundo Especial de Despesa de Reparação de Interesses Difusos Lesados; d) os corréus EDÍLSON PEREIRA DE CARVALHO, PAULO JOSÉ DANELON, NAGIB FAYAD e FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL, solidariamente, ao pagamento do valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), pelos danos morais difusos causados aos consumidores, corrigidos monetariamente, e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês desde a data da publicação da presente sentença, a ser recolhido ao Fundo Especial de Despesa de Reparação de Interesses Difusos Lesados; e) os réus a publicarem, no prazo de 10 dias, a sentença condenatória em jornais de grande circulação, sob pena de multa de R$ 20.000,00 por dia de atraso. Condeno ainda os corréus CBF e Paulo José Danelon, por litigância de má-fé, nos termos do art. 18, CPC, ao pagamento de indenização à autora no valor de 20% sobre o valor da causa, 1% a título de multa, mais honorários advocatícios e despesas processuais. Arcarão os réus com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados, por eqüidade, no valor de R$ 10.000,00, para cada uma das rés. Certifique a Serventia o valor do preparo e das despesas de porte/remessa referentes a 10 volumes.
P.R.I. São Paulo, 14 de fevereiro de 2011.

JOSÉ PAULO CAMARGO MAGANO
Juiz de Direito

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Benê Lima