Já faz algum tempo que grandes clubes do futebol europeu vêm em seus treinamentos enfatizando atividades de grande intensidade, com pouca duração, distribuídas em períodos únicos diários ao longo da semana de trabalho.
Faz mais tempo ainda que o cientista do desporto Yuri Verkhoshansky, em suas obras traduzidas do russo para o espanhol, português e italiano (e outros tantos idiomas), defendeu e vem defendendo que, no esporte de alto rendimento, o que define o êxito é o “agir em alta velocidade”.
Agir em “alta velocidade” no futebol, diferente do que o tradicional enfoque, do treinamento desportivo e da biologia do esporte propõem, significa construir um jogo em que o ritmo das ações efetivas, dos jogadores e equipe, seja elevado em função do tempo e do espaço, simultaneamente.
Isso quer dizer que, mais do que qualquer movimento realizado com grande velocidade, o que vale para um intenso e aumentado ritmo de jogo é a “alta velocidade” das ações carregadas de significados (técnicos, táticos, físicos e psicológicos).
Como já debatido outrora, a velocidade, como capacidade biomotora pura e simples, manifestada, por exemplo, em corridas cíclicas, não é a velocidade a ser treinada e maximizada no treinamento de futebolistas (e isso não significa deixá-la de lado) – pelos motivos já bem descritos pelas Ciências do Desporto.
O treinamento intenso, respeitando o volume de ações do jogo de futebol, conforme acontece em grandes equipes europeias, prioriza a qualidade das ações treinadas. E a intensidade com qualidade gera respostas adaptativas por parte dos jogadores e equipes, que condicionam um comportamento de alta velocidade de ações – ações efetivas, carregadas de significados.
Claro, qualidade nesse caso significa gerar estímulos que possam desenvolver o jogo que se deseja jogar, respeitando processo e zona de desenvolvimento proximal de jogadores e equipe.
As ideias iniciais de Verkhoshansky, ainda que não tenham sido construídas, partindo do futebol ou do esporte coletivo, como centro, levantaram um interessante debate sobre a questão da intensidade dos treinos no futebol.
Se a velocidade é fator decisivo no êxito esportivo, no caso do futebol, basta não tratá-la como a mesma velocidade do atletismo, natação ou outros esportes individuais. É necessário que se entenda a fundo, na essência, como ela se manifesta no jogo, e especialmente, como pode e deve ser desenvolvida.
No Brasil, é hábito (ou talvez vício, ou quem sabe, tradição) treinar em dois períodos. Isso acontece tanto nas equipes de base (especialmente sub-17 e sub-20), quanto nas equipes profissionais de 1ª ou 2ª divisão.
Treinar pela manhã e no período da tarde (ainda que os jogos sejam à noite!) é a representação máxima do paradigma do “quanto mais, melhor”, e não do “treinar intensamente, com qualidade”.
Mas, o “quanto mais, melhor” não sobrevive impune, pois como conseguir em treinos de dois períodos manter a máxima intensidade nas atividades, se o “quanto mais”, acumulado ao longo de horas, dias e semanas, leva a incompletas recuperações de uma sessão a outra? Como jogadores mal recuperados podem conseguir agir em máxima intensidade por todo o treino?
Talvez isso explique porque o futebol por lá (na Europa) seja mais dinâmico, movimentado, intenso... E não como escutei outro dia, de conceituado homem do futebol, de que a menor velocidade de jogo aqui no Brasil deve ser atribuída, pura e simplesmente, a altas temperaturas e dimensões maiores dos campos de jogo quando comparadas às médias da Europa – sem falar na “malemolência” dos jogadores brasileiros.
Treinar muito e em baixa intensidade condicionará jogadores a jogarem em baixa intensidade (e quem sabe a aguentar dois jogos seguidos!).
A maneira com que se joga é reflexo da maneira como se treina. A maneira como se treina, é reflexo de como aqueles que trabalham com a preparação dos futebolistas enxergam o jogo.
Então, ao invés do “quanto mais, melhor”, o “real, óbvio, adequado (e melhor!)” deveria ser, “quanto melhor, melhor”.
Acho que é isso...
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Benê Lima