Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, outubro 03, 2009

Entrevista

Marcelo Izar Neves, empresário e filho do ex-goleiro campeão mundial em 1958, Gilmar dos Santos Neves
Presidente de associação dos campeões mundiais fala sobre metas e conquistas da entidade
Marcelo Iglesias

O Brasil é o país que mais venceu Copas do Mundo. Além disso, anualmente, o país revela craques que se transferem para diversos países do planeta. A seleção nacional é sempre tida como uma das favoritas nos Mundiais. Porém, pouco se dá valor aos jogadores que conquistaram o principal torneio de seleções vestindo a camisa brasileira.

Indignado com a negligência que existe em relação a maioria dos atletas que representaram o Brasil em suas campanhas vitoriosas e, principalmente, em como esses personagens acabam desamparados, sofrendo com graves problemas de saúde e financeiros, Marcelo Izar Neves, filho do goleiro campeão pela seleção brasileira em 1958, criou uma entidade para lidar com o problema.

“A Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil foi feita exatamente para isso: garantir condições dignas para esses grandes heróis quando eles começam a cair no esquecimento”, afirmou o presidente da instituição, em entrevista exclusiva à Universidade do Futebol.

Recentemente, a associação comandada por Marcelo Neves lançou réplicas das camisas utilizadas pelos jogadores nas três primeiras Copas do Mundo em que o Brasil venceu: 1958, 1962 e 1970. Todo dinheiro arrecadado será distribuído igualmente entre os filiados (exclusivamente campeões mundiais pela seleção brasileira).

Durante a entrevista, o filho do primeiro goleiro campeão do mundo pelo Brasil contou sobre o lançamento desses produtos e também tratou de temas como a dinâmica de funcionamento da entidade, realizou comparações entre a maneira como são vistos os campeões mundiais em outros países e no Brasil, quais são os benefícios já conseguidos para os nossos campeões e como a Copa do Mundo de 2014 pode ser útil para trazer a público esses heróis “esquecidos”.

Universidade do Futebol – Como surgiu a ideia de montar uma associação para os campeões mundiais pelo Brasil?

Marcelo Neves – Primeiro, é interessante colocarmos que esses personagens são ex-jogadores de futebol e não ex-campeões mundiais. Além disso, é importante apontarmos que existem 238 campões mundiais no planeta, sendo que 82 deles são brasileiros, ou seja, mais de um terço do total. No entanto, isso não é reconhecido no Brasil.

Percebi que muitos desses ex-atletas, com o passar dos anos, tinham problemas sérios de saúde e financeiros. Pior ainda, nunca havia sido feito nada para juntar todos os campeões mundiais brasileiros, ou seja, eles não se conheciam. Uma prova curiosa, mas triste disso é o caso do Dunga, que queria um autógrafo do Pepe. Pensei que fosse brincadeira, mas era verdade, eles nunca haviam se visto. Um campeão de 1958 e outro de 1994 não se conheciam pessoalmente.

Nunca ninguém fez absolutamente nada por eles aqui no Brasil. Por conta disso, surgiu a ideia de juntarmos todos e garantir uma pressão maior para conseguir gerar receita. Não para ajudá-los, mas sim, como eu gosto de frisar, para reconhecê-los.

Na Copa do Mundo de 2006, em Munique, a Fifa convidou os campeões mundiais de todos os países que já haviam conquistado o título para entrarem em campo, na abertura do evento. Ali, conseguimos reunir quase 50 campeões e foi o momento em que consegui falar com todos e conscientizá-los que essa união entre eles seria importante.

Mesmo porque, há sempre a desconfiança por parte desses ex-jogadores, uma vez que a maioria das pessoas sempre vem com “tapinha nas costas”, querendo convidá-los para diversos eventos, mas para ajudá-los de fato ou oferecer-lhes um prêmio, um reconhecimento, ninguém nunca está interessado.

Nesse momento, começamos a nossa luta. O mais difícil era fazer com que os campeões aderissem e iniciassem uma série de ações que desenvolvemos nos últimos três anos. Porém, hoje, contamos com quase 60 filiados.


O Brasil é a única seleção pentacampeã do mundo, com títulas nas Copas de 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002

Universidade do Futebol – Como funciona a associação? Quem pode participar?

Marcelo Neves – A Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil possui um estatuto. Ela foi criada em 2006, e o presidente possui um mandato de quatro anos. Ou seja, o meu vence no próximo ano, em 2010. Não existe uma diretoria efetiva, mas queremos alterar isso no estatuto para que existam, pelo menos, mais três diretores.

O nosso desejo, e já iniciamos as conversas, é que, para o próximo ano, quem assuma a presidência da associação seja um campeão mundial brasileiro.

Quem comanda a entidade, na realidade, são todos os seus filiados. Atualmente, possuímos um quadro com quase 60 campeões mundiais, e todos eles têm poder de voto em qualquer situação, evento ou atividade que a associação pretenda realizar.

Em 2010, estamos negociando para que Carlos Alberto Torres, o “capita”, assuma a presidência da instituição. Eu também já me coloquei à disposição para continuar trabalhando pela associação, uma vez que muitos dos membros não possuem tempo disponível ou já têm idade avançada para desenvolverem os projetos. Mas, na verdade, não sou um campeão, e acredito que seria mais interessante que a Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil fosse presidida por um deles.

Mesmo porque, a entidade é bastante simples. É uma associação sem fins lucrativos. Obviamente, ela possui um número limitado de associados, uma vez que somente quem foi campeão do mundo pode participar, isto é, não é um número que vá crescer absurdamente em pouco tempo.

Além disso, é importante ressaltar que os filiados não pagam absolutamente nada, eles só se filiam e passam a usufruir do que a associação gera de receita, dividido igualitariamente entre todos eles. Por exemplo, no caso das camisas que nós fizemos, foram mil unidades no primeiro lote. Se forem vendidas 30 do Jairzinho, o valor arrecadado será repartido entre todos os filiados, não será destinado todo o dinheiro para o Jairzinho, no caso.

Possuímos um escritório em que trabalham duas pessoas, pois é importante contatar cada um dos filiados e enviar correspondências. Eles residem em diferentes regiões do Brasil e é essencial que se mantenham os endereços atualizados, o que muda com frequência.

A nossa estrutura é pequena, enxuta, uma vez que a associação não possui receita vinda dos filiados. Só conseguimos gerar algum dinheiro no momento em que realizamos uma ação como o lançamento das camisas das Copas em que o Brasil sagrou-se campeão. E esse valor não vai para a entidade, e sim para os jogadores.

Por ela não ter fins lucrativos, dependemos muito de ajuda. Os hotéis em que os campeões mundiais ficaram para estarem presente no evento de lançamento das camisas as quais me referi foram conseguidos gratuitamente. O mesmo aconteceu com as camisas. A Telefônica pagou um valor para confeccionar o produto. Não foi um patrocínio comum em que a empresa desembolsa uma quantia muito maior do que a que será gasta na feitura do material. A Athleta realizou o coquetel no Museu do Futebol, o qual também foi cedido gratuitamente.

Universidade do Futebol – Existe alguma associação, nos mesmos moldes, em outros países? Se sim, há o intercâmbio entre elas?

Marcelo Neves – Quando comentei sobre a Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil com o Joseph Blatter, presidente da Fifa, ele declarou algo bastante interessante sobre o assunto.

Primeiro, ele ficou indignado e, depois, afirmou que, por incrível que pareça, em todos os outros países que foram campeões do mundo (Inglaterra, Itália, Alemanha,, Uruguai, França e até na Argentina), não é necessário que haja esse tipo de associação. Aqueles que venceram Copas do Mundo nesses países são tratados como verdadeiros heróis.

Para que se tenha uma noção daquilo que estou abordando, o Mazzola (José João Altafini), que é filiado a Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil, e que, atualmente, trabalha como comentarista na RAI, na Itália, me confirmou que o governo italiano disponibiliza um valor, que aqui chamamos de aposentadoria especial, para todos os campeões mundiais pelo país como se fosse um prêmio, um reconhecimento.

No entanto, no Brasil, o único país do mundo que já foi cinco vezes campeão da Copa do Mundo, e que possui o maior número de jogadores que participaram dessas campanhas vitoriosas, não existe nenhuma mobilização para auxiliar esses ex-atletas. Por isso que foi necessário que, aqui, houvesse a criação de uma entidade como essa que eu presido.


Além do Brasil, outros seis países já foram campeões do mundo: Alemanha, Argentina, França, Inglaterra, Itália e Uruguai

Universidade do Futebol – A associação possui apoio da CBF, de alguma federação estadual, de alguma entidade governamental, ou de entidades ligadas ao futebol? Qual é a relevância de um apoio como esse?

Marcelo Neves – A Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil não possui apoio de absolutamente ninguém.

Na verdade, para não ser injusto, no lançamento das camisas do Brasil utilizadas nas Copas de 1958, 1962 e 1970, foi preciso uma autorização da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para utilizar o escudo da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), e o presidente da entidade, Ricardo Teixeira, enviou uma carta permitindo o uso.

Isso foi a única iniciativa colaborativa que obtivemos até hoje. Exceto essa autorização da CBF, nunca fomos procurados por nenhuma federação, confederação ou pelo próprio governo para que houvesse algum tipo de auxílio por parte deles.

Agora, estamos conversando com o presidente Lula, com a Casa Civil e com os Ministérios dos Esportes, do Planejamento e da Previdência para que até o próximo dia 16 de outubro seja aprovada uma aposentadoria especial e uma indenização, em primeiro lugar, para os campeões da Copa do Mundo de 1958, e, sucessivamente, para os de 1962, 1970, 1994 e 2002.

Universidade do Futebol – Quais são os principais benefícios para amparar os ex-campeões mundiais que vocês pretendem conseguir?

Marcelo Neves – Até o momento, o que já possuímos e gostaríamos de melhorar é um escritório de advocacia internacional, que cuida do uso indevido de imagem de todos os afiliados. Esse escritório funciona há três anos e várias ações foram ganhas para os jogadores.

Além disso, conseguimos um plano de saúde, que não é exatamente o que gostaríamos, e, por isso, estamos tentando melhorá-lo por meio de alguma parceria e oferecer o serviço ideal para todos os campeões. Porém, o que nós temos atualmente é um plano que cuida dos campeões e de mais cinco familiares de cada um deles. Alguns deles utilizam o benefício e outros não demonstraram interesse.

Também pensamos na reintrodução desses campeões mundiais no mercado, por meio de eventos, jogos e palestras. Essa é uma área em que trabalhamos bastante com todos os afiliados, também, para que eles possuam um ganho digno e, principalmente, sintam-se úteis.

Recentemente, houve o lançamento das camisas que a seleção brasileira utilizou nas Copas do Mundo de 1958, 1962 e 1970. Nesse caso, esperamos que, vendendo todas as unidades, arrecademos aproximadamente R$ 200.000 mil para cada filiado.

Por fim, e o principal, seria a aposentadoria especial, que pretendemos que seja pelo teto máximo da Previdência, o qual, se não me engano, é um valor em torno de R$ 3.500,00. Esse benefício seria válido para o resto da vida dos campeões e, em caso de falecimento, extensivo à esposa. Além disso, queremos uma indenização, pois se fizermos os cálculos, os atletas que jogaram na Copa do Mundo de 1958 já estão com cerca de 80 anos, ou seja, irão usufruir por muito pouco tempo desses benefícios.

Esses são os pontos principais que, efetivamente, estão acontecendo e que estamos tentando melhorar. Para o ano que vem, quando acontecerá a Copa do Mundo da África do Sul, o que é um grande apelo para que os campeões brasileiros sejam lembrados, queremos fazer algo como um livro dos campeões, um álbum de figurinhas, exposições itinerantes (pois temos um acervo original muito grande de todos os campeões mundiais).

Universidade do Futebol – A Athleta foi a marca utilizada pela seleção brasileira nas copas de 1958, 1962 e 1970. Por conta dessa ligação da marca com a seleção decidiu-se por fazer réplicas das camisetas utilizadas nos referidos anos. Como surgiu essa iniciativa para arrecadar fundos para a associação? Além desse evento no Museu do Futebol, ocorrerão outros semelhantes?

Marcelo Neves – Na realidade, a marca Athleta foi escolhida porque ela foi a fornecedora oficial da seleção brasileira desde 1958 até pouco antes da Copa do Mundo de 1978, isto é, por praticamente 20 anos.

Durante esse período, foram ganhas as três primeiras Copas pela seleção brasileira (1958, 1962 e 1970). Portanto, para se fazer uma “réplica original” era necessário se trabalhar com o mesmo fabricante que era utilizado na época, e não com a empresa que atualmente confecciona os uniformes para a seleção. A Nike, por exemplo, não existia quando o Brasil foi tricampeão mundial.

Por isso, decidimos fazer com a própria marca Athleta que, aproveitando o gancho, foi relançada no mercado esportivo, uma vez que ela estava praticamente fechada.

Portanto, esse é o porquê da escolha da Athleta. Para se ter uma camisa original da época, e não uma réplica. Isto é, chamamos esse produto que lançamos de uma “réplica original”. Não existe esse termo, mas é a realidade. Caso fosse feito com a atual empresa que fornece os artigos esportivos para a seleção nacional seria somente uma réplica.

Outro ponto interessante a ser colocado é que conseguimos a autorização da Athleta para fazermos as camisas das três primeiras Copas em que o Brasil foi campeão, porque ela era a fornecedora, e conseguimos a autorização da CBF para a utilização do escudo da CBD. Agora, gostaríamos da aprovação da CBF e da Umbro para fazer o mesmo processo com a camisa da Copa de 1994, e da autorização da Nike para fazer a da Copa de 2002.

A partir daí, faríamos eventos semelhantes a esse que realizamos no Museu do Futebol para o lançamento das camisas dos três primeiros títulos brasileiros em Copas do Mundo, sempre pensando em gerar receitas para os campeões.


O primeiro lote das camisas contou com mil unidades, cada uma no valor de R$ 1.050,00

Universidade do Futebol – Quando se fala em divisão igual do dinheiro arrecadado pela Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil entre todos os seus filiados, leva-se em consideração que atualmente os atletas recebem altos salários e grandes quantias em patrocínios e direitos de imagem?

Marcelo Neves – Os filiados à associação participam da divisão de tudo aquilo que é arrecadado por meio das nossas ações. Por exemplo, o Ronaldo não se filiou. Mesmo porque ele ainda está em atividade e, talvez, não possua a consciência do que seja a Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil, como ela funciona e a que ela se dedica.

Como filiados temos todos os jogadores das seleções de 1958, de 1962 e de 1970. Além desses, cerca de 98% dos atletas que atuaram na Copa de 1994 pelo Brasil também fazem parte do grupo. De 2002, há muito poucos: Cafú e Roque Júnior, e o Juninho Paulista pediu a sua filiação há pouco.

Na verdade, quando os campeões começam a pensar em parar de jogar, eles criam a consciência de entrar na associação. E todos possuem os mesmos direitos. Por exemplo, o Cafú. Se ele se filiou, caso entre dinheiro na entidade, ele receberá a mesma quantia que os demais filiados, por mais que ele tenha conseguido juntar bastante dinheiro durante a sua carreira como atleta.

No entanto, é importante lembrar que o tempo passa para todo mundo. O Dunga, que também é filiado, hoje é técnico da seleção brasileira. Mas daqui a 20 anos, não se sabe em que posição ou como ele estará de saúde e/ou financeiramente. Foi o que aconteceu com os atletas de 1958, 1962 e 1970. Há cerca de 40 anos atrás, talvez, esses jogadores não estivessem tão imbuídos em montarem uma associação como essa, porque eles ainda estavam em atividade, ou porque poderiam gerar recursos de outras maneiras.

O problema é quando o tempo passa. E eu acredito que a Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil foi feita exatamente para isso: garantir condições dignas para esses grandes heróis quando eles começam a cair no esquecimento.

Universidade do Futebol – Como funciona a estratégia de marketing de lançamento das réplicas das camisas utilizadas pela seleção brasileira nas três primeiras Copas em que se sagrou campeã? Por que elas foram colocadas à disposição a R$ 1.050,00 cada?

Marcelo Neves – Houve o lançamento dessas camisas em parceria com a Athleta, e haverá outra promoção, com o apoio da MasterCard, em postos de gasolina, na qual não será permitida a utilização do escudo da CBD. Nesse caso, os produtos serão mais baratos, e virão com o escudo a Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil.

As que são idênticas àquelas que foram utilizadas pelos jogadores brasileiros existem em número limitado de 200 para cada jogador. Isso justifica o valor cobrado. Se colocássemos a um preço baixo, não conseguiríamos praticamente nenhuma receita para os campeões, o que passaria a não ser interessante.

Obtive a autorização de um número limitado para cada jogador. Portanto, não houve outra saída que não a de estabelecer um valor alto para a compra do produto. O preço teve que ser alto para que se gere uma receita interessante para os campeões.

Além disso, temos que pensar na valorização desses personagens. Se fizermos uma comparação, atualmente, uma chuteira da Nike ou da Adidas custa cerca de R$ 700,00; uma camisa do Rogério Ceni (edição especial) é vendida por R$ 750,00. Tendo isso como comparativo, o valor cobrado por essas camisas da seleção é absolutamente normal.

Universidade do Futebol – Existe uma lei que determina que parte da renda de toda partida de futebol profissional disputada no Brasil seja revertida para o Fundo de Assistência ao Atleta Profissional. A Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil possui alguma ligação com esse fundo?

Marcelo Neves – Na realidade, esse fundo está ligado a outra entidade que se chama Associação de Garantia ao Atleta Profissional (Agap). No entanto, essa instituição cuida de atletas profissionais, diferentemente da Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil que não lida com jogadores que estejam em atividade.

Essa associação ligada ao Fundo de Assistência ao Atleta Profissional é comanda pelo Wilson Piazza, campeão da Copa do Mundo de 1970, e que é um dos filiados à Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil.

Ele conseguiu esse auxílio junto ao governo federal, mas a verba arrecadada é destinada somente para auxiliar os atletas que estão em atividade. Por exemplo: um jogador que esteja com 20 anos quebra uma perna e tem que ficar três anos sem jogar. Ele poderá usufruir desse benefício conseguido por meio da Agap. Até mesmo em casos de transferências turbulentas em que uma das partes impede o atleta de jogar e de treinar, ele também poderá recorrer a esse fundo.

Sendo assim, não existe nenhuma relação entre a associação que eu presido e esse fundo. Mesmo porque, se possuímos um apoio parecido com esse, nós e os campeões mundiais estaríamos em situação bem melhor.

Universidade do Futebol – Em entrevista a uma rádio, você afirmou que o seu pai recebe cerca de 30 correspondências por mês vindas do exterior. Esse contato acontece via associação? Qual é o intuito desses contatos?

Marcelo Neves – Esse tipo de ligação com o público de outros países acontece desde que ele parou de jogar.

Existe uma admiração muito grande do mundo inteiro pelo trabalho que ele realizou, principalmente da Europa, da região da antiga Tchecoslováquia, em que o meu pai jogou a final em 1962.

Outros que costumam enviar correspondências são fãs de países que eram comunistas, como a Polônia. Eles possuem um carinho muito grande pelo futebol brasileiro.

Além desses, um país que merece destaque na quantidade de cartas que envia e na admiração que possue pelo nosso futebol é a Suécia, onde a seleção brasileira foi campeã, em 1958.

O mais interessante em todo esse enredo é que esse tipo de contato acontece sem intervenção nenhuma da Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil. É uma iniciativa totalmente proveniente desses fãs, de pessoas que gostam de futebol e que estão espalhadas pelo planeta.

A situação é tão impressionante que existe um mercado de autógrafos. Já ouvi comentarem que cada autógrafo (assinatura em uma foto), na Europa e na Ásia, é vendido a 300 euros. Ou seja, existe um enorme mercado de colecionadores e associações de colecionadores que são ávidos por isso.

No entanto, apesar do meu pai receber correspondências de fãs com frequência, nenhuma delas é do Brasil. Isso é impressionante e demonstra uma enorme falta de cultura, apesar de sermos chamados de “o país do futebol”.

Universidade do Futebol – Existe um reconhecimento muito maior dos campeões mundiais brasileiros lá fora do que dentro do seu próprio país?

Marcelo Neves –
Com certeza absoluta que sim. Em 2006, fui para Munique, representando o meu pai, pois ele não pôde ir, uma vez que está em uma cadeira de rodas. Os campeões mundiais que estavam comigo não conseguiam sair do hotel, porque havia muitos fãs a sua espera.

Tentei sair do hotel, pensando que ninguém me reconheceria, já que eu sou filho de um campeão do mundo. Porém, quando sai, mais de 30 pessoas me circundaram com um monte de coisas do meu pai para que autografasse. Vi coisas do meu pai que nunca havia visto no Brasil: fotos, imagens, bonecos, etc.

Portanto, o reconhecimento, infelizmente, é muito maior lá fora do que dentro do Brasil. Esses campeões são o que nós poderíamos comparar com o Michael Jordan ou o Magic Johnson para a NBA. São gênios. Mas aqui, o imediatismo é enorme, só se olha para os jogadores que estão em campo atualmente e ponto.

É triste, mas é uma questão cultural: o brasileiro não tem memória para nada. Vide os exemplos da política do país, em que reelegemos candidatos que foram presos e que roubaram quando ocupavam cargos públicos.

É um completo absurdo, e acredito que isso se estenda para o futebol e para outros esportes também. As pessoas não se envolvem. Se pedirmos para um garoto falar sobre o Ayrton Senna, ele pouco saberá o que dizer. Arrisco ainda em dizer que talvez não saiba nem comentar sobre o Guga. Em breve, ele também será esquecido. Somos um país que não luta para que os ídolos nacionais perdurem, para que seja mantido vivo o orgulho por uma pessoa que foi tricampeã do mundo de Fórmula 1 ou que foi tricampeão de Roland Garros.

Em outros países, feitos como esses são reconhecidos eternamente. No Brasil, coisas relevantes como as citadas caem no esquecimento. Prefere-se comentar se o Ronaldo “Fenômeno” engordou ou não. Baseia-se muito no que dá mais polêmica, no sensacionalismo.

Já que somos chamados de “país do futebol”, de “pátria de chuteiras”, haveria de existir uma matéria para que se falasse sobre a modalidade. Os brasileiros devem saber sobre futebol, não as pessoas do exterior. Se questionarmos para jovens de 20 anos, muito poucos saberão dizer quem eram os atletas que formavam as seleções brasileiras campeãs do mundo. Até mesmo alguns jogadores que estão na seleção não sabem essa resposta.

Na minha opinião, esse tipo de postura dos brasileiros é, desculpe-me a palavra, total ignorância de um país, de um povo. Isso não acontece em nenhum país da Europa, por exemplo.

O Mazzola, que jogou uma Copa pelo Brasil, em 1958, e outra pela seleção italiana, em 1962 (o único jogador que atuou em Copas por seleções diferentes), mora na Itália e comenta sobre esse assunto. Ele afirma que é mais reconhecido lá do que aqui, sendo que, com a seleção brasileira, ele foi campeão. O Di Stéfano, no Real Madrid, é tratado como se fosse um Deus. Isso é cultural.

Universidade do Futebol – Ainda nessa questão, não seria interessante que a associação tivesse um site em português, inglês e espanhol, uma vez que pessoas do mundo inteiro são fãs dos nossos campeões mundiais?

Marcelo Neves – Possuímos um site em português. O nosso grande problema são os custos. Como comentei, a Associação de Campeões Mundiais de Futebol do Brasil não possui receita, e qualquer tipo de serviço gera custos.

Para fazermos a tradução do site para o inglês, para o espanhol, para o italiano, preciso de dinheiro para conseguir bancar esse serviço. E tudo dentro de uma associação é auditável.

Por isso, para que isso ocorra, preciso da ajuda de alguém que se disponha a traduzir o site para outro idioma sem cobrar nada. Caso contrário, não há como realizarmos essa tarefa, pois não possuímos a ajuda de ninguém.


Em 2014, o Brasil voltará a ser sede da Copa do Mundo, 64 anos após a edição em que o país foi derrotado, na final, pelo Uruguai
Universidade do Futebol – Na sua visão, como filho de um campeão mundial e presidente da Associação dos Campeões Mundiais de Futebol do Brasil, quais são os benefícios que a Copa de 2014 poderá trazer para a memória do futebol brasileiro e dos seus campeões?

Marcelo Neves – Esse evento será extremamente importante, uma vez que a última Copa do Mundo realizada no Brasil aconteceu em 1950, quando o país nunca havia sido campeão do mundo.

Sendo assim, é óbvio que, de alguma maneira, os jogadores que se sagraram campeões pela seleção brasileira serão relembrados. Mas, em parte, isso também me deixa chateado, pois quando é época de Copa do Mundo, todos são trazidos à tona. Contudo, após o final da competição entre seleções, ninguém mais os ajuda e os utiliza para nada. Esse é o grande problema do Brasil.

Acredito que nos próximos quatro anos, por conta da Copa de 2014 estar programada para acontecer no Brasil, os campeões mundiais terão uma oportunidade muito grande de reintroduzirem-se no mercado, o que me deixa muito satisfeito por eles, visto que é uma chance única, e não sabemos quanto tempo vai demorar para que o país volte a ser sede desse evento entre seleções.

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Benê Lima