Os objetivos e as propostas pedagógicas da Educação Física foram se modificando ao longo dos anos. Hoje, o que vemos, é que diferentes concepções foram adotadas desde o surgimento dessa disciplina na escola. As concepções da educação física no seu início no Brasil passaram do chamado higienismo e militarismo, para a concepção esportivista relacionando este aos interesses militares da década de 60 e 70 (DARIDO e RANGEL, 2005; PACHECO NETO et al. 2008).
Na década de 70 a ênfase da Educação Física ainda permanecia na aptidão física do aluno, nos movimentos sistematizados e na avaliação quantitativa. Neste período, a principal finalidade do esporte era a de preparar a juventude para a defesa da nação e a busca de novos talentos esportivos nacionais para representarem o Brasil internacionalmente (BRASIL, 1997).
O debate e o aumento do número de publicações a respeito do esporte como fenômeno social teve início efetivamente na década de 80 no Brasil - isso levou os profissionais da educação física a repensarem a metodologia de ensino da disciplina no âmbito escolar.
Assim, novas abordagens pedagógicas foram construídas pela educação física na tentativa de romper com o modelo esportivista vigente na época. Entre essas abordagens destacam-se a psicomotricidade, desenvolvimentista, construtivista-interacionista, crítico-superadora, crítico-emancipatória, saúde renovada e, mais recente, os parâmetros curriculares nacionais (DARIDO e RANGEL, 2005).
O novo enfoque da educação física questionava seu papel e sua dimensão política e se estendeu além da área biológica para a valorização das dimensões psicológicas, sociais, cognitivas e afetivas, concebendo o aluno como ser humano integral (BRASIL, 1997).
Percebe-se, portanto, que o processo de ensino aprendizagem da educação física escolar atual, independente da abordagem pedagógica escolhida, deve levar em conta as características dos alunos em todas as suas dimensões (cognitiva, corporal, motora, afetiva, ética, estética, social e relação interpessoal) e dar oportunidades a todos para que desenvolvam suas potencialidades, de forma democrática e não seletiva, visando seu aprimoramento como seres humanos (BRASIL, 1997; RAVAGNANI, 2008).
Neste contexto, Darido e Rangel (2005) afirmam que o conteúdo esporte aparece como possibilidade didática valiosa para atingir esse fim, por ser uma das manifestações corporais preferidas entre as crianças e os adolescentes.
O esporte existe há muito tempo na sociedade. Na Grécia antiga, a maioria das competições estavam ligadas ao atletismo, provas individuais que envolviam movimentos básicos do ser humano, como correr, saltar, lançar dentre outros.
Quanto aos esportes coletivos, existem poucos relatos nas civilizações mais antigas. No entanto, há um registro de que na China, há 2600 a.C, existia um esporte semelhante ao futebol chamado “KEMARI”. A peculiaridade desse esporte coletivo era a bola de 22 centímetros confeccionada de cabelos e crinas de animais (DUARTE, 2005).
O esporte é efetivamente um dos fenômenos sócio-culturais mais importantes neste início do século. Caracteriza-se dentre outros aspectos, por sua pluralidade, uma vez que a cada dia surgem novos significados para sua prática.
Particularmente, os esportes coletivos como o futebol, handebol, voleibol e outros definidos como “modalidades esportivas que exigem a coordenação das ações de duas ou mais pessoas” são os que mais despertam interesse da população, talvez justamente pelo fato de ser praticado em grupo, o que segundo Darido e Rangel (2005) reforça a necessidade humana de socialização.
Diferenciarmos o esporte educacional do esporte rendimento é o primeiro passo para traçarmos objetivos pedagógicos com a sua prática. De acordo com Tubino (2000), “o esporte educação é aquele que deve ser praticado nas escolas de forma não sistematizada, evitando a seletividade, a hipercompetitividade e tendo como objetivo alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e sua formação para o exercício da cidadania”. Já “o esporte rendimento visa o êxito a vitória sendo muitas vezes antidemocrático” e, portanto pouco útil no contexto escolar (DARIDO e RANGEL, 2005).
Assim, a finalidade dos esportes na escola deve ser educativa e construtivista. Por meio deles, permite-se não apenas a prática do movimento, mas a discussão e reflexão de temas emergentes da educação. Nesse contexto, o esporte deve ser adaptado ao grupo de alunos, onde regras, situações e objetivos podem ser discutidos e transformados.
No texto a seguir discutirei brevemente uma proposta de ações voltada ao ensino do esporte na dimensão educacional. Não pretendo com este texto oferecer “receita pronta”, mas uma maneira prática de trabalhar pedagogicamente a modalidade esportiva futebol.
Aspectos metodológicos do ensino-aprendizagem do futebol
Partindo do princípio da existência de várias metodologias de ensino-aprendizagem do futebol, irei fazer uma tentativa de descrever uma delas, baseado na literatura, na minha experiência prática e na ampla reflexão sobre o assunto.
Em primeiro lugar é importante entendermos o futebol como um esporte coletivo e, portanto, seu ensino não deve ser a partir de práticas específicas somente, mas também de práticas oriundas de outras modalidades esportivas que corroboram alguma relação no que se refere a gestos e regras.
A grande crítica que faço é que a maioria das propostas metodológicas de ensino fragmenta o esporte dissociando principalmente o ensino dos componentes técnico e tático.
Concordo com Rezer (2003) ao afirmar que “os aspectos técnicos, táticos, históricos e culturais de uma modalidade esportiva não podem ser descontextualizados, sendo interpretados como peças, que somadas compõem o jogo”.
Assim, a preocupação com o ensino-aprendizagem do futebol deve se estender além dos conteúdos específicos da modalidade, ou seja, preocupar-se também com o contexto sócio-político em que o esporte está inserido.
Darido e Rangel (2005) nos dá um exemplo de como incluir esse contexto na metodologia de ensino da educação física escolar. Seria discutir elementos como o mercantilismo do esporte, a violência das torcidas organizadas, dos jogadores em campo, a discriminação dos negros e da mulher entre outras discussões.
É importante ressaltar que apesar do ensino do esporte na escola não se restringir apenas á gestos mecânicos, o aprendizado e aprimoramento dos componentes técnicos e táticos é fundamental à prática das modalidades.
Rezer (2003) propõe uma sistematização do ensino dos jogos coletivos a partir da indissociabilidade entre técnica, tática e sistemas de jogo colocando as regras de forma paralela a esses elementos.
Embora alguns autores dividam o ensino desses elementos baseando-se nos estágios de crescimento e desenvolvimento dos alunos, ou seja, na idade biológica e cronológica, esse artigo vai mostrar a construção de situações de ensino-aprendizagem no futebol, baseada no entendimento de Garganta e Pinto (1995), que propõem uma sequência de aprendizado, levando em consideração aquilo que o praticante já conhece e o que ele é capaz de fazer.
Nesse sentido, alguns autores propõem o ensino dos esportes coletivos baseado em “Fases”.
Na primeira fase de ensino, entendemos que os alunos devem trabalhar adaptação à bola e ao terreno de jogo, através da exploração de suas potencialidades. Isso configura a relação jogador-bola. Nessa fase podem ser iniciados alguns fundamentos básicos do futebol que devem ser trabalhados de forma lúdica e recreacionais evitando a sistematização. (fundamentos básicos do futebol: recepção, condução, chute...).
Na segunda fase de ensino, ocorre o momento de construção de alvos e objetivos. Nessa fase, o aluno utiliza o aprendizado da primeira fase e aprende a perceber que em determinados momentos se torna importante o ato de lateralizar ou atrasar o jogo, fixando também os colegas como alvo para alcançar o objetivo do jogo (o gol). Aí se materializa a relação jogador–bola-colega. Nesse momento, é dada mais ênfase aos fundamentos básicos e deve ser iniciado o aprendizado dos fundamentos derivados em forma de jogos adaptados (fundamentos derivados do futebol: cruzamento, lançamento, pênalti e escanteio...).
A terceira fase de ensino ocorre através de situações de jogo 1x1 (um contra um), no plano ofensivo. Essa situação amplia a percepção do jogador, pois desenvolve a capacidade de conquista e de manutenção de posse de bola, bem como situações de conflito. No plano defensivo, adquire discernimento mais concreto do jogo, desenvolvendo as atitudes de marcação, que vão da individual até a marcação por zona. Nesse momento, percebemos a relação: jogador-bola–colega-oponente.
Então, são aperfeiçoados os fundamentos básicos e derivados do futebol e iniciados os fundamentos específicos (fundamentos específicos do futebol são as posições táticas dos jogadores, suas funções e características próprias). Dentre os componentes específicos, estão goleiro, lateral, alas, líbero médio volante, meio-campista e atacante.
Na quarta fase de ensino ocorre o amadurecimento no que se refere a combinações e ações coletivas de ataque e defesa, propiciando jogadas de aproximação no ataque e marcação em forma de bloco na defesa, a partir de situações de 2x2 e 3x3, sucessivamente. Nesse momento, percebemos a relação: jogador–bola-grupo de colegas oponente. Nessa fase, as atividades desenvolvidas podem ser trabalhadas em forma de jogos adaptados e pequenos jogos, sempre tentando manter um ambiente agradável para o aluno.
Na quinta fase de ensino o jogo adquire um caráter formal, onde através de situações de 11x11 (futebol de campo) o aluno trabalha a soluções de problemas muito próximos do mundo adulto. Materializa-se, então, a relação jogador–bola–grupo de colegas–grupo de oponentes, ou seja, a concepção adulta do jogo.
Scaglia (1996) ressalta que o aprendizado dos fundamentos não tem um fim, ou seja, os fundamentos do futebol são um meio para a aquisição e ampliação do vocabulário motor dos alunos.
Para tanto, segundo Freire (1998) e Scaglia (1996), todas as aulas devem ser estruturadas de acordo com o seu objetivo, por exemplo: recepção, passe, cobrança de falta e outros. Esse conteúdo de aula pode ser organizado de acordo com o seguinte desenvolvimento de aula: parte inicial, segunda parte, terceira parte, quarta parte e quinta parte.
A parte inicial consiste na utilização de uma conversa inicial com os alunos sobre a aula que será ministrada e suas expectativas sobre a mesma. A segunda parte consiste na utilização de atividade lúdicas e recreacionais, para aquecimento dos alunos. Na terceira parte são utilizados exercícios em forma de jogos adaptados ou em alguns momentos gestos sistematizados, tudo para atingir o objetivo principal da aula. Nesse momento da aula devem ser introduzidos os fundamentos básicos, derivados, ou específicos da modalidade de acordo com a aptidão, fase de desenvolvimento ou a faixa etária dos alunos.
Na quarta parte são desenvolvidas atividades em forma de jogos adaptados e o jogo formal. Na quinta parte é utilizada uma conversa final conduzida pelo professor sobre os principais acontecimentos da aula. Nesse momento privilegiado deve ser trabalhado os ajustes específicos da modalidade e os componentes educacionais.
Baseado nesses pressupostos teóricos do esporte educacional, coordenei alguns projetos nessa área. Um desses projetos era denominado “ESCOLA DA FAMÍLIA”, que promovia atividades esportivas, culturais e de lazer. O “ESCOLA DA FAMÍLIA” abria as portas das escolas estaduais ao fins de semana para atender a população local: isso proporcionou resultados significativos, como por exemplo a redução da depredação da escola. Atribuo esse resultado à mudança comportamental dos alunos que o frequentavam.
Em outro projeto intitulado “Iniciação esportiva na comunidade” proporcionávamos a crianças e adolescentes de comunidades carentes vivências de várias modalidades esportivas, seguindo como referencial os princípios do esporte educacional propostos pelo INDESP, ou seja, co-educação, totalidade, emancipação, participação e regionalismo (RAVAGNANI, 2009).
Por fim, acredito que o conteúdo esportivo esteja assumindo uma nova coloração nos programas de educação física escolar no Brasil, embora o modelo esportivista ainda esteja bastante presente na sociedade e na escola.
Diante da leitura e de algumas experiências próprias, posso concluir que o esporte, em sua dimensão educacional, não deve ser objeto único de ensino da educação física escolar, mas aparecer como uma possibilidade educacional privilegiada por ser pautado em princípios indispensáveis para o desenvolvimento da cidadania dos alunos.
Bibliografia
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais (PCN): Educação Física / MEC / SEF, 1998.
DARIDO, SC. ; RANGEL, I.C.A. Educação física na escola: Implicações para a prática pedagógica. Guanabara Koogan, 2005.
DUART, O. Futebol regras e comentários. SENAC, São Paulo, 2005.
GOLIN, CH.; NETO, M.P.; MOREIRA, W.W. Educação física e motricidade: Discutindo saberes e intervenções. Seriema Indústria Gráfica e editora, 2008.
GARGANTA, J. Reflexão-contributo para a abordagem do Futebol na escola. Horizonte, 1985.
KUNZ, E. Didática da educação física: Futebol. 2º ed. Unijui, 2005.
FREIRE, JB. Pedagogia do futebol. Ney Pereira, Londrina, 1998.
RAVAGNANI, FCP. Relato de experiência: 2º Festival de mini-futebol da Universidade Católica Dom Bosco 2008.
[http://cidadedofutebol.uol.com.br/cidade07/], 2008.
RAVAGNANI, FCP. Origem, evolução e atualidade do futebol no cenário mundial.[http://cidadedofutebol.uol.com.br/cidade07/], 2009.
REZER, R. A prática pedagógica em escolinhas de futebol/futsal – possíveis perspectivas de superação. Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação Física na Área de Teoria e Prática Pedagógica em Educação Física do Programa de Mestrado em Educação Física do Centro de Desportos na Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis-SC, 2003.
SEAGLIA, A.J. Escolinha de futebol uma questão pedagógica. Rev. Motriz, v. 2, n.1, junho, 1996.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por seu comentário.
Em breve ele será moderado.
Benê Lima