Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, outubro 14, 2009

Especial: Guus Hiddink, treinador da seleção russa
"Se ele disser que a bola é oval, seus jogadores vão acreditar..."
Equipe Universidade do Futebol
Quando Guus Hiddink toma o controle de uma seleção, seja ela alemã, coreana ou australiana, sempre tira o melhor dos atletas. Um de seus últimos feitos foi catapultar a Rússia à semifinal da última edição da Eurocopa, principal torneio entre países do Velho Continente.

Meses antes, a maioria dos russos tinha pouca esperança de classificação para a competição, sobretudo depois de a seleção comandada por Hiddink ter perdido por 2 a 1 para Israel. A vaga só veio porque a Croácia, que já estava garantida na Euro-08, superou a Inglaterra em Wembley na última rodada – os donos da casa precisavam somar apenas um ponto.

Até 1991, os jogadores de futebol russos jogavam pela União Soviética (URSS). Os anos seguintes não foram de sucesso para o novo time da Rússia. Eles se classificaram duas vezes para a Copa do Mundo e outras duas para a Eurocopa, mas nunca sobreviveram à fase de grupos nessas competições.

Em 2006, então treinador da Austrália, Guus Hiddink, foi contratado para comandar a Rússia (com Igor Kornejev como assistente), com a proposta de trazer de volta o futebol brilhante do passado.

Pouco tempo atrás, Hiddink conversou com o violonista alemão e maestro Jaap van Zweden. O treinador queria saber como ele ensaiava com as suas orquestras. Van Zweden contou que praticava não porque ele era obrigado, mas sim porque queria melhorar a habilidade dos seus músicos. Eles tinham de tocar como uma orquestra mais do que como instrumentistas solo. Essa lição Hiddink aprendeu.

A parceria entre a Universidade do Futebol e a Soccer Coaching Internationalpossibilitou a apresentação desse material exclusivo à comunidade do futebol brasileira.



Do De Graafschap para o mundo: triunfos na Holanda, na Turquia e na Espanha

Mudança de percepção

Quando Hiddink começou a trabalhar com o elenco russo, notou que os seus jogadores, nos clubes, treinavam por treinar.

Hiddink queria mudar essa mentalidade. Ele treinava um futebol estruturalmente ofensivo e, mais do que tudo, queria que seus atletas se divertissem durante os trabalhos. Técnicos na Rússia são autoritários, logo, os jogadores russos não estavam acostumados com a aproximação de Hiddink, de colocar todos no mesmo nível.

No primeiro treino com Hiddink no comando, os atletas realizaram malabarismos com a bola. O primeiro que a deixasse cair teria que se inclinar e os outros jogadores poderiam chutar a bola mirando nas suas costas. Os sisudos russos deram boas risadas. O gelo estava quebrado, exatamente como Hiddink queria.

Uma vez Hiddink foi de bicicleta do hotel até o centro de treinamento. O time foi de ônibus. Em alguma parte do caminho, o veículo aproximou-se do treinador, que estava pedalando no meio da estrada, fechando o caminho. O comandante levantou o dedo do meio para o ônibus, o que, novamente, criou um momento hilário para os jogadores. Dessa maneira, Hiddink mostrou que ele é somente um homem com quem você pode se divertir.



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Eliminando possíveis “assassinos”

Outra marca registrada do sucesso na maneira de lidar de Hiddink é eliminar os possíveis “assassinos”. A hierarquia é alcançada, jogadores que abalam a atmosfera e são selecionados baseados em “status” têm que lutar por suas posições no time. “Você é selecionado baseado em sua qualidade”, avisou o comandante.

A seleção tradicional tinha que dar 100% para ser selecionada. Para Alexei Smertin, do Fullham, e Aleksandr Kerzakhov, do Sevilla, que não vinham bem em suas equipes, isso fechou as portas no time de Hiddink: “Se você não jogar no clube, não será selecionado”.

Mas Hiddink é suficientemente realista para dar a seus jogadores sempre uma segunda chance. Esse foi o caso de Sergei Semak, de 32 anos de idade.

Semak não jogara nenhum minuto pelo time nacional nos dois anos anteriores. Mas fez uma grande temporada com seu clube, o Rubin Kazan, e em consequência disso disputou todos os 497 minutos da Euro-08 como capitão da seleção.

“Todos os dias ele mostra que tomamos a decisão correta e que ele merece”, disse o técnico assistente, Igor Komeev, revelando que o treinador traz confiança e crê nas qualidades de seus atletas.

Hiddink afasta a pressão da mídia, mas por trás, na intimidade, exige muito do elenco. “Hiddink poderia dizer a seus jogadores que a bola é oval e, de certa maneira, eles acreditariam realmente nisso”. O comandante ganhou o aval do grupo de tal maneira que eles estão dispostos a fazer quase tudo por ele.

Esquadrão jovem

A esquadra russa era a mais jovem seleção na Eurocopa de 2008, com média de 25,7 anos. Hiddink priorizou os talentos mais novos em vez das opções de veteranos em várias posições. Por exemplo: o goleiro Igor Akinfeev (08/04/1986) foi o número 1 no torneio, mas durante uma licença de seis meses por um lesão, Vyacheslav Malafeev (04/03/1979) e Vladimir Gabulov (19/10/1983) provaram ser substitutos capazes.

Aleksandr Anyukov foi chamado quando Hiddink trocou a usual formação 3-5-2 para uma defesa com quatro homens, embora eles também pudessem se movimentar como defensores no lado direito do meio-campo. O zagueiro central Denis Kolodin, entretanto, sobressaiu-se quando substituía colegas lesionados ou suspensos.

Um meio-campo compacto provou ser vital no auxílio aos três zagueiros que seguraram os gols e a Rússia sofreu só sete durante a qualificação – quatro deles contra a Inglaterra. Igor Semshov e Konstantin Zyrianov – aos 30 anos, o mais velho membro do esquadrão de Hiddink e da seleção russa em 2007 – fizeram o papel de âncoras, enquanto Diniyar Bilyaletdinov, Vladimir Bystrov, Ivan Saenko, Dmitri Torbinskly e, especialmente, Yuri Zhirkov ofereciam perigo no ataque.

Enquanto a Rússia ostentava um quinto jogador de meio-campo no papel, na prática havia frequentemente um sexto homem nessa região, com o atacante “estrela” Andrei Arshavin, que foi suspenso nos dois primeiros jogos da Eurocopa, vindo de trás, acompanhado por Roman Pavlyuchenko e Dmitri Sychev.

O nível de sucesso do time nacional tornou-se progressivamente crescente na medida em que seus jogadores conseguiam produzir algo especial ou imprevisível no terço final das partidas.



Semifinalista da Liga dos Campeões e campeão da FA Cup, Hiddink resgatou o espírito vitorioso do Chelsea na temporada passada

Moral

Hiddink possui uma estranha capacidade de cativar e conquistar a simpatia dos seus jogadores. Antes da Copa do Mundo de 2002, ele encorajou os atletas coreanos dizendo que eles surpreenderiam o mundo. Quando a seleção coreana avançou para as quartas-de-final, o técnico impulsionou os jogadores moralmente com criativas figuras de linguagem como “Eu tenho fome demais”. Ele utilizou tática semelhante com a Rússia.

Físico

Quando Hiddink treinou o time coreano, ele disse a Lee Yong-soo, que era o diretor do comitê-técnico da Associação de Futebol da Coréia do Sul, que o maior problema do time era a falta de força nos fundamentos físicos. Quando Lee argumentou que a força da Coréia baseava-se em sólidos fundamentos físicos e determinação, o técnico discordou.

Lee, no entanto, teve que engolir suas palavras quando o treinador mostrou-lhe um vídeo no qual os jogadores começavam a cansar dez minutos após o início do jogo. Isso levou o foco para o fortalecimento físico, algo que ajudou a Coréia do Sul nas quartas-de-final daquela Copa do Mundo.

Hiddink disse que construir fundamentos físicos fortes é o ponto inicial do treinamento de futebol. Por essa razão, ele levou o time russo a um campo de exercício na Alemanha, do final de maio até o início da Euro-08, para implementar o programa de “treino de força” utilizado na Coréia do Sul. O trabalho acontecia duas vezes por dia, alternando a cada três dias entre “intensivo” e “menos intensivo”.

Estratégia alemã de Hiddink

Hiddink é conhecido pelo mundo como “o rei da estratégia e tática”, e ele reforçou esse título com o desempenho da Rússia. A partir do momento em que se tornou técnico do time nacional, tentou criar uma filosofia alemã de futebol.

A nova formação de Hiddink consistia em três jogadores de defesa e sete outros que podiam ter tarefas mais ofensivas, mesmo em partidas fora de casa. “Aquela é minha filosofia de futebol. Mesmo após nós empatarmos em casa com Israel, eu não iria mudar nossa tática. Eu não iria tornar as coisas mais defensivas. O time tinha de desenvolver seu próprio estilo, e eu via isso como mais ofensivo. Quando nós nos reunimos para o confronto seguinte, eu tinha que checar se nossos jogadores mais talentosos podiam ter atenção à disciplina do time quando estavam sem a bola, o que nem todos os criativos podem fazer”.

Sistemas

Hiddink joga no esquema com três zagueiros, muito similar em estilo à maneira que Terry Venables levou a seleção inglesa ao título da Eurocopa de 1996. A Rússia jogava com quatro zagueiros, mas quando um deles avançava, a defesa compunha-se com três homens. O sistema todo é muito flexível, e a movimentação foi provavelmente a melhor de todos os times no torneio.

Hiddink demoliu os mitos do futebol nesse torneio, porque, em dois anos, ele radicalizou um grupo de jogadores, recusando a ideia de que o melhor que um técnico pode fazer é melhorar o que ele recebe em vez de pegar um material cru e refiná-lo. Hiddink levou dois anos na Rússia e construiu um time que pode jogar de cinco maneiras diferentes em uma única competição.

Confronto com a Holanda*

Antes da partida, Hiddink assinalou a lateral esquerda da Holanda como a principal ameaça. Tendo visto como Wesley Sneijder se ligava ao ala Giovanni van Bronckhorst e como os dois combinavam com Rafael van der Vaart para dar à Itália e à França todo tipo de angústia, o técnico trabalhou as maneiras de evitar essa mesma situação.

Para Ivan Saenko, um jogador tático, foi pedido para rechaçar Van Bronckhorst e marcar Sneijder quando a Holanda estivesse com a bola. Ajudado pelo armador Sergei Semak e pelo zagueiro Aleksandr Anyukov, Saenko desempenhou sua tarefa brilhantemente. Van Bronckhorst dificilmente cruzou o meio-campo nos primeiros 45 minutos e Sneijder ficou restrito a pegar chutões.

O plano foi sumariamente paralisado quando Sneijder e Dirk Kuyt trocaram de lado, e a ordem foi restabelecida com a entrada de Robin van Persie. Hiddink estava preparado para isso também. Ele disse a Konstantin Zyryanov para permanecer bem próximo – uma instrução que o jogador do Zenit St Petersburg levou ao extremo. Quando Van Persie caminhava em campo, Zyryanov o seguia. O homem do Arsenal tinha dificuldade até para respirar.

*Nota da redação: a partida entre Rússia e Holanda foi disputada no dia 21 de junho de 2008, pelas quartas-de-final da Eurocopa daquele ano. Na ocasião, a Holanda vinha sendo a sensação do torneio depois de se classificar em primeiro lugar em uma chave que tinha Itália, França e Romênia.

Os russos saíram na frente com um gol de Roman Pavlyuchenko aos 11 minutos da etapa final. No entanto, a Holanda chegou ao empate a quatro minutos do fim do segundo tempo, com um gol de Ruud van Nistelrooy.

O jogo foi decidido no segundo tempo da prorrogação. Aos sete minutos, Dmitri Torbinski colocou a Rússia na frente do placar novamente. Arshavin também marcou, a cinco minutos do fim, estabelecendo o placar final de 3 a 1 para os russos e garantindo a classificação para a semifinal, que foi disputada contra a seleção espanhola (campeã da Eurocopa-08).




Semifinalista da Copa do Mundo com a Coréia do Sul, Hiddink provou que "fraqueza" da equipe estava na parte física


Chaves do sucesso

Hiddink é largamente conhecido como um gênio tático, mas seus métodos preparatórios são simples. Eles giram em torno de sangue, suor e lágrimas, e aqueles que não podem ou não aceitam isso, não são bem-vindos.

“Se você quer ser competitivo nesse torneio difícil, deve estar no topo da sua forma física”, disse Hiddink. “Isso significa que você deve sofrer e investir um pouco além no seu corpo e na sua mente do que os jogadores fazem. Foi muito intenso”.

As palavras-chave de Hiddink (e talvez ainda) seus segredos para o sucesso são:

- forma física;
- se ater a altos níveis de forma física, permitindo ao time executar alta pressão sobre seus oponentes durante toda a partida;
- defender como um time;
- máxima pressão;
- pressionar o oponente a jogar com passes longos, permitindo a Hiddink retirar o máximo dos seus zagueiros centrais;
- contra-ataques rápidos
- passes rápidos

Proposta genérica de treino

O último exercício é executado com bolas rápidas e controladas pelos jogadores. As primeiras partidas dos russos nesse torneio nos mostraram que eles eram capazes de atuar em alta velocidade. Eles também nos mostraram um bom posicionamento.

Goleiros russos 1

Organização
- 3 goleiros
- 2 técnicos

Progressão
- Técnico A alça a bola no ar, a qual o goleiro C tem que agarrar antes que toque no chão
- Quando o goleiro C controlar a bola, ele tem que voltar o mais rápido que puder, porque o técnico B irá tentar jogar outra bola por cobertura. O goleiro tem que tirá-la sobre o travessão
- Depois disso, os goleiros mudam de posição

Goleiros russos 2

Organização
- 3 goleiros
- 2 técnicos

Progressão
- Goleiro C começa encostado na trave
- Quando for dado o sinal, ele tem que correr em velocidade até o técnico A, depois voltar até o meio do gol
- Técnico B irá chutar uma bola ao gol em direção à trave oposta a de largada
- O goleiro tem que defendê-la
- Depois de feita a defesa, o próximo goleiro começará da mesma trave que começou o outro goleiro

Finalização russa

Organização
- 3 goleiros
- no mínimo, seis jogadores
- 6 cones

Progressão
- Cones são alocados como ilustração
- A começa passando a bola para B
- B retorna a bola para A, que passa para C
- C levanta alto a bola, e B consegue finalizá-la a gol
- Depois de finalizar a gol, B fica no lugar de C e A fica no lugar de B
- Jogador C irá pegar a bola e levá-la para a linha de fundo
- Depois que B tiver chutado a gol, o mesmo exercício acontece do lado esquerdo do goleiro

Variação
- Limitar o número de toques na bola
- Mudar as distâncias dos cones

Próximos desafios

“O desafio para o futebol russo é estabelecer-se e recuperar sua posição no cenário europeu e internacional”, disse Hiddink. “Isso não é só para mim. O desafio para a Rússia é utilizar o momento que ativamos para melhorar a infraestrutura no país”.

Nota da redação: no útimo sábado (10/10/09), a seleção russa foi derrotada pela Alemanha pelo placar de 1 a 0, em partida válida pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. Com isso, a Rússia terá que participar da repescagem para tentar assegurar vaga no Mundial.

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Benê Lima