Profissional fala de sua relação com o futebol, da expressão artística no jogo e da obsessão por NeymarBruno CamarãoNuno Ramos nasceu em um período áureo da história do Santos Futebol Clube. Mas se considera uma espécie de “vítima”. Aos três anos de idade, ainda não tinha a clara percepção do que representavam os títulos mundiais conquistados pela geração comandada por Pelé. Viveu intensamente alguns triunfos estaduais, mas somente com Diego, Robinho e Cia., já nos anos 2000, voltou a brindar grandes conquistas do seu time do coração.
Não que o gargalo de troféus alvinegro tivesse minimizado a relação do artista plástico com o jogo de bola. Muito pelo contrário. Nuno sempre gostou de atuar. E de assistir a grandes representantes da modalidade, como Pelé, Tostão e mais recentemente Ronaldo. Agora, o olhar é voltado para Neymar.
“O futebol tem uma dinâmica entre alguma coisa indefinida e algo definido, que é o resultado. E o que é legal no futebol, e nisso ele se aproxima da arte, tem algo de artístico, é que o resultado não dá conta de tudo, é deficitário. Isso muito mais do que em qualquer outro esporte”, avalia Nuno.
Formado em filosofia pela Universidade de São Paulo, ele é pintor, desenhista, escultor, escritor, cineasta, cenógrafo e compositor. Começou a pintar em 1984, quando passou a fazer parte do grupo de artistas do ateliê Casa 7. De lá para cá, tem exposto regularmente no Brasil e no exterior.
Além de ter participado da Bienal de Veneza de 1995, onde foi o artista representante do pavilhão brasileiro, e das Bienais Internacionais de São Paulo de 1985, 1989, 1994 e 2010, Nuno recebeu em 2006, pelo conjunto da obra, o Grant Award da Barnett and Annalee Newman Foundation.
Polivalente e talentoso, Nuno nem de longe pode ser comparado com aquele defensor grosso, de movimentos duros e paulatinos, cuja sistemática do jogo se faz dentro de um nível de competência limitado. Se o paralelo de suas ações fosse dentro do campo, ele provavelmente seria aquele que deixa quase de valer as regras. E cria um novo conceito.
“Um grande artista, com ‘A’ maiúsculo, e não estou dizendo que eu faça isso, reengrendra coisas básicas. Ele te mostra de um ponto de vista que você não conhecia. Faz ressurgir coisas que tinham sido deixadas para trás. Um artista de verdade faz isso com a cultura. E te faz entender novas coisas”, enumera.
“Um jogador, de outra forma, muito mais ligado ao corpo, faz isso também. Você entende a passada, a relação da bola com o corpo, o modo de abrir a defesa, o contrapé, como enxerga a posição do zagueiro, etc., e você passa a enxergar de outro jeito”, acrescenta Nuno, citando Neymar, a jóia santista que parece estar apresentando ao público um novo invento a cada lance.
Nesta entrevista concedida à Universidade do Futebol, um dos maiores artistas da contemporaneidade fala mais sobre sua relação com o futebol, a repercussão do artigo “Depois do 4 x 0”, publicado na Revista Piauí e por que não podemos confundir o Barcelona essencialmente com o próprio futebol.
Universidade do Futebol – De que maneira foi construída a sua relação com o futebol?
Nuno Ramos – Ela é bem comum. Eu costumava passar muito tempo jogando, e era muito obsessivo, sempre pensando nisso. O futebol era uma coisa muito grande para mim quando eu era menino. O gosto veio daí.
Até hoje, andando na rua, conto os passos do que seria um drible. Tento adaptar alguns automatismos lá de trás. Até o começo da adolescência era algo de fanatismo, mesmo. Parei de jogar com 25, 26 anos, mas não sei explicar o porquê.
Às segundas-feiras, em geral, ficava doente por conta de ter jogado tanto no fim de semana.
Quando jogava, ficava irradiando os meus lances. Recentemente, quando conheci o Tostão, foi a emoção de encontrar um ídolo. Meu gosto pelo futebol vem de jogar.
Universidade do Futebol – Também da infância vem sua paixão pelo Santos?
Nuno Ramos – Também. Na realidade, eu sou uma espécie de vítima, porque quando eu fiz 10 anos o Santos parou de ganhar. Lembro do título de campeão paulista contra a Portuguesa, depois aquele com o Juari, mas até a geração do Robinho e do Diego, não houve nada.
Comecei a torcer pelo Santos logo depois de ele se sagrar o melhor time do mundo e peguei todo o momento da crise. Agora que ele está ganhando tudo de novo.
Universidade do Futebol – Você vê o futebol como expressão de arte? É possível relacionar uma coisa a outra?
Nuno Ramos – Sim e não. Creio que não deveríamos ir tão longe nisso, no sentido de que o futebol tem uma mensuração – nele, ganhamos e perdemos. Na arte, a mensuração é muito confusa.
Às vezes, artistas que, pela mensuração da sua época, não foram nada, tornaram-se gigantes em outro momento; e outros que eram muito decisivos enquanto vivos, hoje são quase que completamente esquecidos.
O futebol tem uma dinâmica entre alguma coisa indefinida e algo definido, que é o resultado. E o que é legal no futebol, e nisso ele se aproxima da arte, tem algo de artístico, é que o resultado não dá conta de tudo, é deficitário. Isso muito mais do que em qualquer outro esporte.
Há partidas que terminaram 0 a 0 e foram incríveis, assim como goleadas que não marcaram tanto. Além de incríveis jogos injustos – ou aparentemente injustos – ou que se decidiram em lances fortuitos, e não necessários. Quem perde, geralmente, tem muitas justificativas para isso.
Essa abertura que o futebol tem para algo aleatório, que não coincide com o placar, é próprio dele e muito bonito. E considero tal dessemelhança um pouco estética. Ela produz conteúdos que são imensuráveis.
A seleção brasileira de 1982, que perdeu tudo o que disputou, carrega um pouco disso. Os placares não contam. Outro lado, que não é estético, é que o placar conta e muito: a gente perdeu para a Itália naquela Copa. E os três gols que tomamos interferem muito na interpretação que temos daquilo que aconteceu em campo.
Esse número que pesa sobre a beleza do jogo, sobre as possibilidades que as jogadas criam, etc., tem uma força que, acho, na arte não há. Nem a história. O sentido de uma época varia e aquele objeto de arte continua durando. O significado de uma época muda, mas o objeto de arte continua irradiando sentido. E aí que vejo uma diferença.
Verme, 2010 - Areia e vídeo. Duas esferas de areia prensada (diâmetro de 340 cm) de cujo interior é projetado o filme Verme, em que dois personagens recitam um texto de Nuno Ramos
Universidade do Futebol – Para você, a crença nos poderes da arte é a contribuição mais original que toda a arte brasileira tem para dar. O futebol está incluído nesse processo?
Nuno Ramos – De novo, são coisas diferentes. Mas se fôssemos pensar um pouco, historicamente, uma boa parte do que é singular no nosso jogo é uma coisa de deixar jogar, de gostar do jogo, nem sempre fazer valer o placar. O Pelé, não.
O Pelé é um cara onde jogada e placar coincidiam. Já no Garrincha havia algo, um pedaço ao menos, aleatório. Muitas vezes você não sabia bem a que aquela jogada levava. Ele cavava buracos, que muitas vezes não levavam ao gol. Sem contar aquela “saída B” pelo lado direito – algo vencedor e que construiu muitos gols.
Mas vejo em boa parte do nosso jogo um pouco de dispersão. Não sei se teve ou ainda tem. Que é algo mais estético, de gente que gosta mais de jogar do que de ganhar.
O jogo e o tento são duas coisas diferentes. Nosso estilo de jogo parece ter captado essa coisa expressiva. E hoje em dia está muito relativizado. Até 1970 algo desse tipo era verdadeiro, acredito.
Nesse sentido, há um pouco de querer jogar que é muito bonito, sem sentido, amador, muito pouco explicável pelas necessidades mais objetivas da vida.
Universidade do Futebol – Na última quarta-feira teve um amistoso da seleção brasileira contra os Estados Unidos. Você ainda mantém um vínculo com a equipe nacional, de sentar, ligar a televisão e torcer? Ou essa relação, pelo menos em relação a você, não existe mais?
Nuno Ramos – Olha, eu não sei explicar, mas eu não perdi nada. Embora racionalmente eu entenda que mudou muita coisa. Mas eu sou incapaz de perder um jogo da seleção – a não ser por conta de um ou outro compromisso. O que me faz muito mal é ver o time não jogando bem.
Curisosamente e pessoalmente, acho que torço mais para jogadores. Amo o Santos, mas, no fundo, torço mais para o Neymar do que para o time. Se o Santos perder e o Neymar fizer quarto gols, acho que fico muito consolado.
Eu tenho uma coisa muito com o jogador. Hoje o Neymar é meu foco. Antes dele, eram o Pelé, o Zico e o Ronaldo. Fui obssecado por eles.
Não consigo entender por que a seleção perde. Uma ideia infantil e estúpida que vive ainda em mim. É muito esquisito ela jogar mal, pior que o rival, nem tanto perder. Esse mito nacional do futebol dentro de mim ainda existe, e muito.
Universidade do Futebol – O seu trabalho é permeado pela ideia de cosmo, ou seja, de indistinção entre linguagem, matéria, indivíduo e mundo. Algum futebolista é capaz de reproduzir em campo isso também?
Nuno Ramos – Quando um cara joga muito, é um pouco como se as regras do jogo deixassem quase de valer. Já diante daquele que é mais grosso em campo – passa o pé na bola com dificuldade, tenta o movimento, faz o cruzamento, etc. – parece que você está assistindo a um filme que você já conhece. Onde a sistemática do jogo, o possível do jogo, aquilo que o jogo já mostrou, a história dele, está se fazendo dentro de um nível de competência.
Ao aparecer alguém como o Neymar, isso tudo acaba. Parece que você está vendo tudo sendo inventado. E a arte tem um pouco a ver com isso também.
Um grande artista, com “A” maiúsculo, e não estou dizendo que eu faça isso, reengrendra coisas básicas. Ele te mostra de um ponto de vista que você não conhecia. Faz ressurgir coisas que tinham sido deixadas para trás. Um artista de verdade faz isso com a cultura. E te faz entender novas coisas.
Um jogador, de outra forma, muito mais ligado ao corpo, faz isso também. Você entende a passada, a relação da bola com o corpo, o modo de abrir a defesa, o contrapé, como enxerga a posição do zagueiro, etc., e você passa a enxergar de outro jeito.
Isso tudo eu gostaria de identificar nas coisas que eu faço. Uma certa reinvenção daquilo com que eu estou lidando.
Monólogo para um Cachorro Morto, 2008 - Blocos de mármore, lâmpadas, reatores, monitor de tela plana
Universidade do Futebol – Você não costuma colocar título nas obras, e a justificativa é de que se ele existe é porque é de suma importância para o espectador fazer jogos de signos e significantes. O mesmo princípio vale para o gol de um grande craque?
Nuno Ramos – Eu acho que sim. Quando você vê um gol absurdo, parece que algo muito improvável aconteceu. Você sente a facilidade que o atleta teve para fazer o gol, mas também como ele conquistou aquele terreno interditado. Nesse sentido, não tem muita explicação.
Tenho particular ojeriza, mais do que pelas narrações, pelos comentários televisivos que buscam explicar tudo e, no fundo, não conseguem exatamente dizer o descompasso entre jogada e gol. O significado e o placar.
A má-fé do comentarista é que ele, no fundo, é um lacaio do placar e finge que não é. Mas ele é. Está escravizado ao tento.
É claro que o Brasil venceu a Dinamarca por três gols com um frango do goleiro logo no início do jogo e duas saídas erradas da defesa adversária. O time jogou bem, teve méritos, mas nada capaz de produzir um significado tão positivo como o exaltado por muita gente. O significado é muito dominado pelos gols, e nem acho que fomos tão espetaculares assim.
Justamente o que é legal é que o jogo é mais do que isso. Quando o gol não vem, cria-se uma espécie de neurose obsessiva. O Robinho, por exemplo, talvez seja um jogador que tenha criado isso em sua carreira. Ele joga muito, tem passe, drible, velocidade, mas não consegue fazer tantos gols. Tem uma finalização deficitária.
O que é legal no Neymar é que a bola entra. E parece que a jogada e o gol se complementam. Eles perdem uma certa oposição que têm. Com o Robinho, nem sempre acontece desta maneira, apesar de ele criar muito. As coisas parece que caminham junto para o Neymar. Algo sem explicação. Sem título.
Universidade do Futebol – O que os lances de atletas como Neymar e Messi, por exemplo, têm de presença plástica e de simbologia?
Nuno Ramos – Há um balé, algo não dominado pela finalidade. No sentido plástico, vejo um jogo muito interessante. De simbologia, nem tanto. E isso não quer dizer que o jogador com mais plástica jogue melhor.
Para mim, o Messi é “plasticamente fraco”. Não é o mais bonito de se ver. No drible dele não consigo enxergar ginga. Já o Robinho tem muita dança, é algo lindo. Muito por conta disso, acho que ele acaba finalizando mal – por causa deste intenso balanço, que o desequilibra.
O Messi, que joga muito mais do que o Robinho jamais sonhou jogar, alguém completamente fora de série, tem uma coisa simples. De pouca ginga. Ele é muito veloz, tem um toque cavado, nem precisa deslocar o rival. Sempre tem uma noção de apoio do zagueiro, buscando o contrapé, e leva vantagem.
O Pelé, que era o Pelé, tinha uma plástica grega. Algo exato, em termos de matada, de passada, de chute, de cabeceio em elástico. No Messi, que acredito que possa ser o segundo maior jogador da história, não sinto tanto a plástica como a força dele.
Universidade do Futebol – Em seu texto “Depois do 4 x 0”, publicado na Revista Piauí, você cita comenta que os “times precisam de tempo, e quem der mais tempo a seus times irá mais longe”. Quais são os tempos do futebol e da arte plástica? Eles têm alguma similaridade?
Nuno Ramos – Eles são muito distintos. Eu me referia no texto não à coisa expressiva, mas coletiva. Noto que os times perderam completamente aquele período de aclimatação que eles tinham e que criava estilos e modos de jogar. Se trocavam boa parte dos jogadores, mas aquele perfil se mantinha.
Como hoje é tudo muito veloz e a troca de jogadores é absurdamente rápida, não dá tempo de formatar algo do gênero.
Quando eu era menino, o Palmeiras jogava de um jeito, pautado pelo Dudu e pelo Ademir, com marcação, eram o núcleo daquilo, que se espalhava para o resto do time. No Corinthians, também era algo muito nítido: um estilo de marcação, pouca técnica, tirando a época do Sócrates. Mas até hoje se mantém isso. O Santos, com um time “porra-loca”, sempre indo para o ataque.
Entendeo que não dá tempo de esses sistemas de jogo se firmarem, porque logo se troca todo mundo. Se o Corinthians perder a Libertadores, no ano que vem vende seis, sete jogadores. E não dá para ter uma continuidade.
Em artes plásticas, falamos de algo individual. O Van Gogh, por exemplo, que foi quem foi, teve uma carreira curtíssima. E se você pegar os anos maravilhosos, chegamos a quatro. Se considerarmos os melhores quadros, dará dois anos. Ele fez tudo em dois anos! Algo incrível!
O Pollock, americano, com o drip painting, durou três, quatro anos. Nesta coisa expressiva, às vezes o tempo é rápido, outras vezes, lento.
O que queria dizer no texto é sobre uma coisa coletiva que o Barcelona tem, um jeito de jogar que percorre décadas, dá esse tempo de maturação ao seu time, por isso ganha tudo, mesmo variando uma ou outra peça ou treinador.
Essa coisa coletiva precisa de tempo. E o tempo ninguém mais tem. O Barcelona me parece uma coisa arcaica, neste sentido. Ele restituiu um conceito.
Universidade do Futebol – Por que o Barcelona representa a maior experiência futebolística das últimas décadas e por que não podemos confundi-lo essencialmente com o próprio futebol?
Nuno Ramos – É o time mais impressionante que vi jogar, como time de clube. Apesar do Brasil de 1970 e da Holanda de 1974. Mas claro que isso não é um modelo único.
O modelo de atuar mais atrás e contra-atacar da Inter de Milão do José Mourinho ganhou deles jogando. Diferentemente do Chelsea de agora. O Barcelona tem seus limites. Uma certa inutilidade nesse passe de bola rodando. Uma dependência excessiva em relação ao Messi.
O futebol se joga de muitas maneiras. Há muitas formas de se elaborar isso. E o mais importante é saber o que você tem em mãos e bancar aquilo.
O Barcelona tem este, meio holandês, e ficou com ele. Se a Inter tivesse desenvolvido o sistema dela com mais calma, com a mesma competência administrativa que o clube espanhol, talvez tivéssemos outro grande time consolidado, com outro jeito de jogar.
Depois do 4 x 0: "É preciso situar a derrota do Santos para o Barcelona como um trauma, um antes e um depois, um sinal de que alguma coisa estranha está acontecendo com o futebol brasileiro"
Universidade do Futebol – Como você vê a importância do treinador nesse processo? Há uma falta de preparo dos profissionais brasileiros, eventualmente em uma comparação com os principais nomes em atividade na Europa?
Nuno Ramos – Eu acho que precisávamos pensar o todo. É difícil avaliar os nossos técnicos, porque eles pouco foram testados fora. Teve o Vanderlei Luxemburgo no Real Madrid, o Felipão no Chelsea, mas por muito pouco tempo. Foram experiências curtas.
Eu não poria a culpa em ninguém. Vejo que a questão do nosso futebol passa por calendário, dificuldade de manter os principais jogadores, dinâmica confusa e tumultuada entre revelação do atleta e carreira – com 12 anos, tem jovem indo para a Ucrânia, por exemplo.
Isso não cria base, mentalidade. Parece que está todo mundo querendo ser vendido logo. E os treinadores são parte deste esquema sem eira nem beira.
O Muricy Ramalho é um grande arranjador de time, mas acho que falta mais imaginação para ele. Por exemplo, o Ganso merecia que o Muricy arranjasse outra função pra ele. Está muito preso, sem criatividade.
Conheço pouco o Mano Menezes, mas sinto que ele está um pouco perdido, o time não tem muita cara, e não temos um caminho tão certo a seguir. Mas me parecem ser técnicos bons.
Se pegar um deles e colocar em um clube durante oito anos, com uma política de revelação de talentos boa, onde há um esquema de jogo bem desenvolvido, acho que dá pra fazer uma comparação mais justa.
O Guardiola é um grande técnico, mas ele não inventou nada. O Barcelona estava em andamento, e aquilo é um todo muito bem estruturado. E este nosso todo é muito fraco. Porque a CBF é horrível, o calendário é irracional, vendemos por qualquer miséria nossos jovens, algo muito imediatista, apesar de estarmos melhorando.
"Vejo que a questão do nosso futebol passa por calendário, dificuldade de manter os principais jogadores, dinâmica confusa e tumultuada entre revelação do atleta e carreira"
Universidade do Futebol – O que pensa sobre a presença de um filósofo inserido no trabalho da comissão técnica de um clube de futebol?
Nuno Ramos – Eu acho que ninguém perde nada em conversar com pessoas inteligentes. Eu também não acho que a questão seja simplesmente melhorar o nivel intelectual do jogador. Não gostava muito disso no Sócrates. O Garrincha era inteligentíssimo e não sabia somar “dois e dois”. E mesmo a inteligência verbal lhe faltava.
A nós falta, mais do que outra coisa qualquer, sermos realistas. E vejo no Tostão, o melhor comentador de futebol que temos, o lado mais inteligente quando ele analisa o jogo. Precisávamos entender bem o que temos em mão para formatar um time.
A seleção de 1994, muito pouco amada, tinha disso. O Parreira sabia o que tinha em mãos, uma falta de valores, e montou o que era possível: sem um grande camisa 10, com volantes e zagueiros excepcionais, um gênio na frente, o Bebeto jogando mais do que admitimos, fizemos um time bom. Um time real.
Não é sempre que o Brasil tem craques sobrando. O Ganso não tem jogado. Assisto a todos os jogos do Santos e ele atua apenas 15 minutos em alto nível. E isso não é o ideal para um jogador top. Depois das suas lesões, acho que ele não desempenhou o mesmo futebol. Não quero condená-lo, mas acho que precisamos entender mais o Ganso. E o filósofo serviria para esse exercício de avaliação do que temos para montar um time em cima disso.
O Neymar, ao que tudo indica, é um gênio. Está jogando de modo excepcional há três anos. Não é o caso do Ganso. O Ronaldinho está jogando um futebol mediano há várias temporadas. A torcida agora vaia. Essa avaliação um pouco caricata de jogadores que seriam excepcionais porque batem com certo paradigma de futebol do Brasil muito habilidoso atrapalha demais.
Preferiria, hoje, uma mentalidade mais realista, de 1994, tentando ver o que dá para fazer e ponto. Neste sentido, entraria o filósofo para colaborar nesta reflexão.
Especial: Carlos Alberto Parreira, treinador de futebol
Universidade do Futebol – É possível transformar a violência e a desmesura – inclusive no ambiente esportivo – em liberdade?
Nuno Ramos – A violência na arte, rarissimamente, é literal. Há em toda arte um “faz de conta”. Claro que a arte recente levou esse “faz de conta” a um limite do “não faz de conta”. Mas, mesmo assim, aquilo pula para uma simbologia que não estava prevista na literalidade do que foi feito.
Você pode matar uma galinha para uma obra de arte, e aquilo vai estar em um sistema de signos que vai esvaziar o ato essencialmente violento. No futebol, o que quebra a regra, o que chega na violência, é literalmente violento. Acho difícil atribuir a violência a um papel simbólico.
Em alguns casos, é mais uma ação de auto-defesa. Aquilo que o Pelé fez contra o Uruguai, por exemplo. É do jogo haver falta, cotovelada, você sente a tensão da coisa, a grama levantar, mas não me agrada muito, por exemplo, esse “papel de Libertadores”: somente raça, num sentido da malícia, do transgredir a regra, algo muito ruim. Isso se dirige ao juiz e não a nós. Com estas câmeras, então, fica cada vez mais infernal.
A violência em arte de fato consegue mimetizar, sem ser, um aspecto da vida. No jogo, ela é violenta, mesmo.
Fruto Estranho, 2010 - Making off
Universidade do Futebol – Em uma entrevista, você diz que gostaria de se tornar escritor, não um artista plástico que escreve. A integração existente entre uma área de atuação/reflexão e outra não é interessante?
Nuno Ramos – Existe interesse nisso, mas também é uma espécie de desculpa de não escrever tão bem quanto seria possível por eu ser artista plástico. Cada linguagem tem seu chamado. E você precisa ouvir esse chamado independente da outra linguagem.
Existe algo na literatura que é dela, que não é das artes plásticas. Mas eu prefiro a hipótese de não comunicar as duas coisas a buscar alguma junção entre elas. É mais rico, e tenho certeza de que vou mais longe se tentar separar do que se tentar juntar.
Universidade do Futebol – Você é mais desinibido como artista plástico do que como autor de textos?
Nuno Ramos – Eu sou. Porque eu comecei mais tarde como artista plástico, em um momento de certa crise como escritor. Acho que tenho mais preparo como escritor, e isso acaba me inibindo, por causa de eu ter mais recursos. Mas não quer dizer que eu seja melhor como artista plástico.
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Sinopse
"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."
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sábado, junho 02, 2012
Entrevista] Nuno Ramos, artista plástico e escritor
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Benê Lima