Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sexta-feira, setembro 30, 2011

Tabela Heurística do Treinador de Futebol: um olhar distinto e respeitoso para essa função profissional

Projeto idealizado por Luís Peazê faz mapeamento e apreciação de habilidades e competências, contribuindo para a reflexão crítica, compreensão e desenvolvimento da carreira
Equipe Universidade do Futebol

A função de “treinador de futebol” tende à aparente incoerência. Somente aquele gestor de pessoas, sentado no banco de reservas durante boa parte dos 90 minutos de uma partida, conhece detalhadamente o que permeia o seu grupo e como alcançar tal objetivo ao fim de uma disputa. Com base nesse princípio intuitivo da periodização, muitas vezes tal profissional causa espanto aos olhos menos atentos, porém tão críticos quanto: “por que ele não escalou fulano para jogar? E o ciclano, que entrou só nos minutos finais?”.

As respostas – ou, pelo menos, o entendimento de tais justificativas – estão contextualizadas em um ambiente muito complexo e que geralmente não é tratado com a devida consideração. Por conta disso, e diante de um cenário em que a bibliografia sobre treinadores é muito dispersa, incompleta e fragmentada, Luís Peazê, escritor, jornalista, tradutor com 30 anos de experiência e que conviveu no mundo da bola com referências do patamar de Falcão, Batista e Carpegiani, resolveu criar.

Neste ano, ele lançou de modo oficial e mundial a Tabela Heurística do Treinador de Futebol – THTF, uma ferramenta inovadora de avaliação desses profissionais. Produzida em Charleston, SC (EUA), a obra se trata de um conjunto amplo de características e atributos disponíveis ao treinador de futebol, organizados em uma tabela de fácil e rápida apreensão, com manual de utilização e conteúdo inédito.

“Durante todo o processo de levantamento de dados e tomada de decisão por um caminho ou outro, li sobre o método de proeminentes treinadores, brasileiros e estrangeiros, e a biografia de praticamente todos os considerados lendários, ‘treinadores clássicos’, como quer a Fifa. Conversei com alguns, ouvi e li incontáveis entrevistas, e é por isso que resolvi homenagear Gusztav Sebes e listar um time de onze, mais um, treinadores clássicos, ao final da THTF”, explicou Peazê, que já foi programador de computador e analista de sistemas nas décadas de 1970/80, educador, gerente de marketing e publicitário e realizou uma aventura dos sonhos: construiu um veleiro de madeira com as próprias mãos e velejou com sua mulher Helga Leal, cientista social, em torno da Austrália.

São várias as áreas do conhecimento humano que o treinador deve conhecer, entende Peazê. Inspirado no significado da palavra “Heurística”, idealizou uma forma de criar uma paisagem mental para que este comandante não perdesse de vista os “vários lugares focais” – era importante que esta mesma paisagem fosse útil tanto para a sua autoavaliação, quanto para outros públicos, incluindo executivos de clubes, imprensa e os torcedores.

“Fui ao Footecon em 2010 para colher informação, sentir o ambiente e aferir o que eu já estava dando forma. Daí, ao assistir a palestra de Mano Menezes, o relato de seu plano de trabalho, em que o último item, 8, deixava em aberto a necessidade do técnico da seleção brasileira de conversar com outros colegas, dos clubes, e também de sistematizar a terminologia dos treinadores no Brasil (se falam muitas línguas no futebol brasileiro e isso, mais tarde eu mesmo teorizei, cria problemas e atrasos inclusive de adaptação de jogadores e de treinadores que se deslocam de uma região para outra), achei que a minha Tabela Heurística se encaixava num projeto que atenderia àquele ponto”. 

 

Ao lado de João Paulo Medina, com a aula "Dinâmica sobre Perfil do Treinador de Futebol", Luís Peazê é um dos professores do Curso Master em Técnica de Campo!

 

Peazê teve duas reuniões com Mano e a comissão técnica do time principal. O projeto de sistematização de terminologias apresentado foi aprovado, mas acabou não havendo uma viabilizado por parte da CBF. Um pouco mais longe, na Universidade do Porto, entretanto, a validação de peso se concretizou.

O professor Julio Garganta, Doutor em Ciências do Desporto e docente daquela instituição de ensino, realizou uma série de críticas e recomendações pontuais. Na sequencia, o aval foi dado por João Paulo Medina, Diretor Executivo da Universidade do Futebol.

A Tabela Heurística do Treinador de Futebol inclui a tabela propriamente dita, o manual de utilização, o gráfico de bolhas (bubble chart) do universo do treinador de futebol, a gangorra baseada na teoria do ímpeto (Buridan) e na teoria da inércia rotacional (Newton), uma folha de exercício, e uma homenagem aos lendários treinadores, através da biografia de Gusztav Sebes e o time de 11 treinadores clássicos.

No total, são 22 “características” e 61 “atributos” para autoavaliação do treinador de futebol por intermédio de um método prático. Para chegar ao mesmo, o autor utilizou peneiras de várias “grades” ao longo do processo.

“Eu tinha em mente que tudo deveria se enquadrar num triângulo, que é fácil de memorizar, e inspira dinamismo. É latente nessa figura o ímpeto pelo movimento, ou queda; foi então que busquei na teoria do ímpeto (Buridan) e o amparo para defender que as características do treinador de futebol lhe impõem uma oscilação permanente, ou latente”, justificou Peazê.

De acordo com ele, foi inevitável visualizar a teoria da inércia rotacional pela figura da gangorra, isto é, alterar as variáveis, os pesos extremos ou as dimensões do eixo e da base resultando na mudança de toda a dinâmica (i.e. velocidade, arco, etc). Havia, porém, um problema gráfico visual, que ele solucionou com três colunas básicas, permanecendo a base do raciocínio. “Afinal, o treinador está sempre oscilando para cima e para baixo, não está?”, questionou.

Acidentalmente, Peazê descobriu que há, de fato, apenas três características básicas do treinador de futebol: as que são “assimiláveis” ou espontâneas, aprendidas, desenvolvidas e adquiridas pela capacitação formal ou informal; as “temporais”, que ele acumula durante o tempo; e as “técnicas”, inerentes à prática de treinar propriamente dita.



 

“O passo seguinte foi simplificar, pois a esta altura eu já tinha uma massa de informação muito grande, e como o ‘chão de fábrica’ do treinador de futebol é o campo, os seus operários são os jogadores, e todo o comando para a produção funcionar deve ser objetivo, claro, direto, preciso, me dediquei a simplificar ao máximo, a ponto de a Tabela Heurística do Treinador de Futebol, apesar do nome feio, parece, à primeira vista, muito simplória, e é, de propósito”, afirmou.

Com a ajuda de Garganta e Medina, o escritor estabeleceu que cada examinador pode escolher o seu ideal para cada característica e atributo, alguns óbvios, pois são graduados em excelente, razoável e defectivo, “e ninguém em sã consciência vai escolher ser defectivo, embora ele possa entender que aquele determinado atributo não seja algo com que deva se preocupar. Problema dele”.

O prefácio da Tabela Heurística, desenvolvido por Garganta, cita que não se trata de um instrumento definitivo. Mas como ela poderia ajudar a “divisar singularidades relevantes desses profissionais, ao invés de preceituar a estandardização ou padronização das suas habilidades, capacidades e competências”?

“ATHTF não induz ao ideal de treinador, mostra as “características” e “atributos” permeáveis à função do treinador e deixa que o examinador escolha quais, quando e como dar-lhes importância. É isso que o professor Garganta quer dizer ao avisar que não se trata de um instrumento definitivo”, indicou Peazê. “Da mesma forma que a dinâmica cognitiva se dá para o jogador de futebol, se dá para o treinador também”, continuou.



Se o atleta deve lembrar, fazer associações, tomar várias decisões, tudo em fração de nanossegundos ao dar um drible ou um afastar uma bola de seu gol em defesa, o treinador atua num campo temporal diferente, mas as variantes do seu trabalho são inumeráveis. E este fica sujeito também a esta equação cognitiva: saber, situação, desenvolvimento.

Ao “divisar” as variáveis relevantes dessa equação complexa, o treinador ou o examinador fará o cálculo de acordo com as variáveis que lhe forem circunstanciais. Tentar padronizar as habilidades, capacidades e competências desses profissionais, pois, seria um retrocesso.

“O futebol é lindo porque pouca coisa pode ser padronizada nele. Mesmo com suas 17 regras centenárias originais, é a atividade humana coletiva mais complexa e incerta da história da nossa civilização”, sintetizou Peazê, que usa o final do romance “Perfume”, de Patrick Suskind, para efeito de comparação:

“Jean-Baptiste Grenouille, que matara 27 virgens para macerar o perfume perfeito do amor, derrama sobre o corpo um frasco inteiro da essência e é devorado pelas pessoas (comem-lhe até roerem os ossos) ensandecidas pelo irresistível poder da sua criação. Meu desejo é debater sobre a THTF o máximo possível, e quem sabe num futuro próximo, em vez de ser devorado, não dar lugar a algo mais completo ainda, como se ressuscitasse aquelas virgens”, finalizou.


Infância construtiva

Para chegar a esse ponto, o autodidata que é cronista e como ceramista criou a coleção de réplicas dos 40 principais faróis da costa brasileira, agradece às primeiras trocas com o seu Adão. Quando era dente-de-leite do Lansul, na cidade de Esteio-RS, era ele quem deixava Peazê vestir a camisa 14, em uma tentativa temporal a imitar o holandês Cruijff.

Mais do que isso, seu Adão, que foi lateral esquerdo do Grêmio e não tinha muito estudo, fez com que ele assimilasse com mais propriedade muitas coisas básicas para a vida toda, como por exemplo a importância de mastigar bem os alimentos, beber água, dormir e principalmente praticar com constância, dedicação e paciência aqueles fundamentos que o jovem Peazê se achava bom o suficiente.

“Depois joguei uma bolinha por aí”, falou humildemente aquele que cresceu jogando pelada com atletas famosos, tais como Falcão e Batista, e atuou nas categorias de base do Internacional – além de uma passagem relâmpago pelo Flamengo, apresentado por seu amigo Paulo Cesar Carpegiani.

Afastado dos gramados por quase 30 anos, apesar das observações aos comportamentos dos treinadores, em especial, aproveitou o período em que o Brasil conquistou o privilégio de sediar a Copa do Mundo, a Copa das Confederações e as Olimpíadas para se dedicar inteiramente a contextualizar os trabalhos de sua “Clínica Literária”, uma agência de notícias e serviços com o futebol.

Tags: treinador, formação, cultura, integração, Literatura, sociabilização, motricidade humana, antropologia, Setor Técnico

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Benê Lima