Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

terça-feira, junho 21, 2011

A seleção dos goleiros de futebol: uma prática restrita e excludente

Como requisito, leitura de jogo pode ser mais relevante do que a altura em processo de seleção. Formação de camisas 1 passa também pela qualidade dos treinadores específicos da posição
Luiz Carlos Laudiosa*

A grande qualidade que atualmente se exige dos goleiros de futebol de alto nível é o potencial genético principalmente referente à altura, muitas vezes é esquecido outros valores que devem ser reconhecidos nos goleiros, outras qualidades genéticas, intelectuais e psicológicas tão necessárias para um atleta de alto nível. Outro fator primordial para complementar a qualificação do jogador é referente à figura do preparador de goleiros, pois, muitos atletas com várias das qualidades citadas acima ficaram pelo caminho e não conseguiram obter sucesso na profissão de jogador de futebol por não ter encontrado em sua trajetória um preparador competente, que lhe ensine as técnicas, a leitura de jogo, desenvolver as qualidades físicas e psicológicas desse potencial atleta.

A simplificação do futebol acaba por excluir vários jogadores que poderiam estar atuando em alto nível simplesmente por não terem uma característica de potencial genético, no caso do goleiro principalmente pela altura predeterminada por algumas pessoas do meio. 

A exclusão pela altura juntamente com o mal preparo do preparador de goleiros acarreta em mais exclusão, seja por deficiências físicas, técnicas, táticas e/ou psicológicas de vários goleiros com outros valores tão necessários à posição desempenhada. Alcides Scaglia cita bem em seu texto O inato e o adquirido: questões relativas à altura dos goleiros sobre a seleção pela altura destes atletas e a qualidade do preparador de goleiros.

“Um grande potencial genético pode não ser tão inteligente quanto uma pessoa que, até apresenta certas restrições potenciais, porém sabe aproveitar o que o ambiente lhe proporciona, demonstrando maior capacidade de adaptação, logo, segundo a lógica da seleção natural a sobrevivência vital ou social sempre estará do lado daquele com maior potencial adaptativo (e não genético)”.

Algumas equipes, no seu processo seletivo, estão exigindo certa altura para que o candidato a goleiro tenha chance de ser avaliado. Ilustrativamente, seria como estabelecer uma altura X, fixar um barbante no batente da porta do vestiário dos testes e se o candidato não se abaixar para passar não precisa nem se trocar, pode ir embora, pois já está eliminado.

É incrível como o futebol tem o poder de simplificar as coisas. O quanto ele, e as pessoas que estão nele envolvidas, faz do complexo uma coisa simples, limitada à causa e efeito. Para o futebol não existe um número ilimitado de variáveis, não há espaço para o caos, para a desordem, para o heterodoxo. Ou é, ou não é. Ou é alto, logo goleiro, ou então vai ser treinador de goleiros, ou mesmo, torcedor frustrado.

E o que é pior ainda, as pessoas passam a acreditar que isto é verdade, que é assim mesmo. Operam com a lógica infantil, parecendo-lhes óbvio o fato que quanto maior o goleiro melhor (já que o gol no futebol é grande).

Resumindo: ordem e progresso; tamanho equivalente à qualidade; altura qualifica um goleiro e, ao mesmo tempo, acaba com qualquer possibilidade de um fora da curva sequer arriscar.

Desse modo, se 1,90m é a altura do barbante, quem tem 1,89m nunca servirá, é um produto fora das especificações do mercado. As justificativas são as mais óbvias do mundo: "A Europa exige jogador alto e forte", contra-argumentam os tradicionais e conservadores dirigentes, agentes, técnicos da atualidade. "Se o goleiro for baixo, bola rasteira pode encobri-lo", atormenta o torcedor de arquibancada, e até alguns desavisados jornalistas.

Neste caso o inato sobrepõe o adquirido. Primeiro seja alto, depois se der aprenda a ser goleiro. Se não for possível aprender, não tem importância, sendo alto você já é goleiro. Não é isso que vemos nas equipes hoje em dia? E nas categorias de base, então?

Será que em vez de altura, o maior pré-requisito para o goleiro não seria aprender a ler o jogo? Se assim o fizesse, simplesmente a sua colocação evitaria inúmeras quedas. Também evitaria a necessidade de se ter uma altura determinante, pois não seria cinco centímetros a mais ou a menos que fariam a diferença para evitar o gol, mas sim, novamente, a colocação, a velocidade de reação, a força, o potencial de impulsão, o controle emocional...

Mas aí temos um problema. Quantos treinadores sabem ensinar seus goleiros a ler o jogo? Como se poderia fazer isto na prática? Como ensinar a cair menos sem parecer que o goleiro não treinou? Como ensinar/treinar o goleiro a ficar atento no jogo, sendo que, na maioria das vezes, é o jogador que menos pega na bola no jogo (sendo o que mais se movimenta e pega na bola no treino)?

Não será impondo uma limitação biológica para os goleiros que se formará bom jogadores nesta posição. A formação de um goleiro começa na formação de seu treinador de goleiro. Se este não for intuitivo (digo intuitivo porque existe muito pouca literatura específica sobre treinamento de goleiros), se este não for sabedor das causas e objetivos dos diferentes projetos, muito pouca coisa fará.

Portanto, no papel, cinco centímetros fazem a diferença, mas no campo, principalmente para quem já desempenhou a função com inteligência, sabe que estes centímetros são irrelevantes.

A maior virtude de um goleiro é invisível aos olhos. As qualidades psicológicas são infinitamente mais determinantes e importantes para selecionar um bom goleiro. Contudo, estas qualidades (adquiridas) não são necessariamente mensuradas e aparentes, exigem um olhar atento, próximo, experiente, sensível e sapiente. E o que é mais importante, este olhar pode ser formado pela ciência (mas não pela faculdade empírica da bola)”.

Realmente, deve-se focar na formação dos profissionais que vão treinar os goleiros, que atualmente ainda está sendo um trabalho em sua maioria por ex-goleiros que não procuraram investir em uma formação mais ampla, o futebol não pode ser tão simplificado de forma a limitar em selecionar os atletas somente pela altura, como também os treinamentos não devem ser somente uma réplica que treinadores já tiveram quando atletas – pela sua importância no futebol, os goleiros merecem um foco maior e uma melhora no contexto de conhecimento científico.


*Formado em Educação Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora-MG, e pós graduando em Futebol pela Universidade Federal de Viçosa. 

Experiência como preparador de goleiros da equipe profissional e base do Sport Club Juiz de fora e preparador de goleiras da seleção feminina do Haiti. 

Contato: luiz-lcl@uol.com.br  

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