Os sinais são claros de que as universidades, muito em razão do momento gerencial prévio da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, que serão realizados em território brasileiro, colocaram o esporte em suas pautas. Ações relacionadas a atividades físicas e modalidades diversas permeiam a academia, com o amparo de algumas grandes empresas especializadas na temática. É o caso da parceria entre a Nike do Brasil e o programa UniSol (Universidade Solidária).
Ambos, juntamente com a Rede Esporte pela Mudança Social (REMS), a partir do ideal de que o esporte pode promover o desenvolvimento social por meio de ações nos âmbitos social, ambiental e econômico, criaram o Prêmio Nike Esporte pela Mudança Social. O alvo é reconhecer e apoiar ações e projetos de extensão universitária, executados por professores e alunos, que utilizem modalidades como mote desenvolvimentista humano.
“O UniSol tem 16 anos de atuação e a proposta fundamental é contribuir para a formação cidadã dos estudantes universitários, colocando-os em contato com a comunidade na qual eles estão inseridos, ou com comunidades menos favorecidas”, explica Daniela Lemos, coordenadora técnica do UniSol.
Ao agregar o que a universidade desenvolve com o conhecimento do estudante universitário ao longo da vida acadêmica, o projeto consegue dar um passo adiante nessa transformação. O programa articula e implementa projetos e ações sociais de instituições de Ensino Superior, em parceria com empresas públicas e privadas, organizações do Terceiro Setor e comunidades.
O UniSol é um programa da AlfaSol, criada por Ruth Cardoso, que estimula a liderança nos jovens universitários e, sobretudo, proporciona uma visão mais apurada da realidade social brasileira, fortalecendo a organização comunitária e a construção de soluções pontuais.
Na segunda edição do Prêmio Nike, concorrem projetos de extensão universitária com foco em esporte e que beneficiem diretamente jovens em situação de vulnerabilidade social, localizados nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. O valor da premiação é de R$ 25 mil, com acompanhamento técnico da equipe do UniSol.
“A universidade tem total autonomia para desenvolver suas atividades. Quando elas apresentam o projeto, há uma pré-definição de roteiro, com orçamento e metas desenhadas para os seis meses de trabalho”, comenta Daniela.
Coordenadora de projetos, ela aponta que o UniSol trabalha para garantir os benefícios e a interação entre universidade e comunidade. Por exemplo, se um professor está tendo alguma dificuldade na implementação de determinado projeto, se a universidade está acompanhando de fato a iniciativa, ou mesmo se as ações estão sendo institucionalizadas para não se tornar algo apenas pontual.
Nesta entrevista à Universidade do Futebol, Daniela fala mais sobre as especificidades do UniSol, o cenário atual propício para projetos ligados ao esporte e como o diálogo entre academia e sociedade pode ser benéfico para a formação dos jovens carentes.
Universidade do Futebol – Você poderia falar sobre sua formação, a trajetória até o ingresso no UniSol e a experiência em lidar com projetos, impactos e inovações na área social?
Daniela Lemos – Comecei no antigo Comunidade Solidária, um programa de governo criado pela doutora Ruth Cardoso. Era estudante da UNB de Administração e estagiei nessa parte administrativa. Lá me deparei com todo o aparato de política social e combate à pobreza.
No Comunidade Solidária, fui apresentada à Universidade Solidária, e passei a atuar como coordenadora de projetos no antigo programa nacional, muito parecido com o Projeto Rondon, em que muitos universitários vão para comunidades distantes fazer um intercâmbio social e discutir as fragilidades desses grupos, ao mesmo tempo em que realizam uma troca cultural.
Passei três anos nesse programa de governo, e em 2003 o UniSol se transformou em uma organização da sociedade civil, e fui coordenar a área de projetos. Minha formação é em assistência social, com especialização em gestão de projetos na área do Terceiro Setor.
Na Alfasol, o Universidade Solidária é um programa que integra todas essas ações criadas pela doutora Ruth, e dentro desses planos há o Prêmio Nike – Esporte pela Mudança Social, cuja primeira edição foi criada em 2008.
Ruth Cardoso, durante Primeiro Comício da Mulher, em campanha eleitoral em São Paulo (1985); foto: Ary Brandi
Universidade do Futebol – O UniSol (Universidade Solidária) é um programa que articula e implementa projetos e ações sociais de Instituições de Ensino Superior (IES), em parceria com empresas públicas e privadas, organizações do Terceiro Setor e comunidades. Fale um pouco mais sobre ele.
Daniela Lemos – O UniSol tem 16 anos de atuação e a proposta fundamental é contribuir para a formação cidadã dos estudantes universitários, colocando-os em contato com a comunidade na qual eles estão inseridos, ou com comunidades menos favorecidas.
A ideia é pegar toda essa expertise – o que a universidade desenvolve mais o conhecimento do estudante universitário ao longo da vida acadêmica – e transformar em uma ação educativa para essas comunidades a partir das potencialidades e das demandas que elas têm.
Temos também uma parceria com o Banco Santander que foca nas questões ambiental e de geração de renda. Na realidade, o UniSol articula o conhecimento acadêmico em prol de comunidades menos favorecidas, mas reconhecendo o conhecimento popular existente nos moradores daqueles ambientes.
Universidade do Futebol – Um dos projetos desenvolvidos é o Prêmio Nike - Esporte pela Mudança Social. Quais as pretensões e os resultados já alcançados por essa empreitada que chega à sua segunda edição?
Daniela Lemos – Em 2007, a Nike começou a articular no Brasil a Rede Esporte pela Mudança Social (REMS) e convidou não apenas as grandes ONGs que atuam com esporte no Brasil, como outras que também trabalham com ações educativas e que lidam com ações de gênero.
O Universidade Solidária entrou no circuito, pois havia também o foco de levar a academia para discutir sobre a forma como o esporte é tratado no país. Não apenas o alto rendimento ou as atividades ligadas à saúde.
Começamos a discutir nos projetos que havíamos feito, e as universidades apresentavam mais o esporte relacionado ao lazer ou em seu aspecto educativo. E surgiu a ideia do primeiro Prêmio Nike – Esporte pela Mudança Social. Tivemos mais de 50 projetos, e cinco deles foram premiados em nível de Brasil – no Rio Grande do Sul, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Santa Catarina.
Envolvemos mais de 600 crianças e adolescentes, com projetos de empreendedorismo no Rio, com a PUC-RJ, e também em São Carlos, com a UFSCAR.
Rediscutindo as estratégias, pensando em uma continuidade, resolvemos lançar a segunda edição mais focada para jovens e adolescentes, especificamente para as capitais de São Paulo e Rio de Janeiro. O prêmio passou de 15 para 25 mil reais, e as universidades premiadas receberão o acompanhamento técnico do UniSol por seis meses, além de doação de materiais esportivos da Nike.
As universidades, por conta do momento vivido pré-Copa e Olimpíadas, colocaram o esporte em suas pautas, aumentando essas ações relacionadas de uns dois anos para cá.
Universidade do Futebol – O cenário atual do mundo é também inspirar a mudança social por intermédio do esporte?
Daniela Lemos – Sem dúvida alguma. E de várias formas. Tivemos um projeto premiado que, na realidade, o esporte era um meio, e não o fim.
Um jovem skatista do subúrbio do Rio de Janeiro ensinava às crianças no contraturno escolar essa prática, e a universidade viu aquela potencialidade e qualificou o grupo, junto com a Nike do Brasil, e hoje praticamente eles são uma associação que produz shapes, aquela prancha do skate. Chama-se Briza Arte, conduzida pelo Charles Alexandre da Silva.
O que conseguimos perceber e mostrar pelo prêmio é que o esporte pode ser um estímulo, um tema transversal, para que uma ação social ou educativa com diversos públicos seja efetivada. E não necessariamente se apresentar como tema central.
Universidade do Futebol – Em sua opinião, como liberar o potencial de jovens, para que estes fortaleçam suas comunidades, alavanquem o desenvolvimento e promovam mudanças?
Daniela Lemos – Percebo que principalmente por meio do diálogo. E as universidades, no caso com os estudantes universitários, e a UniSol, ao longo desses 16 anos, desenvolveram uma metodologia de conversar com essas instituições para que as mesmas cheguem às comunidades e falem de igual para igual, e não como templo de saber.
O estudante pode ser inserido naquele contexto e falar com outros jovens, se interessando pelo outro, apesar das visões e das realidades distintas.
Levamos, por exemplo, alguns jovens de comunidades para vivenciar o ambiente acadêmico, e a partir desse diálogo horizontal e da troca de conhecimentos, o processo se tornou positivo.
Universidade do Futebol – No esporte, de que modo pode-se trabalhar a questão social sem decair no mero assistencialismo?
Daniela Lemos – Acredito que de forma mais educativa, formando multiplicadores. Na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, o programa Esporte Integral desenvolveu a partir da experiência própria um mini curso de esporte educacional. O professor não necessita ser um profissional de Educação Física, mas pode ser um coordenador de uma ONG de base que trabalha com isso, e ele consegue utilizar qualquer modalidade para falar de cidadania, gênero, e entender o que é o ambiente familiar do jovem.
O UniSol intermedeia e orienta vários processos para estabelecer esse diálogo de uma maneira mais eficaz.
Programa Esporte Integral (PEI) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) em Rio Grande do Sul (RS); foto: Arquivo UniSol
Universidade do Futebol – O esporte já atua efetivamente na promoção de igualdade de gênero e no combate da violência contra mulheres, crianças e jovens, ou as ações ainda caminham a passos muito lentos?
Daniela Lemos – No nosso universo, ainda caminha a passos lentos. Temos de ter uma sutilidade em alguns ambientes para falar sobre determinados temas. Há um projeto que se utiliza da capoeira para falar de questões ligadas à raça.
As universidades não vão tão a fundo nesse tipo de tema, não por escolha, mas por se tratar de um processo de conquista paulatina desses jovens, por meio do esporte.
Universidade do Futebol – Também a partir de sua visão profissional e acadêmica particulares, de que forma o processo da educação auxilia no desenvolvimento do raciocínio, da criatividade e na compreensão dos fatores externos vividos pelos jovens?
Daniela Lemos – No Instituto Briza citado, o simples fato de levar jovens de Irajá para vivenciar um ambiente acadêmico, no caso a PUC-RJ, fez com que cinco dos 10 jovens que participaram no início se interessassem em prestar vestibular.
Isso sem haver qualquer tipo de argumentação sobre a importância de estudar e ter um curso superior. Somente pelo ambiente, percebemos essa vontade e essa transformação.
O UniSol tem um grupo de colaboradores voluntários, entre os especialistas, representantes das REMS, das ONGs, além de acadêmicos, reitores e ex-reitores, que possuem experiência em projetos universitários e sociais.
A universidade tem total autonomia para desenvolver suas atividades. Quando elas apresentam o projeto, há uma pré-definição de roteiro, com orçamento e metas durantes os seis meses de trabalho. Nosso acompanhamento técnico visa garantir os benefícios e a interação entre universidade e comunidade – se o professor está tendo alguma dificuldade na implementação daquele projeto, como a universidade está acompanhando, se as ações estão sendo institucionalizadas para não se tornar algo apenas pontual, etc.
Há necessidade de um compromisso social, a fim de definir também indicadores para uma avaliação de resultados, já que o impacto para a vida do estudante e das práticas universitárias é importante para todos.
Projeto Coletivo do Briza da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; foto: Arquivo UniSol
Universidade do Futebol – Você acredita que é possível pensar a formação de jovens jogadores de futebol sem a criação de um programa que gerencie o crescimento pessoal, social e profissional de modo interdisciplinar?
Daniela Lemos – Não acredito. As universidades estão aí para mostrar. Essa visão sistêmica é fundamental para um atleta, não só consciente do seu papel profissional, mas como cidadão.
Projeto Futsal Social da Universidade Feevale – Novo Hamburgo (RS); foto: Luiz Fernando Framil Fernandes
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Benê Lima