Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

segunda-feira, abril 18, 2011

Como será a comissão técnica do futuro?

Na perspectiva, é fundamental a criação de um (ou mais) modelo de jogo oriundo das observações de todos os profissionais e das características dos atletas do elenco
William Sander e Renato Buscariolli

Caros leitores, tudo bem?

Iniciamos este manuscrito nos desculpando, afinal há algum tempo que não contribuíamos com artigos nesse fórum. Isso ocorreu em virtude de novos projetos e oportunidades que surgiram tanto no campo da prática (hoje estamos integrando as comissões técnicas do sub-13 e do sub-17 do Americana Futebol Ltda.), como no campo teórico (participamos de forma efetiva na construção do Curso Máster em Técnica de Campo oferecido pela Federação Paulista de Futebol em parceria com a Universidade do Futebol). E é justamente através do último evento que damos início a este texto.

Diferentemente de outras oportunidades, quando nossa participação em eventos e congressos da área fomentou o surgimento de ideias para a confecção de manuscritos, nesse artigo em específico, a ordem dos fatores se inverteu. Isso porque havíamos iniciado a escrita do mesmo antes do assunto (“comissão técnica do futuro”) vir à tona na cerimônia de abertura do referido curso. Na ocasião, o tema surgiu na palestra do Prof. João Paulo Medina, que sucedeu a aula inaugural ministrada brilhantemente pelo nosso querido Adenor L. Bachi (mais conhecido como Tite, atual técnico do Corinthians). Ficamos surpresos com a “coincidência”, afinal o manuscrito estava no “forno”!

Atualmente, é nítido e notório o aumento na busca (e disseminação) do conhecimento no futebol e áreas correlatas no Brasil. Exemplo disso é o grande sucesso de eventos como o Footecon ou mesmo os cursos online e presenciais oferecidos pela Universidade do Futebol. Esse contexto permite que os diversos profissionais envolvidos com futebol (desde aquele que atua diretamente no campo até presidentes de clubes) se aprimorem se reciclem e aumentem tanto seu conhecimento prático, quanto teórico, possibilitando uma série de discussões. Vale destacar que essas discussões são extremamente saudáveis e bem vindas, afinal o verdadeiro aprendizado é fruto de inquietações e essas geralmente são acompanhadas de acaloradas discussões.

Assim, em sua fala, o Prof. Medina indagou a platéia sobre o número de possíveis profissões existentes no futebol hoje (mais de cinquenta, acreditem!) e enfatizou as diferenças existentes entre os enfoques multi, inter e transdisciplinar para com estes profissionais. Como não poderia deixar de ser, a discussão se estendeu para a comissão técnica em si (gestores de campo) e ficou a dúvida: será que estamos preparados para esta mudança de perspectiva? Aliás, como será a comissão técnica do futuro?

Fazendo um paralelo entre o modelo vigente e a nova proposta, podemos dizer que hoje, nas categorias de base da grande maioria dos clubes, a comissão técnica tradicional é composta pelo técnico, preparador físico e o treinador de goleiros. Já no profissional podemos ver ainda a figura do analista de desempenho, auxiliar técnico, auxiliar de preparação física, scoutista, entre outros (quando a equipe tem recursos para tal, caso contrário, limita-se aos mesmos profissionais citados na base).

Essa divisão de responsabilidades (ou especialidades) leva a uma fragmentação do todo, ou melhor, do jogo, de tal forma que cada um dos profissionais acaba se “preocupando” com a sua “parte”. Assim sendo, o treinador está preocupado com o resultado do jogo do fim de semana (“trazer” os três pontos) e também com que sua equipe tenha um bom desempenho técnico e tático. Já o preparador físico, também almeja os três pontos, mas seu foco está nos aspectos físicos, de modo que a equipe corra em alta intensidade até o fim da partida sem o surgimento de câimbras e afins. Por último, o treinador de goleiros, que também deseja os três pontos, torce internamente para que o seu goleiro não sofra nenhum gol e quiçá seja o destaque da partida.

“Mas, qual o “problema” disso, Renato e William? Não deveria ser assim? Cada um preocupado com a sua parte não levará a equipe à vitória/sucesso?”.

Caro leitor, muito cuidado, afinal, a diferença é sutil, mas muda totalmente o enfoque dado por cada elemento da comissão e, principalmente, a maneira de se planejar os treinamentos. Como assim?

Para fins didáticos, partamos do pressuposto que a comissão técnica do futuro será composta pelos mesmos profissionais acima citados, tanto na base quanto no profissional. Todavia, a grande diferença reside no fato de que o objetivo comum a todos eles (alcançar a vitória) se sobressai ao objetivo específico (individual), de maneira que todos seguem um planejamento único, construído através da participação simultânea de todos os integrantes da comissão técnica. Desta forma, a montagem dos treinamentos semanais também se dá em conjunto, dentro de uma perspectiva integrada (multi e interdisciplinar), tendo como “pano de fundo” o jogo. Nessa perspectiva, é fundamental a criação de um (ou mais) modelo de jogo oriundo das observações de todos os profissionais e das características dos atletas do elenco.

É importante destacar que não estamos aqui defendendo a extinção dos especialistas e tampouco a extinção de trabalhos específicos para parte técnica, tática, física ou mesmo de goleiros. Todavia o fato de haver um planejamento comum e as sessões de treino serem construídas em conjunto, de forma que todos consigam atingir seus objetivos de forma simultânea, faz com que a preocupação global (com o todo) prevaleça sobre as partes.

Assim, dentro dessa nova perspectiva, além de o treinador almejar a vitória, irá preocupar-se com o todo de sua equipe, ou seja, além dos aspectos técnico-táticos, estará atento aos aspectos físicos e emocionais. Enquanto isso, o preparador físico, estará atento não apenas aos aspectos físicos, mas também aos aspectos técnico-táticos, até porque, dependendo das circunstâncias do jogo, caso a equipe não tenha um bom desempenho tático, isso irá se refletir no âmbito físico, uma vez que esses fatores estão intimamente ligados (lembre-se, o futebol é um sistema complexo!).

E por último, o treinador de goleiro deve estar atento não apenas ao desempenho do goleiro em si, mas no jogo como um todo, afinal, quanto menos ações defensivas o goleiro realizar, melhor será, indicando que sua equipe está sendo eficaz de impedir que o adversário crie situações de finalização. Por outro lado, dependendo do contexto e da situação específica do jogo, por melhor que seja esse goleiro, ele não vai conseguir evitar o gol do adversário (exemplo: superioridade numérica do ataque em relação à defesa).

Nessa perspectiva, para que a “comissão do futuro” torne-se a “comissão do presente”, basta uma mudança de atitude, uma mudança de visão, já que os profissionais são os mesmos. No mundo atual, no qual os mais fortes sobrevivem, aquele que consegue se adaptar mais rapidamente leva vantagem frente aos demais e isso pode fazer toda a diferença para o sucesso ou fracasso profissional em um mundo tão selvagem como o futebol. O conhecimento está aí, disponível a todos e as mudanças já estão acontecendo.

A resposta do técnico Tite, quando questionado sobre a forma de preparar sua equipe fisicamente durante o curto espaço de tempo disponível na pré-temporada, explicita que essas mudanças já estão ocorrendo em diversos âmbitos (em suma, ele afirmou que a preparação física de sua equipe se dá em situações de treino, nos quais os aspectos técnicos, táticos e emocionais são trabalhados em concomitância). Todavia, bem sabemos que toda mudança requer tempo e esforço.

Para finalizar, trouxemos a síntese de uma longa conversa que tivemos com o senhor Persival Piquera de Oliveira*, um senhor de 58 anos, graduado em engenharia na USP e apaixonado por futebol, a respeito da relação entre os aspectos físicos, técnico, táticos e psicológicos.

- Persival: Mas eu tenho certeza que se uma equipe tiver um preparo físico fantástico, vai vencer o adversário! Isso é lógico, ela vai correr mais, vai ser mais rápida, vai cansar menos!

- Renato e William: Sr. Persival, no jogo não existe apenas o aspecto físico, há uma série de outros componentes que interferem na organização da equipe e no resultado final da partida. Uma equipe pode ser muito superior à adversária fisicamente, mas se ela “correr errado”, ou seja, não ocupar os espaços adequadamente, não tiver uma boa organização ofensiva e defensiva e não tiver equilibrada emocionalmente, o aspecto físico acaba sendo sobrepujado.

- Persival: Sim, concordo em partes. Deixa-me pegar um exemplo para ser mais claro. Quando vocês enfrentam categorias maiores do que a equipe de vocês nos amistosos preparatórios que estão realizando, a equipe de vocês encontra grandes dificuldades, principalmente pelos aspectos físicos, correto? De novo, isso reforça que se as valências físicas estiverem acima das do adversário, haverá grandes chances da equipe sair vitoriosa! Isso facilita a vitória, é algo lógico!

- Renato e William: Sr. Persival, seu exemplo é uma situação clara na qual um dos componentes inerentes ao jogo (o físico) pode ser contrabalanceado por todos os outros! Veja: mesmo nossa equipe sendo mais nova (e isso interfere diretamente nas valências físicas), ela consegue compensar essa desvantagem pelos outros elementos presentes no jogo (técnico, tático e emocional). É justamente esse nosso intuito quando marcamos os amistosos.

Sabemos que é necessário um equilíbrio entre esses aspectos de tal forma que todos devem ser executados muito bem. Caso contrário, se nossa equipe fosse depender apenas do físico, perderíamos todos esses amistosos e sua tese se comprovaria. Todavia não foi o que aconteceu.

Persival, será que quando você vê (ou acha que vê) uma equipe abaixo fisicamente perante a adversária, isso não é uma consequência dessa equipe já iniciar a partida muito abaixo técnica e taticamente? Mudando a pergunta: caso você fosse técnico de uma equipe e tivesse apenas um treino por semana para disputar um campeonato qualquer, daria um treino eminentemente tático, um eminentemente físico, um eminentemente técnico, um eminentemente emocional ou faria um no qual todos os elementos estivessem presentes de forma simultânea? Pense bem, é só uma sessão de treino!

- Persival: Não preciso nem responder, né? Acho que agora estou entendendo, mas a discussão não acabou por aqui, não é possível que eu esteja errado, a engenharia funciona assim, poxa...

*Persival Piquera de Oliveira não é um personagem fictício. Na realidade ele é progenitor do Renato Buscariolli, um dos autores deste manuscrito e todas as características referidas ao mesmo são verdadeiras.

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Benê Lima