Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sexta-feira, abril 08, 2011

Entrevista] David Azoubel Neto, psicanalista que vai além do cartesianismo

David Azoubel Neto, psicanalista
Autor do livro "O Futebol como Linguagem" fala sobre como área pode atuar na reflexão do esporte
Bruno Camarão

Nas palavras do Doutor David Azoubel Neto, a função de um psicanalista é debater, discutir, insistir para libertar o ser do indivíduo de entraves que impeçam o seu desenvolvimento. Boa parte da resistência cultural a essa área de estudo resulta das necessidades conservadoras de uma sociedade sobrecarregada de preconceitos, que não confirma suas raízes, aparentemente com medo de assumir uma identidade da qual não pode fugir.

“Mas você me pergunta em que medida a psicanálise pode ajudar no processo de desenvolvimento do futebol. É algo que requer muita reflexão”, diz o especialista na área, formado pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e fundador da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto.

Durante vários anos, Azoubel Neto exerceu o cargo de analista didata dessas duas organizações. Atualmente, aposentado das funções, continua trabalhando em clínica privada e se dedica a estudos sobre a obra de Freud em relação com a Mitologia e a Antropologia. Quando requisitado, também reflete acerca do futebol, uma de suas paixões.

Ele é autor de um livro – O Futebol como Linguagem –, no qual apresenta exemplos que confirmam a continuidade da condição “medrosa e preconceituosa” de excluir uma parte do ser humano que corresponde a uma extensão física e psicológica maior: a sua subjetividade.



Confira na biblioteca da Universidade do Futebol

 

“O sujeito é um corpo físico dotado de uma alma ou psique. Isso quer dizer que a sua dimensão física corresponde a uma parte que se complementa com uma parte psíquica, subjetiva, portanto. A necessidade de considerar o objeto com o seu subjetivo é imperativa”, explica Azoubel Neto, que também concluiu o curso de Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco, com pós-graduação em Epidemiologia.

Em termos mais amplos e gerais, o psicanalista teria condições de compor a integração de um departamento de futebol. Se um jogador que não cura de um traumatismo crônico está sofrendo de uma depressão que é preciso ser diagnosticada e localizada, por exemplo, tal figura seria relevante para assistir o processo de recuperação.

“O jogador é um ser humano que tem uma vida subjetiva. Como aliená-lo desse fato? Somente com a perda e o sacrifício da sua alma. Isso não é possível”, garante.

Nesta entrevista à Universidade do Futebol, Azoubel Neto fala ainda sobre o ambiente capitalista no qual estão inseridos jovens talentos, como Ganso e Neymar, a “negação” do aprendizado técnico por parte de Mané Garrincha e qual o caminho a ser tomado pelos cartesianos no futebol moderno.

Universidade do Futebol – Qual é a relação do senhor com o futebol?

David Azoubel Neto – A minha relação com o futebol se fez, inicialmente, através das peladas do fundo do quintal, na minha casa, em Recife. Nós éramos uma família numerosa (16 irmãos) e tinha os funcionários da fábrica do meu pai. Desde o começo foi uma relação muito democrática.

Posso dizer que aquelas peladas foram a primeira lição nessa formação democrática. Além disso, o futebol, mesmo através das peladas, nos deu oportunidade para uma formação disciplinar.

As peladas não tinham juiz, mas o juiz era cada um de nós, uma espécie de Superego introjetado, cujo modelo seria usado, a partir daí, pela vida adentro. E tinha também o propiciamento de uma relação mais íntima e mais partilhada entre os irmãos. Posso dizer, como disse Albert Camus, que o futebol contribuiu para a formação do caráter em todos nós. Foi, sem dúvida, uma relação muito importante.



Escritor e filósofo francês, nascido na Argélia, Camus era um apaixonado por futebol e chegou a ser goleiro de seleção universitária

 

Universidade do Futebol – No livro “O Futebol como Linguagem”, o senhor apresenta a visão desse esporte através do mito, em uma tentativa de compreensão do sentido mais profundo e arcaico da linguagem do mundo. De onde surgiu a idéia de produzir uma obra neste sentido e quais aspectos no processo de confecção da obra o senhor poderia destacar?

David Azoubel Neto – É uma pergunta muito interessante e oportuna. Sempre gostei do estudo dos mitos, uma atração quase filogenética pelos mitos gregos inicialmente (o primeiro livro que eu li foi o de Monteiro Lobato sobre esses mitos gregos). Eu penso que, de fato, a organização do livro está assentada sobre três pilares:

a) A Psicanálise – fiz uma formação psicanalítica na qual se dava uma grande importância à análise pessoal. Aprendi muito sobre mim mesmo, um aprendizado que me ajudou a valorizar muito o meu desconhecimento. Acho que essa formação correspondeu a um curso de "Humildade" (eu ia dizendo Humanidade. Poderia, eu creio).

Depois de completar as exigências básicas para uma formação que iria se continuar pelo resto da vida, o meu interesse científico se concentrou sobre o estudo e leitura da obra de Freud. Cheguei à conclusão que não pode haver releitura dessa obra. Toda leitura que se faz dela é uma nova leitura;

b) Em minha formação, tanto médica como psicanalítica, senti sempre muita falta de um conhecimento mais amplo da Antropologia. Procurei ler o que podia e cheguei à conclusão de que essa ciência era, de fato, um complemento importante à Psicanálise. Mas no meu autodidatismo sempre me ressenti dessa falta;

c) Sobre a mitologia, desde aquele primeiro livro nunca mais deixei de ser um apaixonado pela sua leitura. Acompanhando, no entanto, a trajetória de Levy-Strauss, Roger Bastite e outros que vieram para o Brasil para ensinar Sociologia e ao entrarem em contato com os nossos índios foram se tornando antropólogos, eu também comecei a me interessar pelo estudo dessa mitologia, encontrando, para surpresa minha, lendas muito ricas e povoadas por um simbolismo que permitia uma ampla consideração dos seus significados míticos.

Tomei então uma decisão: escolhi uma tribo de índios sobre os quais eu tinha um conhecimento através de sua cerâmica artesanal e passei a visitá-los, tentando estudar os aspectos primitivos do seu pensamento.

Frequentei a tribo, depois de certo período de abordagem, durante dez anos. Descobri que a cerâmica rudimentar que esses índios fabricavam contava mais do que a história dos seus atos cotidianos e costumes – era uma boa fonte para o estudo dos seus mitos. Comecei a ver esses mitos, com o auxilio de mitólogos modernos, como formas primitivas de pensamento. Então eu percebi que um universo fantástico começou a ser descortinado, permitindo o seu estudo e às vezes, a confrontação com teorias psicanalíticas.

São pontos a serem destacados. Considero essa aproximação a uma forma primitiva de pensamento como um fator determinante, o qual me ajudou a aprender a considerar a existência de uma mitologia autenticamente brasileira.
 


 

Universidade do Futebol – Em que medida a psicanálise pode ajudar no processo de desenvolvimento do futebol?

David Azoubel Neto – As perguntas requerem a ajuda do conhecimento de fatos históricos, de movimentos sociais e culturais bastante significativos, dos quais o futebol brasileiro teve parte, mas nem sempre foi integrado.

Por exemplo, o movimento literário e artístico da Semana de Arte Moderna (1922). Eu não conheço nenhuma alusão ao futebol que estava, por esse tempo, começando a se definir como um movimento autenticamente brasileiro.

A integração do negro, por exemplo, demandou uma coragem sem a qual nenhum progresso ou desenvolvimento poderia ter ocorrido. Como se sabe, havia um preconceito fortíssimo contra a escalação de negros nos grandes times do Rio, de São Paulo e de muitos outros estados brasileiros. Ora, a assimilação desse preconceito pelos brasileiros correspondia a uma negação absurda que tentava nos privar de um dos aspectos mais brasileiros do povo brasileiro – a sua negritude.

A função de um psicanalista é debater, discutir, insistir para libertar o ser do indivíduo de entraves que impeçam o seu desenvolvimento. Uma grande parte da resistência cultural à psicanálise resulta das necessidades conservadoras de uma sociedade sobrecarregada de preconceitos, de negação das suas raízes, com medo de assumir uma identidade da qual não pode fugir. Mas você me pergunta em que medida a psicanálise pode ajudar no processo de desenvolvimento do futebol. É algo que requer muita reflexão.

O treinamento físico é intenso. Uma preocupação que se justifica objetiva e subjetivamente. O jogador precisa estar em forma física e os estudiosos sobre o futebol sabem muito bem quais são os índices a serem atingidos, as suas medidas já foram estabelecidas longamente. Mas vejamos um detalhe: um jogador se contunde, é submetido a cirurgias, fisioterapias, massagens, toda a sorte de tratamentos, mas não reage positivamente a esse esforço curativo.

Então, todos nós (a comissão técnica, os torcedores, os cartolas, o próprio jogador) nos perguntamos: o que estaria acontecendo? Um quadro clínico que, por si só, já indica a presença de um psicanalista, de um psicólogo especializado. Eu diria, em termos mais amplos e gerais, que esse jogador que não cura de um traumatismo crônico está sofrendo de uma depressão que é preciso diagnosticar e localizar. É apenas um exemplo retirado do cotidiano de uma experiência de muitos anos, mas que nunca teve a pretensão de se considerar como proveniente de um especialista.

Eu faria uma longa e paciente entrevista e aposto como iria encontrar coisas deste tipo – um problema conjugal, uma condição de medo (pelas características das limitações físicas naturais), o fato de os jogadores, profissionalmente, terem muito medo de envelhecer, a perda (às vezes por morte) de uma pessoa da família, etc.

Como psicanalista, eu teria a preocupação de examinar todos os jogadores antes de cada jogo e sugerir à comissão técnica a não escalação de um elemento que estivesse se debatendo contra alguma situação traumática. Mas, é claro, isso só poderia ser feito se o psicanalista estivesse acompanhando a sua equipe e com um conhecimento individual mais profundo de cada jogador.

Universidade do Futebol – Nelson Rodrigues chegou a dizer que o futebol brasileiro tem de tudo, menos seu psicanalista. “Cuida-se da integridade das canelas, mas ninguém se lembra de preservar a saúde interior, o delicadíssimo equilíbrio emocional do jogador”. O senhor acredita que a argumentação dele segue da mesma maneira?

David Azoubel Neto – Sim, eu concordo com o filósofo Nelson Rodrigues em gênero, número e grau. No meu livro “O Futebol como Linguagem”, eu dou exemplos que confirmam a continuidade dessa condição medrosa e preconceituosa de excluir uma parte do ser humano que corresponde a uma extensão física e psicológica maior – a sua subjetividade. O livro por si é um convite à consideração dessa subjetividade.

Universidade do Futebol – Quando a ciência entra em campo a seu favor, o atleta é alvo da comissão técnica, da preparação física, da medicina esportiva, da fisiologia, da biomecânica, etc. Neste ponto é possível vendê-lo enquanto sujeito, permitido-lhe pouco em termos de desejo. O atleta de futebol se sente submetido ao outro? Quando a condição de sujeito dele é valorizada nesse processo?

David Azoubel Neto – Essa pergunta não é, simplesmente, uma pergunta. É uma questão com a complexidade que merece uma reflexão muito extensa. A consideração do futebol restritivamente como um esporte físico tem um respaldo notável na vertente física desse esporte. Incorre, portanto, num erro de avaliação por si só muito tendencioso.

O sujeito é um corpo físico dotado de uma alma ou psique. Isso quer dizer que a sua dimensão física corresponde a uma parte que se complementa com uma parte psíquica, subjetiva, portanto. A necessidade de considerar o objeto com o seu subjetivo é imperativa.

O jogador é um ser humano que tem uma vida subjetiva. Como aliená-lo desse fato? Somente com a perda e o sacrifício da sua alma. Isso não é possível.



Médico introduziu a questão do sexo como assunto científico; abordagens de Freud também têm relação com o esporte coletivo mais popular 

 

Universidade do Futebol – O discurso capitalista, que promove um endividamento progressivo do sujeito, multiplica objetos imaginários de desejo. Por outro lado, condicionado pelo discurso da ciência, o futebol deixa de lado a dimensão do sujeito. Há algo no futebol ou nas bases que os sustentam que possa deter seus avanços?

David Azoubel Neto – Essa relação com o desejo constitui uma mobilização inevitável. A questão não é, assim me parece, o que há de errado no futebol ou nas suas bases. Esse perigo da exploração humana pelo homem (Homo lupus homini est) surge como uma ameaça constante em qualquer regime político. É verdade que a política pretende sugerir uma solução grupal, externa.

Penso que esse desenvolvimento do homem para fazer uma valorização de sua subjetividade (a ponto de poder considerá-la pelo menos em igualdade de condições com o aspecto físico) depende também da elevação do nível cultural dos nossos jogadores.

Universidade do Futebol – Neymar e Paulo Henrique Ganso são dois exemplares de jovens talentos especiais que surgiram no futebol brasileiro talvez nos últimos 20 anos. O senhor acredita, em uma análise à distância, que é possível prezar a personalidade deles, superando quaisquer marcas ou interesses “evolutivos” da modalidade, diante de um cenário de ofertas milionárias de clubes estrangeiros?

David Azoubel Neto – O poder do dinheiro é muito grande. Esses jogadores jovens que estão surgindo terão que passar pela mesma trajetória dos jovens que já apareceram no futebol de todos os países – eles são demasiado jovens e imaturos para gerir sozinhos a fortuna que a vida lhes deu através do dote do talento e a oportunidade autofágica de uma sociedade sobretudo capitalista.

Uma vez Freud se referiu a uma frase – de Nietzsch, talvez? – a respeito da religião. Penso que neste caso a religião pode ser substituída pelo futebol: “Quem tem talento e arte tem religião. Quem não tem talento e arte tenha religião”.

Ele quis se referir ao apoio de uma entidade sobrenatural para suprir a falta dessas qualidades inatas.



Atletas são demasiado jovens e imaturos para gerir sozinhos a fortuna que a vida lhes deu, crê Azoubel Neto

 

Universidade do Futebol – Na visão do senhor, de que modo o esporte – e mais precisamente o futebol – pode funcionar como um instrumento capaz de possibilitar a emancipação e a autonomia dos sujeitos?

David Azoubel Neto – Há pessoas que vão para a guerra e voltam – quando voltam – neuróticas e psicóticas. Há pessoas neuróticas e psicóticas que vão para a guerra e voltam curadas. Eu diria que tudo depende da capacidade do sujeito para aproveitar e mobilizar o seu Ego naquelas experiências capazes de promover o desenvolvimento, o amadurecimento.

Universidade do Futebol – Alguns psicanalistas sinalizam a felicidade como um bem que não dependa do merecimento próprio, tendo esse sentimento dois aspectos fundamentais: a felicidade por merecimento e pelo acaso. Como o senhor vê essa relação tratada no ambiente do futebol?

David Azoubel Neto – Vejo a felicidade como um resultado da capacidade individual (subjetivo) de sentir e cultivar o amor. Um estudo feito com pessoas que haviam ganhado prêmios fabulosos na loteria mostrou que muitos deles, em breve espaço de tempo, se tornaram mais pobres do que eram antes.

Não tenho a referência bibliográfica para apoiar essa afirmação, mas Freud se refere a ela em um artigo sobre – Os que Fracassam ao Triunfar. A sorte pode existir, mas ela depende, para sua continuidade, de um Ego estruturado e com capacidade de organização estruturante.

Há pessoas que herdam fortunas enormes. Algumas se desenvolvem a partir desse fato; outras involuem, regridem, ficam mais pobres.

Universidade do Futebol – Fazendo uma analogia entre senhor-escravo e técnico-atleta, pode-se dizer que o técnico será o agente do discurso e o atleta aquele que pertence ao campo do outro?

David Azoubel Neto – A dialética entre o senhor e o escravo, quando vista pelo viés do inconsciente, denuncia no seu dinamismo uma dificuldade de quem é o senhor, quem é o escravo. Para manter o escravo como escravo, o senhor tem que desenvolver um aparato de segurança e manutenção da sua condição como senhor que também o escraviza. Tornou-se (depois que a psicanálise tem sido introduzida) como um instrumento de observação da intimidade dos comportamentos humanos, cada vez mais difícil de definir quem é o um e quem é o outro.

A escravidão ainda é possível e os seus domínios por certo irão perdurar muito tempo, mas o seu conceito está cada vez mais abalado, enfraquecido.

Universidade do Futebol – Quando o técnico se autoriza das regras, da técnica, da tática para impor um saber ao atleta fazendo com que este produza um conhecimento específico ao futebol, ele está se inserindo no discurso universitário? Como tornar essa relação mais positiva e viável fazendo com que a “verdade do atleta” não seja rejeitada em prol do mandamento de tudo saber?

David Azoubel Neto – A questão levantada me fez lembrar de Garrincha. Todos os técnicos que insistiram em ensinar a técnica do futebol para Mané Garrincha se deram mal.

Ele os ouvia com atenção, mas na hora de jogar o que valia era a lógica contorcida e retorcida dos seus dribles. O adversário pensava que iria sair pela direita, ele ia pela esquerda, dava um elástico na bola e saia pela direita mesmo.

Querer prever aquela jogada era simplesmente inútil. Garrincha fazia o igual parecer o diferente. Que mais é preciso dizer?



"Todos os técnicos que insistiram em ensinar a técnica do futebol para Mané Garrincha se deram mal"

 

Universidade do Futebol – Por que muitos no ambiente do futebol enxergam na religiosidade, em suas crenças e fé, um fator especial, potencializador, para obtenção de vitórias?

David Azoubel Neto – Em psicanálise nós costumamos admitir que o pensamento mágico se insere de tal modo no processo evolutivo (de desenvolvimento) que impregna outras formas de pensamento: o animismo e o místico principalmente, a caminho da religiosidade.

O pensamento mítico também antecede a religiosidade. Mas é só quando atingimos uma forma de pensar mais cientifica que o raciocínio busca o princípio de realidade. Nesse ponto volto a concordar com Nelson Rodrigues quando ele diz que o principal esporte do povo brasileiro não é o futebol, é o voleibol. O futebol é religião.

Universidade do Futebol – Em “O apito do juiz”, o senhor traça um paralelo entre o sopro daquele instrumento, carregado pelo árbitro de uma partida, à imagem de Deus fazendo o homem a partir do mesmo gesto. Quais são os perigos em o árbitro se sentir uma entidade divina durante um duelo esportivo?

David Azoubel Neto – Todos os perigos convergem para um só – a alucinação e o delírio, a psicose, de preferência, a paranóia.
 


O juiz e seu apito - leia texto de David Azoubel Neto

 

Universidade do Futebol – Pelé é “Rei”, expressão que já nos remete a uma idéia religiosa. Maradona, para os argentinos, é “Deus”, sendo representado até em uma igreja própria. É possível afirmar que os ídolos do futebol são construídos como seres sagrados, ou imagens sagradas, dotadas de uma série de características que os distinguem dos demais seres humanos?

David Azoubel Neto – Os grandes jogadores de futebol correspondem aos heróis e super-homens, os quais descendem, em linhagem direta, dos personagens da mitologia greco-romana. Os mitos não são os homens, são o que eles produzem.

Pelé e Maradona são mitos pelo que eles fizeram para os aproximar dos heróis e dos deuses na realização do novo. E isso só foi possível porque eles o fizeram num tempo que pode ser chamado o tempo do sagrado – o qual pode ocorrer em qualquer tempo; isso é essencial para a produção do mito (Mircea Eliade, 1963).

Universidade do Futebol – O senhor acredita que a visão tecnicista e/ou cartesiana, que ainda domina tantas áreas do conhecimento humano (inclusive o futebol) está com os seus dias contados? Ou ainda temos um longo caminho a percorrer?

David Azoubel Neto – Eu não sei se os cartesianos estão com os dias contados. Eu só sei que, se eles quiserem sobreviver, terão que aprender a conviver com outras formas e variedades de pensamento científico (inclusive o psicanalítico). A chance deles ainda é uma discussão sobre o inconsciente.

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Benê Lima