Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sexta-feira, janeiro 11, 2013

Baltemar Brito, ex-auxiliar de José Mourinho

"Com ele aprendi quase tudo, mas não significa que eu vá imitá-lo", diz

Guilherme Yoshida
/ Universidade do Futebol

 

O sotaque da língua portuguesa falada em Portugal demonstra o quanto Baltemar Brito viveu naquele país europeu. E, suas convicções sobre o futebol e a vida revelam quão foi o aprendizado que teve ao trabalhar por quase nove anos com José Mourinho.

E é com esta grande experiência que o ex-zagueiro brasileiro nascido no Recife vai tentar levar o modesto Grêmio Osasco ao acesso na Série A-2 do Campeonato Paulista 2013.

"Com Mourinho aprendi quase tudo. Eu já era treinador quando fui trabalhar com ele, mas ao seu lado, enriqueci muito como profissional. Mesmo assim, isso não significa que eu vá imitá-lo. Ele tem as suas características e eu não gosto de fotocópias, pois elas nunca saem igual ao original. As nossas equipes serão diferentes, mas os objetivos dos treinos vão estar embutidos naquilo que eu vi e senti com ele no trabalho", disse o técnico, em entrevista exclusiva à Universidade do Futebol no último mês de dezembro.

Baltemar Brito fez sua carreira praticamente ao lado do treinador português. Em 2001, tornou-se auxiliar técnico de Mourinho no União Leiria, de Portugal, e seguiu com o colega no Porto, entre 2001 e 2004, e no Chelsea, entre 2004 e 2007.

Neste período, o atual comandante do Real Madrid viu seu trabalho na beira do campo ser bastante relacionado à Periodização Tática, metodologia de treinamento idealizada pelo professor português Vitor Frade.

Porém, Baltemar Brito desmistifica o que se tornou público no meio do futebol e afirma não concordar com esta comparação. Para ele, muitas vezes foram cometidos erros nas observações do trabalho que realizou durante a parceria com José Mourinho.

"Denominaram esse trabalho dele como Periodização Tática sem saberem ao certo se era mesmo ou não. Às vezes, falaram coisas totalmente diferentes do que fazíamos. O que eu posso falar é que todas as experiências com bola que fazíamos eram o espelho do jogo, treinávamos como se joga. Mas, o problema é o seguinte: todo mundo fala em Periodização Tática, que ela tem quantificação, enfim. Mas a Periodização Tática não é quantificação, e sim qualificação. Mourinho nunca disse que trabalha com Periodização Tática. Então, não sei se devo dizer que a Periodização Tática que falam por aí é da forma que ele faz. Para não entrar na questão conceitual, sem querer colocar um rótulo, mas muita gente quando fala na Periodização Tática, fala em testes, fala em GPS, tiros, etc. No entanto, Periodização Tática não é isso. Não há quantificação destas variáveis. A principal palavra de Mourinho é treino e tudo engloba o jogo", afirma.

Quando foi para a Inter de Milão, Brito ainda atuou como olheiro da equipe italiana, a pedido do treinador português. Após isso, voltou para sua carreira de treinador principal, que havia exercido somente em clubes menores de Portugal, e foi para o Al-Ittihad, na Líbia, e depois para o Al Dhafra, nos Emirados Árabes.

O Grêmio Osasco será a primeira equipe de Baltemar no futebol brasileiro como treinador. E, apesar do tempo distante, ele demonstra saber exatamente o que encontrará em campos tupiniquins.

"No Brasil, as equipes são mais longas em campo, mais cansadas e têm muitos atletas lesionados. Outra coisa: o futebol aqui é pensado de forma individual e não coletivamente. Hoje, por exemplo, as equipes jogam bem e amanhã vão mal. A oscilação é muito grande. Mas, o futebol é único. Um time mais forte pode até perder para um conjunto de menor expressão. Mas, perca sufocando. Agora, tem equipe brasileira bem paga que perde para time pequeno levando sufoco. Então, ou o trabalho é todo igual ou você não tem uma regularidade", aponta.

Confira a entrevista na íntegra, na qual Baltemar Brito ainda falou de outros problemas enfrentados no futebol brasileiro e por que Portugal tem se destacado na formação de treinadores.

Universidade do Futebol  Você trabalhou com Mourinho desde o começo dele como treinador. Quando, de fato, ele começou a introduzir a Periodização Tática como principal método de treinamento? Vocês faziam alguma variação em relação ao modelo tradicional desta metodologia?

Baltemar Brito – Veja, o Mourinho já tinha as ideias dele antes de começar a trabalhar com ele. Porém, denominaram esse trabalho dele como Periodização Tática sem saberem ao certo se era mesmo ou não. Às vezes, falaram coisas totalmente diferentes do que fazíamos. O que eu posso falar é que todas as experiências com bola que fazíamos eram o espelho do jogo, treinávamos como se joga. Mas, o problema é o seguinte: todo mundo fala em Periodização Tática, que ela tem quantificação, enfim. Mas a Periodização Tática não é quantificação, e sim qualificação. Mourinho nunca disse que trabalha com Periodização Tática. Então, não sei se devo dizer que a Periodização Tática que falam por aí é da forma que ele faz.

Para não entrar na questão conceitual, sem querer colocar um rótulo, mas muita gente quando fala na Periodização Tática, fala em testes, fala em GPS, tiros, etc. No entanto, Periodização Tática não é isso. Não há quantificação destas variáveis. A principal palavra de Mourinho é treino e tudo engloba o jogo.

Baltemar Brito diz que aprendeu 'quase tudo' ao lado do treinador José Mourinho, atualmente no Real Madrid. Foram quase nove anos de trabalho juntos 

Universidade do Futebol  Quais características você acredita que mais absorveu de José Mourinho? Por que?

Baltemar Brito – Com ele aprendi quase tudo. Eu já era treinador quando fui trabalhar com ele, mas ao lado de Mourinho, enriqueci muito como profissional. Mesmo assim, isso não significa que eu vá imitá-lo. Ele tem as suas características e eu não gosto de fotocópias, pois elas nunca saem igual ao original. As nossas equipes serão diferentes, mas os objetivos dos treinos vão estar embutidos naquilo que eu vi e senti com ele no trabalho.

O treinador é um todo, não vejo o jogador de forma fracionada. O atleta está bem ou está ruim. Não acredito em palestra motivacional. A motivação é o treino e o jogador saber o que ele fará no jogo. Trabalho todos os dias o relacionamento e a motivação com os atletas. Isso é um trabalho psicológico e é assim que eu penso.

Universidade do Futebol  Desde a época que José Mourinho assumiu o União de Leiria, ele sempre teve admiração pelos jogadores do Brasil. Em um de seus livros, ele disse que era a melhor relação custo-benefício. O que de fato fazia vocês sempre trabalharem com um bom número de atletas brasileiros nos elencos (foi assim no Leiria, Porto e Inter de Milão)?

Baltemar Brito – Não somos somente nós. É universal. Jogador brasileiro é acima da média, a melhor matéria-prima do mundo. Mas, ele precisa ser lapidado. Jogador brasileiro que atua no Brasil não joga de primeira e têm muitas lesões. Aqui ele não faz diferença. Precisa sair daqui para se dar bem melhor lá fora, no exterior. São desconhecidos no próprio país e em qualquer país estrangeiro se dão bem, brilham e se tornam 'grandes'. Gostaria de saber o porquê disso. Alguns jogadores só explodem quando são exportados. Acredito que esta explosão, geralmente, é impossibilitada por alguém que trabalha com ele aqui no Brasil. Por um conjunto de situações, para ser mais preciso.

Para o técnico do Grêmio Osasco, o futebol praticado no Brasil é pensado de forma individual e não coletivamente

Universidade do Futebol  Qual a sua opinião sobre o futebol que se pratica no Brasil? Quais as principais diferenças em relação ao jogo que ocorre na Europa?

Baltemar Brito – Eu acho diferente, principalmente, a forma dos times jogarem. No Brasil, as equipes são mais longas em campo, mais cansadas e têm muitos atletas lesionados. A gente vê equipes brasileiras com mais de um jogador com ruptura muscular. Isso é muito. Tem treinador que se queixa das lesões, mas há equipes que, após seis partidas disputadas, já têm jogador com CK (creatinofosfoquinase) elevado. Acredito que o planejamento deva existir independentemente do calendário. Quando uma equipe tem uma grande equipe médica deixa a desejar. O erro continua. Não pode ser visto como normal o jogador ficar lesionado. É muita gente para pouca resposta.

O clima também influencia. E os terrenos, claro. Os gramados ruins impedem de o jogo ser mais rápido. Outra coisa: o futebol aqui no Brasil é pensado de forma individual e não coletivamente. Hoje, por exemplo, as equipes jogam bem e amanhã vão mal. A oscilação é muito grande. Mas, o futebol é único. Um time mais forte pode até perder para um conjunto de menor expressão. Mas, perca sufocando. Agora, tem equipe brasileira bem paga que perde para time pequeno levando sufoco. Então, ou o trabalho é todo igual ou você não tem uma regularidade.

No Brasil, os jogadores entram cansados em campo e pensam retardadamente. O atleta quer sempre ganhar o jogo. Então, penso que a culpa é de outros fatores.

Baltemar Brito teve experiências como treinador principal na Líbia e Abu Dhabi e diz que não vai sentir a adaptação ao futebol brasileiro

Universidade do Futebol  Acredita que vai sentir muita diferença de atuar como treinador principal de uma equipe após vários anos trabalhar como assistente técnico?

Baltemar Brito – Acredito que não. Até porque já tive experiências como treinador principal na Líbia e Abu Dhabi. Adaptei-me bem por lá e só vim embora por causa da situação política do país. Em Abu Dhabi também não senti nenhum problema, apesar da cultura e língua serem bem diferentes. Agora, estou novamente me adaptando ao Brasil.

Universidade do Futebol  Qual o diferencial da formação acadêmica de Portugal em relação à pedagogia adaptada às práticas esportivas?

Baltemar Brito – Hoje em dia, Portugal trabalha muito bem neste aspecto de formação. Pode-se falar em antes e pós-Mourinho. Os profissionais portugueses foram à procura do que ele fazia. Atualmente, há treinos qualificados, bons centros de treinamento e as equipes cada vez se modernizando mais. Já os treinadores portugueses não estão nos melhores campeonatos, mas já estão atuando fora de Portugal, o que não acontecia anteriormente.

Ex-zagueiro, Baltemar Brito apontou que somente quando se desiste de jogar futebol é que se vê coisas que não se via quando jogava

Universidade do Futebol  Portugal possui uma cultura própria de futebol, e em especial, de formação de treinadores?

Baltemar Brito – Hoje em dia, os treinadores de todas as equipes grandes de Portugal têm um trabalho padrão. Sempre de forma integrada e focada na equipe principal. Atualmente, são poucos clubes que fazem trabalhos de musculação, por exemplo. Isso já está acabando por lá. Além disso, o jogador, após se aposentar, tem de fazer cursos; não se para de jogar e já vai treinar. Exige-se o certificado para o exercício da função. Somente quando se desiste de jogar futebol é que se vê coisas que não se via quando jogava. É necessário fazer o curso. Ainda temos muito o que pensar sobre o futebol e tem de haver uma inovação. E os treinos de qualidade são um dos meios para esta evolução. Tem treinador ganhando muito bem também e precisa dar um retorno.

Para ele, os treinadores de todas as equipes grandes de Portugal têm realizado um trabalho padrão, sempre de forma integrada e focada na equipe principal

Universidade do Futebol  O que é o modelo de jogo em sua visão? E qual seria o atual, na equipe principal do Grêmio Osasco?

Baltemar Brito – Modelo de jogo é muito complexo para se falar. As pessoas pensam que é 4-3-3 ou 4-4-2, mas, isso não é modelo de jogo. Para mim, é o comportamento da equipe e não só dos jogadores. Modelo de jogo é o meu pensamento sobre o jogo. É a minha equipe ter um determinado comportamento quando tem a posse de bola, quando não se tem, enfim, em todos os momentos do jogo. Em relação ao Grêmio Osasco, eu ainda estou em fase de conhecer tudo para depois implantar um modelo de jogo. Ainda estou analisando as características dos jogadores, pois eu tenho que me adaptar a eles. Além disso, não adianta você ter um trabalho definido e não souber transportar isso para o campo. Existem pessoas que pensam, mas não sabem executar.

Universidade do Futebol  Como o senhor enxerga o período conhecido como "pré-temporada", que seriam os dias iniciais da temporada, entre 15 e 30 dias dependendo do clube? Quais as preocupações com esse período de tempo na sua visão metodológica?

Baltemar Brito – Um trabalho correto neste período deve ser direcionado à prevenção e à adaptação do jogador ao esforço. E isso deve ser diluído ao longo da temporada. Se eu fizer 15 dias de trabalho intenso e depois não trabalhar mais durante o ano não vai ter adiantado nada. Então, acredito que a pré-temporada nada mais é do que uma adaptação do esforço, mas que deve contar com um trabalho contínuo.

O meio-campista Xavi, do Barcelona, excelente jogador porque antecipa várias ações dentro de campo, aponta Baltemar Brito

Universidade do Futebol  Xavi Hernández, considerado "um cérebro" do futebol europeu nos últimos tempos, deu a seguinte declaração recentemente: "Não são forte, nem rápido, nem habilidoso. Sou um jogador da rua. Simbolizo o jogo de equipe e, por isso, me elegeram o melhor da Eurocopa". O que você extrai deste depoimento?

Baltemar Brito – Só tenho que dar valor a isso. Dizem que ele não é forte, alto e viril. Porém, no jogador, a fortaleza não está no biotipo, e sim no pensar. Xavi é um excelente jogador porque antecipa várias ações dentro de campo. O Barcelona, de uma forma geral, quebrou vários paradigmas jogando desta forma. No meu tempo de jovem, jogava-se bola na rua e o garoto tinha que se desvencilhar dos carros, pessoas ou buracos. Isso propiciava um grande desenvolvimento cognitivo a ele. Hoje não existe mais isso. Meninos de 10 anos têm os melhores gramados, as melhores bolas e chuteiras. Isso tira a sensibilidade. Exclui também as dificuldades encontradas na rua. Com isso, jogadores com 17 ou 18 anos já não têm aquelas habilidades como antigamente.

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