Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quinta-feira, janeiro 31, 2013

Mariano Moreno, diretor da escola de técnicos da Espanha

“Atentem para o texto a seguir. Ninguém vai ensinar o pulo do gato, mas com esforço podemos inferir algumas das artimanhas do esperto bichano.” (Benê Lima)
"Estamos à frente porque aprendemos a trabalhar com os jovens", aponta
Guilherme Yoshida
 

Quando conversamos com Mariano Moreno entendemos o porquê de dois treinadores espanhóis terem sido eleitos os melhores do mundo por duas temporadas seguidas (Pep Guardiola, em 2012, e Vicente del Bosque, neste ano).

O diretor técnico da Escola Nacional de Treinadores da Federação Espanhola de Futebol sabe exatamente as razões para a Espanha ter conseguido este destaque na área do treinamento e da gestão de assuntos relacionados ao campo nos últimos anos.

"Formamos treinadores desde 1944. Além disso, aprendemos a trabalhar melhor com os jovens no futebol. As categorias de base espanholas são melhores que de outros países. Utilizamos mais trabalhos com bola, mais fundamentos técnicos, enfim, temos trabalhado muito melhor. E, isso influencia na qualidade da formação de um treinador", justificou ele, em entrevista exclusiva à Universidade do Futebol, durante um curso de que participou no clube Audax, em São Paulo.

Moreno foi jogador de futebol durante os anos de 1955 a 1966. Após a aposentadoria, não fugiu à regra e tornou-se treinador, atuando em clubes como Atlético de Madrid, Sporting de Gijón, Celta de Vigo, Tenerife e Cadiz.

Mas, para o atual dirigente europeu, o ritual desta passagem de comandado para comandante só foi possível por que na Espanha exige-se um aprendizado contínuo para o exercício da profissão de técnico.

"Na Espanha, exige-se que os treinadores que atuam em equipes profissionais façam um curso de reciclagem a cada três anos. Eles têm de renovar o diploma com uma jornada de atualização. Se eles não fizerem isso, eles perdem sua certificação. Por que a cada Copa do Mundo, a cada Copa América ou Eurocopa, sempre há alguma ligeira variação ou evolução do futebol e o técnico tem de estar ciente disso. Quando um treinador encerra sua formação, ele pensa que sabe tudo e isso é muito ruim", afirmou.

Mariano Moreno, que ainda foi diretor de futebol do Barcelona de 1988 a 1992 e, desde então, trabalha na federação espanhola e também é instrutor técnico na Fifa e Uefa, apontou também que a padronização do trabalho de formação de técnicos em todo o território espanhol contribuiu muito para este avanço.

Isso porque, em toda a Espanha, a formação para atuar como treinador é a mesma: no primeiro nível, são formados profissionais para treinamentos com crianças até o juvenil; o segundo é voltado para dirigir equipes amadoras, enquanto a terceira etapa é para trabalhar no futebol profissional, da primeira ou segunda divisão. E a ideia da Uefa, segundo ele, é unificar os conteúdos em toda a Europa.

Nesta entrevista, Mariano Moreno ainda falou de metodologias, futebol brasileiro e por que um técnico de futebol precisa ter uma grande capacidade de liderança. Confira:

Universidade do Futebol – Como funciona o trabalho da escola em relação à formação de treinadores de futebol? Como é a grade curricular, duração e qual a abordagem e a metodologia ensinada?

Mariano Moreno – Na Espanha, o trabalho de formação de treinadores de futebol existe há muito tempo. O primeiro curso com este perfil foi realizado na Espanha em 1944. Naquela época, as aulas eram voltadas mais para profissionais que queriam atuar com crianças e realizar trabalhos de formação. Já a formação para técnicos da categoria profissional, o primeiro curso aconteceu entre 1948 e 1949.

E a formação de treinadores na Espanha, desde aquele tempo, aconteceu ininterruptamente e sempre em três níveis. No primeiro nível, são formados profissionais para treinamentos com crianças até o juvenil; o segundo é voltado para dirigir equipes amadoras, enquanto o terceiro nível é para trabalhar no futebol profissional, da primeira ou segunda divisão. Então, desde 1944, a escola nacional forma treinadores sem interrupções. Todos os anos se formaram treinadores de lá para cá. Além da escola nacional, que pertence à Federação Espanhola de Futebol, existe também uma escola em cada federação regional.

São 22 federações regionais que possuem um curso certificado de formação de técnicos. Todas com o mesmo conteúdo da escola nacional: aulas de técnica, tática, preparação física, organização de futebol, todos os programas são os mesmos. Qualquer que seja o nível, primeiro, segundo ou terceiro, é o mesmo em toda a Espanha. Não há diferenças. E cada nível dura cerca de um ano.

 

Mariano Moreno revela que atualmente profissionais de outros países vão à Espanha saber como se formam técnicos
 

Universidade do Futebol – Mas sr. Mariano, quem definiu estes conteúdos na Escola Nacional de Treinadores da Federação Espanhola de Futebol?

Mariano Moreno – Os conteúdos de futebol, de tática, de técnica, de estratégia, de preparação física, de metodologia, são os professores da Escola Nacional de Treinadores da Federação Espanhola de Futebol que definem. A cada quatro ou cinco anos, fazemos uma atualização dos programas das aulas. Agora, sempre buscamos trabalhar para melhorar os conteúdos ao longo dos anos.

Atualmente, em cada nível, há dez matérias. Há áreas importantes como as aulas de fundamentos técnicos, táticos, estratégicos, sistemas de jogo; é muito importante também a de preparação física específica, de metodologia, e agora temos também no curso uma abordagem sobre sociologia, regras de jogo e uma nova parte que criamos para conhecimentos de inglês e de informática.

 

Diretor técnico da Escola Nacional de Treinadores da federação espanhola esteve no Brasil para participar de um curso no Audax, em São Paulo
 

Universidade do Futebol – Baseado em quais necessidades essenciais foi desenvolvida a grade curricular para a formação de treinadores de futebol na Espanha?

Mariano Moreno – Os conteúdos da formação de técnicos são muitos lógicos e claros. São conteúdos relacionados ao futebol. Agora, inclusive, teremos um curso específico de formação de treinadores para o futsal. Bem diferente obviamente. Mas, então, para os alunos do nível um, por exemplo, são desenvolvidas aulas para quem for trabalhar com o futebol para crianças, desde oito anos até 18. E assim por diante. No nível dois ou três, é a mesma coisa, mudando apenas a profundidade e a complexidade do curso.

Cada curso também tem um livro. Na primeira etapa, por exemplo, voltado para a iniciação, os conteúdos são basicamente divididos em 50% teoria e 50% prática. No entanto, nos níveis dois e três, as aulas são 30% de teoria e 70% de prática. São oferecidos mais trabalhos de campo nestas últimas fases do curso. Portanto, a grade curricular varia de acordo com as necessidades de cada nível.

 

Para Mariano Moreno, as categorias de base espanholas são melhores que de outros países
 

Universidade do Futebol – Mas, em relação à metodologia utilizada nos cursos da Escola Nacional de Treinadores da Federação Espanhola de Futebol, ela segue a mesma linha que Paco Seirul-lo trabalha no Barcelona?

Mariano Moreno – Sim, seguimos. Mas, lembrando que Paco Seirul-lo é um preparador físico, que tem a especialidade em treinamentos físicos. Não é técnico de futebol. Ele trabalha no Barcelona como preparador físico. Já um treinador de futebol tem de dominar o todo: a parte técnica, a parte tática, sistemas de jogo, a preparação física, o treinamento, a psicologia, a metodologia, entre outras. São dez conteúdos diferentes que fazem parte da formação de um técnico em cada nível.

Universidade do Futebol – Sim, compreendo. Mas, é por que gostaríamos de saber um pouco mais sobre o conceito que a Federação Espanhola de Futebol opta por implantar no seu curso de formação...

Mariano Moreno – Sim, sim. A escola nacional é um departamento muito importante para a federação. Estou como diretor há 22 anos e como professor ainda mais tempo. E, em todo este período, sempre tive e ainda tenho uma preocupação e uma inquietude com o conceito para melhorar a formação dos técnicos.

Com o tempo, o futebol vai mudando, vai revolucionando, e a formação dos treinadores também. Um técnico de futebol tem de estar antenado com o que está acontecendo hoje em dia. Na Espanha, exige-se que os treinadores que tenham a formação profissional, do nível três, façam um curso de reciclagem a cada três anos. Eles têm de renovar o diploma com uma jornada de atualização. Se eles não fizerem isso, eles perdem sua certificação. Por que a cada Copa do Mundo, a cada Copa América ou Eurocopa, sempre há alguma ligeira variação ou evolução do futebol e o técnico tem de estar ciente disso. Quando um treinador encerra sua formação, ele pensa que sabe tudo e isso é muito ruim.

 

Na eleição da Fifa dos dois últimos anos, os vencedores foram treinadores espanhóis: Vicente del Bosque, da seleção espanhola, e Guardiola, agora no Bayern de Munique
 

Universidade do Futebol – Há alguma regulamentação na Espanha para se trabalhar como técnico de futebol?

Mariano Moreno – Para iniciar o curso de técnico do nível um da Escola Nacional de Treinadores, o interessado tem de ter, no mínimo, o ensino médio completo. E, na Espanha, o governo reconhece esta formação de técnico de futebol como uma profissão.

Mesmo assim, o profissional, após formar-se, pode continuar estudando e ingressar em uma universidade. Pode ser uma licenciatura ou graduação em Educação Física, por exemplo, pois o governo tem comprovado que o curso é bom, reconhecendo a formação e dando acesso, aos técnicos de níveis três, para chegar às universidades. Mas, uma coisa: na Espanha, não se pode trabalhar como técnico se não tiver diploma de treinador.

Universidade do Futebol – Quais as semelhanças e especificidades que esta grade curricular (programa de conteúdos) tem se comparado com as grades curriculares para formação de treinadores na Inglaterra, Itália, Alemanha e outros países europeus que têm uma tradição na formação de treinadores?

Mariano Moreno – Boa pergunta, pois a Uefa está trabalhando muito nesta parte de unificar a formação de técnicos de futebol na Europa. E a Espanha é um país que a Uefa reconhece que o trabalho de formação é bom. Na verdade, há um reconhecimento da entidade por programas de seis países da Europa: Alemanha, França, Itália, Holanda, Dinamarca e Espanha. Então, há um reconhecimento por todas as titulações feitas na Espanha, que tem trabalhado muito também para igualar o trabalho de formação de treinador em toda a Europa.

Hoje em dia, no curso da Uefa, há os níveis um, dois e três, igual ao que é oferecido na Espanha. Os conteúdos são similares, o que muda são o idioma e um pouco da mentalidade. Porém, tanto a formação da Uefa quanto à da Espanha, por exemplo, vale para toda a Europa. Os cursos são reconhecidos em 53 países do continente europeu.

 

Para manejar um grupo de 22 ou 24 atletas, a liderança é muito importante para um treinador, aponta Mariano Moreno
 

Universidade do Futebol – A escola forma mais professores ou treinadores? Qual a proposta pedagógica do curso?

Mariano Moreno – Os dois. Porque todo treinador tem de ser um pouco professor. Tem de saber ensinar, transmitir o conhecimento. Então, sempre procuramos formar o profissional com estes dois perfis. Porém, nós formamos profissionais que acabam atuando somente como professor. Porque, por exemplo, para se dar uma aula de fundamentos da área de Medicina é necessário ser um médico ou doutor, para dar aula de Psicologia é preciso ser licenciado em Psicologia, para dar Pedagogia há que ser diplomado em Pedagogia.

Então, para dar técnica, tática, preparação física, regras de jogo, tem de ter o diploma do nível três da escola nacional de treinador. Não pode ser professor com a formação apenas do nível dois. Para falar de sistemas de jogo, estratégia, enfim, tem de ser técnico formado para atuar no futebol profissional. Se não, ele não pode atuar como professor também.

Universidade do Futebol  Qual a importância que a escola dá à liderança em relação aos demais conhecimentos técnicos dos treinadores?

Mariano Moreno – Muito, porque um técnico de futebol tem de ser um líder. Tem de ser líder. A liderança é bastante abordada nas salas de aulas do curso. Um treinador precisa lidar com diretores de clubes, elenco, imprensa, enfim, precisa saber fazer com que todas essas pessoas que o cercam acreditem e confiem nele.

Então, para manejar um grupo de 22 ou 24 atletas, a liderança é muito importante. No entanto, depende um pouco da personalidade de cada um, há treinador que é mais líder, o outro é menos. Mas, para ser um bom treinador, é preciso ter uma grande capacidade de liderança.

 

Mariano Moreno conta que, no nível um do curso, que é voltado para a iniciação, os conteúdos são divididos em 50% teoria e 50% prática. Nos níveis dois e três do prgrama, as aulas são 30% de teoria e 70% de prática
 

Universidade do Futebol – Você acredita que a Espanha, atualmente, está à frente dos demais países em relação à formação de técnicos de futebol? Por quê?

Mariano Moreno – Sim, porque formamos treinadores desde 1944. É muito tempo. E todos os anos, desde então, sempre há uma nova geração de técnicos formados. Além disso, também fizemos muito intercâmbio com outros países para ampliar o nosso conhecimento. E agora, profissionais de outros países vêm à Espanha saber como formamos técnicos. Então, o trabalho de formação de treinadores na Espanha é muito bom.

Universidade do Futebol – Mas, sr. Mariano, apesar de historicamente a Espanha sempre ter formado bons treinadores, você não acredita que houve uma evolução neste aspecto mais acentuada nos últimos anos em relação ao que foi no passado mais distante?

Mariano Moreno – Sim, também acho. Mas, sabe por quê? Porque aprendemos a trabalhar melhor com os jovens no futebol. As categorias de base espanholas são melhores que de outros países. Utilizamos mais trabalhos com bola, mais fundamentos técnicos, enfim, temos trabalhado muito melhor. E isso influencia na qualidade da formação de um treinador.

 

Diretor espanhol aponta que na Espanha, hoje em dia, há jogadores jovens com qualidades que antes não havia

 

Universidade do Futebol – O que o senhor acha do futebol brasileiro atual?

Mariano Moreno – É o melhor futebol do mundo. Não há dúvidas. Há outras equipes, outros países, como Argentina, Alemanha, Espanha, que também têm futebol de qualidade. Mas, o melhor de todos é o Brasil. O jogador brasileiro tem muita qualidade e, onde há bons jogadores, há bom futebol. Hoje, na Espanha, há jogadores jovens com qualidades nas seleções sub-16, sub-17 e sub-19. Então, nós treinadores espanhóis, estamos tranquilos também.

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