Na vigência dos artigos 11 e 12, da Lei no 6.354, de 02.09.1976, os clubes de futebol possuíam um ativo de elevadíssimo valor econômico, que era o passe de seus atletas profissionais de futebol. Mas, a partir da revogação dos referidos dispositivos legais, os clubes, que não haviam se preparado para a nova realidade jurídica, passaram a sofrer uma enorme gama de problemas, dentre eles o mais importante era o financeiro.
Portanto, no final de cada período, já não se podia lançar mão dos passes dos seus atletas para cobrir o déficit de caixa construído ao longo da temporada. A situação financeira agravou-se ainda mais, pois, com o encerramento dos contratos de trabalho os atletas estavam livres para contratarem com quem melhor lhe aprouvesse.
Com o passar do tempo a situação foi se organizando, e, nesta organização, começaram a surgir situações jurídicas que merecem uma reflexão. E uma destas situações que eu reputo importante é o fatiamento do valor correspondente ao vínculo desportivo do atleta profissional de futebol.
É comum as negociações financeiras sobre o vínculo desportivo dos atletas, ficando parte dos direitos financeiros para os clube de futebol, enquanto que o restante fica com o empresário do referido atleta e o investidor fica com o restante.
Mas existe uma outra situação em que são firmados contratos pelos quais os atletas cedem parte de seus vínculos desportivos para os clubes mediante o pagamento de uma determinada importância, em profunda e grave agressão a norma jurídica. E é exatamente sobre este ponto que eu quero discutir.
Ora, o passe já não mais existe, pois está revogado desde o dia 26.03.2001, conforme determina o artigo 93, da Lei 9.615/98, o qual dispõe que “o disposto no art. 28, § 2o, desta Lei somente produzirá efeitos jurídicos a partir de 26 de março de 2001, respeitados os direitos adquiridos decorrentes dos contratos de trabalho e vínculos desportivos de atletas profissionais pactuados com base na legislação anterior”.
Por outro lado, dispõe o artigo 28, da Lei 9.615/98, que “a atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral”.
No complemento, o parágrafo segundo do mesmo dispositivo legal dispõe que “o vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais”.
Observando o que determina a norma legal chega-se a uma fácil conclusão de que tais negociações não têm nenhum amparo legal. Pois, como é que alguém pode ceder algo que não lhe pertence?
É isso mesmo, os atletas cedem algo que não lhes pertence. O parágrafo segundo do artigo 28, da Lei 9.615/98, é claro ao afirmar que “o vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista”. E, nesta condição, a partir do momento em que o contrato de trabalho é firmado com o clube, o vínculo desportivo do atleta passa a pertencer integralmente ao clube, assim permanecendo durante a vigência do contrato de trabalho.
Pode até ocorrer o contrário, ou seja, que o clube ceda ao atleta o direito de receber uma determinada importância sobre o valor eventualmente a ser recebido numa futura negociação que envolva a sua transferência para outro clube, o que é válido e até facilita uma negociação entre as partes.
Mas neste caso, quem cede é o clube e, como tal, ele está cedendo um direito que legitimamente lhe pertence. Mas jamais se admite o contrário, por afrontar a norma jurídica que regulamenta as relações de trabalho entre os clubes de futebol e os atletas que compõem o seu quadro de profissionais.
*João Bosco Luz de Morais é membro do IBDD, advogado especialista em direito civil e processual civil, doutorando pela Universidad de Buenos Aires, Procurador do STJD do Futebol, Auditor do STJD do Basketball, Professor do Uni-Anhanguera (Goiânia – Go) e Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB-GO.
Revisão: Benê Lima
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