Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, janeiro 23, 2010

Mario André Mazzuco, coordenador das categorias de base do Coritiba
Profissional fala sobre sua área de atuação e 'projeto coxa' para o desenvolvimento de talentos
Bruno Camarão

Em 2009, o Coritiba Football Club completou 100 anos de história. Mas pouco teve a comemorar em termos de desempenho do seu carro-chefe: o futebol profissional. Rebaixado para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro, o clube paranaense terá de novamente passar por uma reestruturação em campo. E esta será amparada pelas próprias categorias de base.

“Estamos enfrentando um novo momento em 2010 e temos que manter os pés no chão nessa hora. O Coritiba faz um ótimo trabalho nas suas categorias de base e tem revelado bons jogadores que hoje são conhecidos mundialmente, como o Rafinha (Shalke 04), o Henrique (Barcelona) e o Keirrison (Barcelona), por exemplo”, citou o treinador da equipe principal, o mineiro Ney Franco.

“Acompanhei no ano passado os atletas da base e gostei muito do que vi. Agora, eles vão ter a oportunidade de mostrar seu trabalho nos profissionais e tenho certeza que irão nos ajudar muito nesta temporada”, completou, explicitando parte do planejamento do departamento de futebol coxa-branca, que terá pela frente o Estadual, no primeiro semestre, e a Série B, na sequência.

À frente da coordenação da base está Mario André Mazzuco. Com uma experiência de oito anos de trabalho no Paraná Clube, um dos principais rivais do Coritiba, de quem recebeu as primeiras oportunidades, Mazzuco é um daqueles profissionais “criados” na esfera acadêmica.

Coxa-Branca de coração, como sempre gostou de deixar claro, Mazzuco é preparador físico de profissão e tem na formação de jogadores a sua principal virtude. Atuou com atletas de todas as idades, além de uma passagem no futebol profissional.

Formado em Educação Física, com especialização em Treinamento Desportivo, Mestrado em Fisiologia da Performance (ambos pela UFPR), Mazzuco atualmente faz seu doutorado na área de Formação e Desenvolvimento de Atletas no Desporto Jovem, pela Universidade de Coimbra, em Portugal.

Nesta entrevista à Universidade do Futebol, dentre outros temas, ele fala sobre a estrutura de trabalho na qual está inserido, os projetos para detecção de talento alviverdes e de que forma é composto o staff técnico das categorias menores.

“Quando há necessidade de contratação, analisamos currículos, contatamos referências e fazemos entrevista, pois além da experiência e currículo, precisamos sempre de profissionais com o perfil apropriado. Além de formar atletas, temos como missão na categoria de base formar os futuros profissionais do Coritiba Foot Ball Club”, explicou Mazzuco, de 31 anos – um dos mais jovens coordenadores técnicos dentre as principais agremiações brasileiras.

Universidade do Futebol - Sua formação é de educador físico, com pós-graduação em Treinamento Desportivo e mestrado em Fisiologia do Exercício. De que forma esse suporte profissional o credencia para atuar integradamente com outras esferas do departamento de futebol coxa-branca?

Mario André Mazzuco - Acredito sempre que a formação acadêmica torna-se cada dia mais importante, primeiro para aquisição de conhecimentos multidisciplinares (no meu caso, relacionados ao futebol e a todas as suas características), e depois para manter-se atualizado na esfera científica, pois cada vez mais o futebol requer a união da ciência com a prática para se produzir bons resultados.

Sempre trabalhei como preparador físico antes de me tornar coordenador das categorias de base, e a experiência com o dia-a-dia dentro do campo também foi fundamental para uma experiência mais ampla com o intuito de buscar o melhor trabalho possível para esse novo projeto no Coritiba.

Universidade do Futebol - Você é doutorando em Desporto Jovem pela Universidade de Coimbra. Qual o diferencial da formação acadêmica de Portugal em relação à pedagogia adaptada às práticas esportivas?

Mario André Mazzuco - Portugal é um país excelente no que diz respeito à ciência. Estuda-se muito, pesquisa-se muito, e por ser um país europeu, a facilidade de contato com outros grandes centros é um grande diferencial nas pesquisas realizadas na área do desporto em geral.

Além disso, futebol é um assunto de extremo interesse no país, e é lá que está localizado um dos maiores focos de estudos relacionados ao desenvolvimento de jovens atletas, e trabalhos relacionados à maturação e desempenho, tema este que deve ser explorado dentro de um planejamento de formação de atletas.



Um dos mais jovens coordenadores técnicos dentre os principais clubes do país, Mazzuco acumula passagem profissional por rival do Coritiba

Universidade do Futebol - Como é feito o acompanhamento escolar dos atletas das categorias de base do Coritiba? Quem faz este controle?

Mario André Mazzuco - Todos os atletas são obrigados a estudar, até porque, além de formar o atleta de futebol, temos que nos preocupar em formar o futuro cidadão, sabendo que o funil do esporte é muito severo, e que são poucos os atletas que conseguem ascender ao profissional em condições de tornar-se um jogador de elite.

Possuímos uma equipe de apoio, além de parcerias com escolas municipais públicas e privadas, nas quais temos acesso direto. Este trabalho é feito por nossa pedagoga e também por nossa assistente social - profissionais contratadas pelo clube.

Universidade do Futebol - Quantos e quais profissionais trabalham nas diferentes categorias de base do clube?

Mario André Mazzuco – Hoje, contamos com um quadro funcional de aproximadamente 50 pessoas, englobando desde coordenação, diretoria, comissões técnicas e equipe de apoio (médicos, fisioterapeutas, nutricionista, fisiologista, pedagoga, assistente social, assessor de imprensa etc.)

Universidade do Futebol - O trabalho realizado pelas comissões técnicas é interdisciplinar? Como se dá a interação entre as diferentes áreas pedagógicas e científicas?

Mario André Mazzuco - Além de interdisciplinar - entendemos que seja um trabalho interativo entre todas as áreas -, nos preocupamos em realizar um trabalho multidisciplinar, onde todas as áreas são integradas ao mesmo tempo em um trabalho contínuo. Por exemplo, enquanto trabalham-se os aspectos físico-técnicos, são realizadas atividades que também envolvem a inteligência tática e emocional, dentre outros aspectos.

Todo o planejamento é feito em conjunto com os profissionais das várias áreas. Não se faz, por exemplo, um planejamento da parte física sem integrar a nutrição e a fisiologia dentro desta estratégia.

Universidade do Futebol - Vocês discutem a situação de cada atleta individualmente, ou só analisam o seu desempenho no conjunto do grupo ou ainda quando há algum tipo de problema?

Mario André Mazzuco - Os atletas são acompanhados diariamente por todos os setores. Estamos em fase final de implantação de um sistema integrado online, no qual qualquer profissional poderá consultar tudo o que aconteceu com determinado atleta durante o dia.

Essa ferramenta irá nos facilitar ainda mais o controle de treinamento de cada atleta, permitindo-nos fazer qualquer intervenção dentro do menor tempo possível. O histórico do atleta é fundamental para podermos entender seu desenvolvimento, suas dificuldades e sucessos.


Universidade do Futebol - Como é o trabalho de detecção de talentos feito pelo Coritiba? Vocês contam com muitos observadores distribuídos pelo Brasil ou só na região de Curitiba?

Mario André Mazzuco - Trabalhamos hoje em quatro frentes: temos um Sistema de Seleção de Talentos que funciona dentro do clube, com a função de receber atletas para serem avaliados; temos nosso Departamento de Scout, em que os profissionais (observadores técnicos) que nele trabalham vão em busca de atletas, e de informações que nos permitam acompanhar o desenvolvimento de atletas que ainda não estão no clube; temos ainda diversas parcerias com observadores técnicos e centros de formação de Atletas espalhados por todo o país, com os quais temos um contato direto buscando atletas para nosso clube; e por último, nossa rede de Escolas COXA, as quais funcionam também como Centros de Formação de Atletas, e onde captamos atletas de destaque que estejam jogando nestas escolas, também espalhadas por várias regiões do país.

Universidade do Futebol - Há uma linha metodológica padrão no trabalho realizado por todas as comissões técnicas do clube? Como é feito o acompanhamento?

Mario André Mazzuco - Temos um trabalho integrado, no qual todas as comissões técnicas trabalham em conjunto, ou seja, todas acompanham o trabalho de todos. Nossa comissão do Juniores sabe-se o que está acontecendo no Mirim, e vice-versa. Todo este trabalho é orientado e coordenado por nossa equipe de coordenação das categorias de base.

Isto permite que tenhamos uma continuidade no trabalho quando os atletas passam de uma categoria para outra, evitando um trauma comum quando este muda de categoria, deparando-se com trabalhos muito distintos. Dessa maneira, conseguimos uma continuidade na formação do atleta, desde o Mirim até o Profissional.

Universidade do Futebol – Já que você citou as Escolas COXA, projeto voltado à captação de atletas e divulgação da imagem do Coritiba, lançado no ano passado, explique um pouco mais sobre a iniciativa e os resultados já perceptíveis.

Mario André Mazzuco - As Escolas COXA foram criadas para divulgar a marca do clube, aproximar mais futuros torcedores em potencial, e criar nossos próprios Centros de Formação de Atletas para a captação de futuros talentos. O Coritiba, pelo nome que tem, deve trabalhar em cima de um projeto como este, pois os benefícios diretos e indiretos são muito importantes.

Hoje já contamos com 15 unidades, seja em Curitiba, dentro e fora do estado do Paraná, e pretendemos dobrar este número em 2010.



Escolas COXA estão espalhadas em 15 unidades, inclusive fora do Estado do Paraná: alvo é divulgar imagem do clube e descobrir novos talentos

Universidade do Futebol - Você comentou que o próximo passo seria iniciar um trabalho de expansão do número de escolinhas, algo que iria conferir também um bom reflexo institucional para o clube. Esse passo já foi dado?

Mario André Mazzuco - Já foi dado, sim. As Escolas COXA são coordenadas pela nossa própria Coordenação da Base, e hoje contamos com um profissional contratado só para dar o apoio e o suporte técnico e administrativo necessário para cada Escola, o que se torna um diferencial em nosso projeto.

As unidades são acompanhadas de perto mensalmente, e isto também dá uma segurança aos nossos licenciados, pois assim conseguimos manter o nível de qualidade do trabalho realizado por cada escola. Com isso, temos um aumento potencial previsto para este ano, com toda a certeza.

Universidade do Futebol – Quais os critérios utilizados pelo Coritiba e como funciona o processo seletivo para a contratação de treinadores para as categorias de base do clube (ex-jogadores, formação em Educação Física, indicação, processo seletivo etc.)?

Mario André Mazzuco - Temos hoje uma equipe de extrema qualidade em nossas comissões técnicas. Buscamos profissionais com formação acadêmica e que tenham também uma experiência prática dentro do futebol. Aliar a formação com a experiência é a fórmula ideal.

Nas categorias iniciais (Mirim - sub 11 e Pré-Infantil - sub 13), contamos com professores de Educação Física, visto que o trabalho nesta idade deve priorizar quase que na totalidade a parte técnica de formação, além de outras características motoras que um profissional da área está bem preparado para orientar.

Quando há necessidade de contratação, analisamos currículos, contatamos referências e fazemos entrevista, pois além da experiência e currículo, precisamos sempre de profissionais com o perfil apropriado. Além de formar atletas, temos como missão na categoria de base formar os futuros profissionais do Coritiba Foot Ball Club.

Universidade do Futebol - Alguns clubes investem nas categorias de base para a formação de jogadores - para a equipe profissional ou para transferência a outros clubes. Outros têm esse discurso, mas na prática mantêm todas as energias para vencer as competições que disputam, muitas vezes mascarando a intenção através desse discurso. Como isso funciona no Coritiba?

Mario André Mazzuco - Sempre dizemos que o mais importante nas categorias de base é formar jogadores e revelar talentos. Por outro lado, formar gerações e equipes vencedoras é ainda melhor. No nosso ponto de vista, se você tem uma equipe de qualidade, naturalmente poderá chegar aos títulos. O mais importante é ter a consciência do trabalho que é realizado, sabendo trabalhar com as características de cada jogador, preservando aqueles que são atrasados no aspecto maturacional, mas que possuem qualidades técnicas de grande potencial, dentre outras situações.

Temos o que chamamos de Projeto Incubadora de Talentos, no qual diversos atletas que ainda não têm porte físico adequado para suportar a carga de jogo de determinadas categorias, mas que são extremamente habilidosos, são mantidos em trabalhos à parte até atingirem seu mais alto nível maturacional.

Com isso, preservamos jogadores de qualidade e damos o tempo necessário para seu desenvolvimento, evitando assim perdê-los por priorizar aspectos físicos, e que, nas categorias de base, muitas vezes fazem a diferença na conquista de títulos.


"Se você tem uma equipe de qualidade, naturalmente poderá chegar aos títulos", crê Mazzuco, sobre desempenho das categorias de base

Universidade do Futebol - Como é feito o treinamento de força para os atletas das categorias de base? Quais os cuidados que são tomados de acordo com as diferentes faixas etárias?

Mario André Mazzuco - Finalizamos agora uma sala de musculação exclusiva para as categorias de base, com equipamentos de ponta. Contamos com um fisiologista que faz o controle de treino também da musculação, além da orientação dos preparadores físicos.

O trabalho de força é feito desde a categoria Mirim, mas para esta categoria e também para a sub-13 (Pré-Infantil), não se utilizam aparelhos de musculação, somente o próprio peso do corpo dos atletas, com atividades diversas.

A partir da categoria Infantil (sub-15), é iniciado um trabalho que chamamos de musculação postural, em que os atletas realizam exercícios de correção postural - até porque é a fase do estirão do crescimento -, e também de resistência muscular nos aparelhos e pesos livres, com o objetivo de adaptação para um futuro trabalho de força propriamente dita, que somente é realizado a partir da categoria Juvenil (sub-17).

Universidade do Futebol - A análise do jogo, com o acompanhamento de dados, pode ser utilizada como uma ferramenta pedagógica na iniciação ao futebol? Ou ela só é válida a partir de certa idade? Como o Coritiba trabalha este aspecto?

Mario André Mazzuco - O scout é uma ferramenta muito interessante. A partir do momento que se cria esta cultura entre os atletas de base, eles mesmos passam a cobrar o resultado, para saber como anda o desempenho técnico durante os jogos. Mas mais do que isso, a análise de jogo serve também como referência para a montagem dos treinamentos durante a semana, detectando pontos falhos que precisam ser mais bem trabalhados no intuito de melhorar o desempenho individual e coletivo.

Nas categorias menores, utiliza-se pedagogicamente até para o aprendizado técnico das habilidades do futebol. Na medida em que as categorias aproximam-se do departamento de futebol profissional, o scout é utilizado mais estrategicamente para objetivos não só técnicos, mas da mesma forma para as variáveis físicas e táticas.

Universidade do Futebol - Como você vê o trabalho voltado à base e ao projeto social nas outras agremiações brasileiras? É possível se traçar um paralelo com o que ocorre nas principais forças européias, e quais são as particularidades?

Mario André Mazzuco - O futebol brasileiro está em uma fase de aprimoramento e evolução em matéria de futebol de base. Aliar o trabalho com projetos sociais também é um grande passo na captação e formação de atletas. Acredito que os clubes estão muito mais conscientes da importância do trabalho de base para a continuidade no futebol profissional.

Hoje, a necessidade de profissionais mais preparados, e com uma formação acadêmica adequada para coordenar estes departamentos, é uma mostra de que o futebol de nosso país tende a ser conhecido não só como o maior fornecedor de "matéria-prima" para o futebol do mundo, mas também como um dos melhores produtores através de trabalhos nas categorias de base que possam ser referências mundiais em um futuro próximo.

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