Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

domingo, janeiro 03, 2010

Fair Play para a gestão do futebol
O modelo brasileiro precisa se reinventar financeiramente. Assim como o europeu, buscar novas fontes de receita e melhorar a qualidade do espetáculo, bem como a dos seus palcos
Amir Somoggi

A recente decisão da Uefa em conjunto com outros organismos de administração do futebol europeu de instituir o conceito de Fair Play Financeiro na gestão dos clubes é uma atitude extremamente necessária para o mercado global. Isso porque toda regulamentação no Velho Continente se reflete diretamente em todo o mundo.

O Fair Play Financeiro, que entra em vigor em 2012, é um conjunto de normas cujo objetivo é garantir a saúde financeira dos clubes e tornar viável o esporte em longo prazo. A regra principal é simples: os clubes não devem gastar mais do que ganham. O controle será feito por meio de auditoria e o descumprimento das regras ocasionará punições severas.

As novas diretrizes representam uma evolução do sistema de licenciamento criado pela entidade máxima do futebol europeu, com uma série de exigências para os clubes participantes das competições naquele continente. O desenvolvimento comercial do futebol transformou os grandes clubes da Europa em verdadeiras potências no que tange geração de receitas, com seus estádios, contratos de mídia e receitas de marketing.

Por outro lado, este desenvolvimento não foi acompanhado necessariamente por uma gestão austera e equilibrada, o que resultou em grandes dívidas criadas no período de prosperidade. Os países mais afetados foram Inglaterra, Itália e Espanha. A decisão da Uefa de criar uma rígida regulação do montante disponibilizado pelos clubes no pagamento de salários e contratações pode promover o desenvolvimento sustentável e equilibrado do futebol europeu nos próximos anos.

A Premier League da Inglaterra, principal Liga do futebol europeu, é um dos exemplos mais emblemáticos da realidade atual. Os vinte clubes participantes atingiram o maior faturamento de sua história na temporada 2007/2008, um total de £1,9 bilhão (R$ 5,5 bi). Uma evolução de 316% nos últimos doze anos. Neste período, os gastos salariais dos clubes apresentaram crescimento de 368%, atingindo £ 1,2 bilhão (R$ 3,5 bi). As dívidas chegam a £ 3,1 bilhões (R$ 8,9 bi).

Pelas cifras praticadas e divulgadas, fica claro que os clubes produzem cada vez mais receitas, mas pela falta de regulação do mercado e deficiências de gestão, disponibilizam volumes cada vez mais altos para o pagamento de salários e contratações. Tal realidade tem se mostrado um risco muito grande para a saúde financeira dos próprios clubes e do futebol europeu como um todo. Por isso, será repensado com a adoção do Fair Play Financeiro.

Um bom exemplo para ilustrar o modelo de administração adotado por alguns grandes clubes é o Chelsea, clube londrino de propriedade, desde 2003, do magnata russo Roman Abramovich. O novo dono, desde a compra, focou a administração na construção de um negócio extremamente atrativo, produzindo cada vez mais receitas, disputando muito bem as importantes competições e conquistando fãs em todas as partes do planeta. Na temporada 2007/2008, o clube de Stamford Bridge apresentou receitas de £ 213 milhões (R$ 617 milhões), uma evolução de 128% em comparação com a temporada 2001/2002.

Por outro lado, a expansão do negócio do clube foi fundamentada em pesados investimentos na contratação de grandes ídolos. O problema é que eles chegaram com salários cada vez mais elevados, o que resultou em uma ampliação constante das despesas do clube e, como consequência, elevados prejuízos a cada temporada. O déficit acumulado do clube superou £450 milhões (R$1, 4 milhão), sendo que os últimos quatro exercícios foram responsáveis por cerca de 80% do total.

Analisando os dados financeiros históricos do Chelsea entre 2002 e 2008, fica claro que a evolução da receita do clube foi insuficiente para equilibrar a sua gestão, fazendo com que seu proprietário fosse obrigado a injetar cada vez mais recursos para manter sua operação.


Chelsea - Dados Financeiros em 2002 e 2008 (Em £ milhões)





Nos últimos sete anos, as receitas do clube se ampliaram em 128%, enquanto a dívida líquida cresceu 769%, atingindo £ 711 milhões na temporada 2007/2008. Isso prova que, embora o clube tenha se tornando um dos mais importantes players do futebol europeu, sua gestão apresenta um desequilíbrio financeiro e não é viável em uma perspectiva de longo prazo. Um clube não pode depender única e exclusivamente da injeção de novos recursos por seu controlador. Pela lógica, este processo não se sustenta em longo prazo.

Assim, os números financeiros do Chlesea exemplificam claramente os motivos que levaram a Uefa a aprovar o Fair Play Financeiro, regulação que pode não apenas trazer equilíbrio esportivo entre os clubes europeus, mas também uma perspectiva financeira mais saudável para a gestão do futebol na Europa. Certamente um controle mais rígido sobre as finanças dos times resultará em um crescimento sustentado da indústria, por meio da disciplina orçamentária.

Para o mercado brasileiro, as discussões em torno da adaptação do conceito de Fair Play Financeiro são muito bem vindas, uma vez que a situação atual de nossos clubes demanda uma ampla reestruturação, que deve ir além do controle de gastos e receitas. Em poucas palavras, o futebol brasileiro precisa se reinventar financeiramente. Assim como o europeu, buscar novas fontes de receita e melhorar a qualidade do espetáculo, bem como a dos seus palcos. Mas esta discussão está apenas no início. Este novo ambiente pode ser decisivo no crescimento equilibrado da indústria do futebol no Brasil, que já será impactado positivamente pela realização da Copa do Mundo em 2014.


*Amir Somoggi é diretor da Crowe Horwath RCS e especialista em gestão e marketing no esporte


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Benê Lima