Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

segunda-feira, janeiro 04, 2010

A lingua discutida

Acordo ortográfico? preparem-se para uma reforma ortográfica

João José Cardoso

Esta estória do acordo ortográfico devia servir para se pensar na história da nossa língua escrita. Quando os documentos se copiavam à mão as abreviaturas e a ausência de pontuação levavam fermento e saiam a granel das mãos inchadas dos escribas. A imprensa veio pôr alguma ordem bem pouco natural nas coisas, mas a nossa primeira norma ortográfica é de 1911, sim a normalização ortográfica foi uma conquista de Outubro e viva a República, a que tirou o ph às pharmácias e levou com a objecção de consciência dos que tinham aprendido a escrever antes como vai suceder agora.

Acontece que pela primeira vez na História temos uma massificação do acto de escrever, e através de teclas, que não são nem esferográficas nem as caixas das tipografias. Começámos por ensinar o povo a ler, os países mais vanguardistas vai para 100 anos, e ainda lhes metemos instrumentos de comunicação também escrita nas mãos. Estão à espera que se mantenha a lentidão das normas, de que este acordo é um exemplo de arrastamento? Claro que a norma da língua escrita vai ter de aprender a mexer-se asinha, ai se vai. É aqui que me preocupa a gente que se juntou contra o acordo, que pouco ou nada simplifica das aberrações etimológicas sem sentido herdadas da mania do greco-latim.

A língua portuguesa nem existe: existiu a língua portuguesa do séc. XIV, levou com a do XVII, e a do XIX que ainda cá anda não vai durar sempre.

A nova linguagem escrita

Um resumo do que se está a passar, visto do lado do ensino da língua por Raquel Meister Ko Freitag está em A Internet e a língua portuguesa: mudanças à vista? uma boa pergunta que leva como resposta: mais que vistas. Citando uma investigação de 2001, uma antiguidade portanto, constata-se a universalidade do netês, a nova escrita, verificada aqui no português e no anglo-saxónico, e que deve apanhar a maioria das línguas:

  1. Do ponto de vista do uso da língua, a pontuação é quase abolida, há a proliferação de siglas e abreviaturas não convencionalizadas pela norma padrão, a estrutura das frases é extremamente simples (não há período composto) e a escrita é semi-alfabética, baseada nas noções fonéticas e não nas convenções ortográficas da língua.
  2. Do ponto de vista da natureza enunciativa, observa-se mais emprego de semioses, por meio dos emoticons ou arte ASCII, do que usualmente ocorre na escrita, dada a natureza do meio em que ocorre a interação.
  3. Do ponto de vista dos gêneros discursivos ocorre a adaptação de alguns gêneros já existentes ao meio virtual e o desenvolvimento de outros realmente novos

Andando a primeira geração que usa uma segunda escrita (quando não é a única) pelos 20 anos, deixem-nos ter 40 e vão ver.

A norma é do povo

O pessoal da pureza ortográfica pode perder as esperanças, que a norma faz-se a partir da língua falada e escrita. A norma tem andado a mudar a passo de tartaruga, mas vai ter de correr como uma lebre, e no final ganha a escrita que nunca foi tão escrita como hoje.

Não vou dizer que aprecio o Adolfo Torga Coelho em SMS, mas o original também não, nem tenho pachorra para brincar aos emoticões, mas confesso que gosto da ideia de se usar o teclado todo metendo números nas palavras (o alfabeto que agora tem 26 símbolos já vai nuns 40), e a ideia de abreviar, principalmente de reduzir o que a q como na paleografia, é um simpático regresso ao passado, que para começar a porra do u não está lá a fazer nada.

Profissionalmente posso ser obrigado a usar o acordo todo, coisa de que duvido, o brasileirês lê-se muito melhor depois de acordado, ainda tinham tremas, coitados, e farei o favor de tirar umas coisas mudas que sempre me irritaram, sempre é desde que as tinha de escrever nesse suplicio a tinta permanente chamado ditado, que já foi dictado.

À morte dos hífens, por exemplo, já resisti na primeira vaga de parvoeira, coisa que ninguém me tira são os hífens que fazem o favor de arejar as palavras extensas, como ainda andei uns tempos com os acentos graves depois de 1973, aprender duas vezes a escrever a nossa língua é complicado, mas necessário. Há palavras que não conseguirei habituar-me a mudar-lhes as letras, também gostamos das palavras na forma delas, no seu desenho de letras, e aí compreendo o pessoal do desacordo. Mas ninguém será obrigado a fazê-lo fora de eventuais obrigações profissionais.

A mudança ortográfica veio para ficar, desistam, ou objectem

Em termos escolares acho que a nova ortografia devia ser aplicada no próximo ano lectivo, apenas e só no 1º ano. Ou será uma grande confusão. Naturalmente vamos ter a coexistência pacífica das duas normas, e uma mixórdia das duas em muita gente, entre a qual me incluo.

Em termos práticos só haverá acordo quando houver corrector ortográfico disponível para os diversos processadores de texto, o que não deixa de ter o seu valor simbólico, mas antes disso é preciso que se acabe a lista de vocabulário, o que anda atrasado para não variar. Há correctores em versão Pt-Br, mas não em versão Pt-Pt.

Era bom que as coisas se encaminhassem para uma única versão Pt. É disso que se trata, a irritante diferença entre versões Pt-Br e Pt-Pt, muitas vezes escusadas. Aprendi a mexer em Planilhas Electrónicas e não foi por isso que deixei de usar folhas de cálculo quando apareceram com o mesmo nome.

Tudo o que venha para no futuro facilitar a comunicação escrita no minério mais precioso que temos, a língua portuguesa é o nosso petróleo, já para não falar nos afectos e nos afetos, é bem vindo. O resto é não perceber nada de História, da língua neste caso, e aquelas bacoquices à graça moura, para as quais não há pachorra

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