“Falar de complexidade equivale a referir
sistemas complexos ou, como hoje se diz,
sistemas complexos adaptativos,
tradução de complex adaptative systems”
Manuel Sérgio
No começo deste ano, recebi do professor Manuel Sérgio seu mais recente livro, intitulado “Textos Insólitos”, publicado pelo Instituto Piaget. Como toda obra desse filósofo, mais um delicioso desafio intelectual e uma oportunidade de aprendizado e crescimento profissional.
Já reparti os conhecimentos com meus alunos de graduação, e agora gostaria de compartilhar com a comunidade da Universidade do Futebol um pouco dessa saberia insólita, aguçando a curiosidade e provocando mais inquietações pedagógicas.
Insólito, segundo o Houaiss, refere-se ao “que não é habitual; infreqüente, raro (...) que se opõe aos usos e costumes; que é contrário às regras, à tradição”, logo, um título mais do que apropriado para se referir às questões da motricidade humana à luz do paradigma emergente.
E mais pertinente ainda quando no interior do livro, precisamente no seu sétimo capítulo, deparamo-nos com um texto denominado “O futebol e as ciências humanas”.
Será esse o texto, o qual aborda o futebol na perspectiva do pensamento complexo, que quero apresentar à comunidade, por meio de alguns poucos trechos selecionados, garantindo ao leitor absorver o pensamento de Manuel Sérgio por meio de suas próprias palavras, sem os possíveis equívocos ou influência de minha interpretação.
Sendo assim, em meio à tessitura de seus pensamentos complexos, apresento os excertos recolhidos da obra de Manuel Sérgio:
“Ter sido jogador de futebol ajuda a uma correcta visão do jogo, mas não é o essencial. É o Homem que se é que triunfa no treinador que se pode ser.”
“Ora, no futebol (como no desporto em geral), tudo é um híbrido de caos e de cosmos, de ordem e desordem. No futebol, há mais uma causalidade contingente do que uma causalidade linear.”
“O rigor é a base do conhecimento científico. Mas o determinismo não exclui a fantasia, o fortuito, o imprevisível. Todo determinismo do treino que foi ministrado ao Garrincha, ao Pelé, ao Maradona, ao Eusébio e a outros mais resultou no insólito da subjetividade de cada um deles. Não basta estudarmos o que é dado ao futebolista, como validade universal das ciências, mas também a quem é dado.”
“O treinador, na sua leitura-interpretação, deverá não esquecer que é um erro a monocultura do saber. É preciso saber mais do que futebol, no mundo do futebol. E por isso o futebol pressupõe um modelo de jogo, que se concretiza num cruzamento de várias territorialidades disciplinares.”
“O treino é, muitas vezes, mais uma engenharia de desejos do que uma ciência certa. Na complexidade do futebol, as certezas são ilhas, num mar de incertezas. Construtor de redes, o treinador de futebol deve iniciar, o mais depressa possível, um diálogo com outros saberes, captando o novo sem esquecer as invariantes estruturais.”
“Os jogadores reflectem o que fazem nos treinos e, por isso, o treino tanto pode optimizar os limites das capacidades dos jogadores como limitar os seus desempenhos.”
“A preparação física e técnica e táctica e psicológica e moral faz-se num treino, onde todos os elementos se encontram integrais e superados e por isso se encontram em rede e trabalham ao mesmo tempo.”
“Daí que a inter e a transdisciplinaridade devam percorrer um departamento de futebol, onde o preparador físico não parece necessário, pois que o físico e o técnico e o tático e o psicológico se trabalham simultaneamente. É o pensamento táctico a comandar o próprio treino, para que na competição se operacionalize um modelo de jogo e se concretize a ‘gestão do caos’. Não são precisos preparadores físicos, mas metodólogos do treino. O preparo físico, repito, acontece durante o preparo técnico-tático e psicológico. Não se descura o preparo físico. A metodologia é que é diferente.”
“Assim o futebol, como Desporto que é, deverá estudar-se, em primeiro do mais, no âmbito das ciências humanas, onde a motricidade se refere a fins e a valores. Estão assim presentes a intencionalidade e a vontade de vencer... até de sacrifício! E também o prazer da vivência lúdica. No desporto, o pensamento não conhece a realidade, pensando-a, mas vivendo-a.”
Portanto, podemos compreender e concluir que: “O futebol, para ser ciência (e ciência humana) tem de ser estudado, na universidade, não como dogma, mas como forma de inteligibilidade da prática, em todos os níveis de sua ocorrência. E quem o pratica são, em primeiro lugar, os treinadores, os árbitros e os jogadores de futebol. Daqui, decorre que o futebol, como ciência, não pode dispensar nem o saber universitário, nem o saber dos profissionais que o praticam – dois saberes, elementos do mesmo todo! Ou melhor: da mesma complexidade!”
“De facto se tudo é complexo, o futebol é um sistema complexo.”
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Benê Lima