Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

domingo, agosto 02, 2009

O que estudar para ser um treinador de futebol?
São várias as respostas, para muitas circunstâncias, findando o conhecimento eterno e imutável, cambiando-o para o histórico
“Somos de mais se olhamos em quem somos”
Ricardo Reis (Fernando Pessoa)

Em crônica anterior procurei evidenciar os motivos que devem desencadear a mudança de foco na formação de novos e jovens treinadores.

As conjeturas engendram a alteração do verbo fazer para estudar. O que não representa apenas uma troca de verbos, pois a complexidade dos atratores é muito significativa e relevante, representando na verdade um grande salto evolutivo e de qualidade.

O fazer está mais próximo das pretensões de reprodução do que de revolução. Pois, eu faço o que sempre foi feito. Já, eu estudo para compreender o fazer, desvendando seus motivos e gerando ajustes e mudanças para contínuos ganhos em eficácia e eficiência.

Esta permuta há muito anunciada pela ciência, e propalada por Thomas Kuhn em seu clássico livro “A estrutura das revoluções científicas”, evidencia claramente uma mudança paradigmática.

Boaventura de Sousa Santos, em seu didático livro “Um discurso sobre as ciências”, explica muito bem os motivos que desencadearam a crise no paradigma dominante (positivista – que sustenta e explica a visão tradicional e conservadora do futebol atual) e as fundamentadas justificativas que revelam o paradigma emergente, o qual confere às ciências sociais (humanas) uma inédita centralidade.

Esta posição privilegiada que assume as ciências humanas não é maniqueísta. Ou seja, não desconsidera as demais ciências, mas sim procura outros sistemas de referências para explicar um mundo comunicante e sustentado por interações.

De acordo com este preâmbulo, posso estabelecer pressupostos que nortearão possíveis caminhos para responder a questão título desta crônica pedagógica.
Quero reforçar o fato da possibilidade, pois não existe apenas uma resposta certa (como previa o paradigma cartesiano), mas sim várias respostas para muitas circunstâncias, findando o conhecimento eterno e imutável, cambiando-o para o histórico, o qual se pauta na busca pela compreensão inteligível do processo (o processo organizacional sistêmico).

Desse modo, acredito que o ponto de partida para formação do novo treinador de futebol está na filosofia. Na principal pergunta filosófica que o professor Paulo Guiraldelli Junior responde muito bem. Ou seja, o fato da filosofia nos permitir desbanalizar o banal.

Explicando melhor: voltar ao tempo dos porquês infantil; é preciso questionar tudo.
Principalmente, o banal, aquilo que sempre teve como resposta: “foi sempre assim”; “desde que o futebol existe foi desse jeito”...

Contextualizando: Por que o treino de chute a gol deve ser assim? E por que nestes treinos não há compromisso com o erro? Por que os jogadores não podem participar das decisões estratégicas? Por que as ações táticas não são discutidas frente as suas circunstâncias contextuais? Por que não se treina a intensidade de concentração? Por que o treino técnico acontece desvinculado do tático, físico e emocional? Por que no jogo o jogador é físico-técnico-tático-emocional e no treino ele é esquartejado? Por que só o preparador físico tem uma periodização a seguir? Qual é o planejamento do treinador? Por que os cursos de Educação Física têm competência apenas para formar preparadores físicos? Por que quem mais estuda e se prepara ganha menos e é sempre coadjuvante? Por que crianças e jovens devem ser retirados da sociedade e confinados em alojamentos para engorda e posterior abate...?

Ser questionador, não significa ser chato. Contudo, à medida que se desenvolve o espírito crítico, aguça-se a curiosidade e desperta o ser (sujeito histórico) que não aceita mais a condição de espectador passivo da vida. E assim, se estabelece os pré-requisitos e as condições necessárias para o inicio da formação do treinador do século XXI.

Por isso, é necessário tomar ciência do meio, convivendo direta ou indiretamente com o universo futebolístico, para que se possa com o convívio aprender como pensam os jogadores, os dirigentes, o senso comum e, ao mesmo tempo, ter subsídios teóricos para compreender por que eles pensam assim.

Isto não significa a necessidade de ser jogador de futebol, mas impõe uma condição de espectador mais próximo e comprometido com o meio futebolístico. E para tanto existem várias possibilidades de aproximação mais intimista e responsável.

Outro aspecto incontestável: estudar sobre gestão e liderança. É inconcebível e totalmente contraditório, sonhar, desejar ardente e profundamente, ser um líder de sucesso sem se preparar para tal. Sem compreender o seu perfil de liderança (que pode ser moldado), bem como dispor de ferramentas para saber como liderar diferentes pessoas em díspares situações.

Para tanto, não preciso fazer uma graduação em administração de empresas, mas posso ler, estudar e discutir sobre liderança e psicologia.

Recomendações de leitura podem ser muitas, mas indico como um bom começo o livro de James Hunter “O Monge e o Executivo”, ou então, seguindo um caminho que também julgo muito importante, não pensando apenas no que tange a liderança, seria a leitura de biografias, tanto de jogadores como treinadores.

Vejo como obrigatório o livro “Fio de esperança”, que narra a história de Telê Santana. Ou mesmo as obras (mesmo que mais jornalística que científicas) que versam sobre o trabalho de treinadores brasileiros da atualidade: Muricy Ramalho, Wanderley Luxemburgo, Carlos Alberto Parreira, Luis Felipe Scolari, entre outros.

Ainda, os treinadores internacionais merecem atenção e respeito. É preciso conhecer o bom trabalho dos argentinos José Pekerman e Carlos Bianchi. Dos tops do momento como, Rafael Benitez, José Mourinho, Alex Ferguson, Arsene Wenger..., além de alguns bons livros sobre estratégia e tática no futebol, o qual destaco o livro “O universo tático do futebol” do competente Ricardo Drubscky.

Por outro lado é preciso aprender a construir um caderno de campo, onde neste dossiê junta-se material multimídia dos mais diversos: informações de treinadores nacionais e internacionais, treinos, artigos científicos, filmagem de jogos, scoults táticos, ficha de jogadores, exemplo de planejamentos, material didático, etc...

Já quando o assunto recai sobre os aspectos pedagógicos, didáticos e metodológicos entendo que a academia contribui significativamente por meio da pedagogia do esporte.

As novas tendências em pedagogia do esporte, lideradas por autores como João Batista Freire, Julio Garganta, Amandio Graça, Judith Oslin, Pablo Juan Greco, Roberto Paes, Claude Bayer, entre outros, estabelecem as atualizadas referências norteadoras para a transposição da teoria à prática.

Referências estas que nós na Universidade Aberta do Futebol estamos trabalhando para futuramente transformar em um curso para treinadores de futebol. Eu e os professores João Paulo Medina, Rodrigo Leitão e Lucas Leonardo, pensamos o currículo do treinador, ou seja, um rol de disciplinas das mais diferentes áreas do conhecimento (exatas, biológicas e humanas) que complementariam a formação transdisciplinar do treinador de futebol.
Contudo, como adverte o professor Manuel Sérgio, para se saber mais de futebol é preciso saber de outras coisas, ou mesmo aprender analisá-lo por outros vieses.

Para isso, na literatura os escritores André Sant’anna e Eduardo Galeano, nos ajudam, respectivamente, com os livros “O Paraíso é bem bacana” e “Futebol ao sol e à Sombra”.

Em outras áreas do conhecimento, sugiro a estudo dos livros: “Dança dos Deuses” do professor Hilário Franco Júnior, “Veneno Remédio” de José Miguel Wisnik, “Lógicas no futebol” Luiz Henrique Toledo; “Afonsinho & Edmundo: a rebeldia no futebol brasileiro” de José Paulo Florenzano; “Futebol 100% profissional” de José Carlos Brunoro e Antonio Afif, “O negro no futebol brasileiro” de Mario Filho, entre muitos outros bons livros que discorrem sobre todo o universo que envolve e influencia o futebol.

Por fim, quero destacar o imprescindível estudo dos filmes “Boleiros” de Ugo Giorgetti e “Linha de passe” do premiado Walter Salles.
Mas de nada vale este cabedal de informações se o pretenso treinador do século XXI não compreender as poéticas palavras de Fernando Pessoa, na expressão de seu heterônomo Ricardo Reis:

“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.”
.

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Benê Lima