Existem dois motivos que dão suporte à transição do calendário do Campeonato Brasileiro para o formato Europeu. O primeiro, e mais óbvio, é a adequação às janelas de transferências. Jogadores que hoje saem no meio do Brasileirão poderão sair no começo ou no fim, sem afetar a montagem do time. O segundo motivo é a possibilidade de clubes brasileiros começarem a disputar amistosos e torneios de pré-temporada, coisa que vem crescendo, apesar de tudo indicar que não deve durar muito, dada a ligeira insipidez dessas competições.
O primeiro movimento para essa mudança foi dado. A CBF acenou com a possibilidade. A imprensa comemorou.
Mas há motivo para preocupações.
Se dois motivos dão suporte à mudança, pelo menos, outros cinco sugerem que essa alteração do calendário pode gerar alguns efeitos negativos. Vamos a eles:
1) Motivação: ao que tudo indica, a ideia já existente da adequação do calendário só veio a acontecer mesmo por causa do pedido que o presidente Lula fez a Ricardo Teixeira, que prometeu estudar a sugestão. E Lula pediu isso porque viu seu time do coração, campeão da Copa do Brasil, e, até poucas semanas atrás, também candidato ao título brasileiro, vender alguns titulares e começar a jogar mal. Se isso tivesse acontecido com outro time, é possível que Lula não fizesse o pedido.
Além do que, Lula pode até ser um grande torcedor e acompanhar bastante os jogos, mas está longe de ser um profundo conhecedor sobre a dinâmica da matéria.
A motivação, portanto, é fraca. O pensamento é extremamente superficial. E quando uma transformação com essa profundidade tem esse tipo de motivação, a tendência de dar problemas é grande.
2) Geografia: existe uma razão clara para que a temporada européia comece em agosto e termine em maio, e ela se chama verão. Não há futebol no mundo que possa competir com o verão e com as férias escolares. No verão, o público não sustenta o jogo. A praia ganha mais força, o sol fica até mais tarde e as pessoas tendem a assistir menos televisão. Muita gente faz viagens longas. Nessa época, o futebol perde valor tanto como evento físico, dentro do estádio, como produto de entretenimento, como a televisão. Em suma, no verão existe muito mais coisa pra fazer do que assistir uma partida de futebol. E no inverno, que não tem nada pra se fazer, também não vai ter futebol.
3) Público: com mais opções de lazer, viagens e afins, o futebol tende a perder o público casual, ficando relegado ao público mais ligado ao clube, ou seja, àqueles mesmos torcedores de sempre que já não têm mais produtos pra consumir. Isso é ruim. Pior é que nas férias de final de ano, ninguém quer gastar mais dinheiro que não seja em presentes e coisas do tipo.
Algumas empresas, possivelmente, perderão interesse em ter camarotes entre dezembro e o carnaval. A classe média vai para a praia, e para lá também vão os anunciantes e aqueles interessados em fazer ações promocionais. O futebol certamente perde valor corporativo.
4) Transferências: Jogadores continuarão a ir embora. Com a adequação do calendário de jogos à Europa, também ocorrerá a adequação do calendário de preparação física, o que pode incentivar clubes de fora a contratarem brasileiros no meio do campeonato sem ter receio em relação ao esgotamento físico dos jogadores.
Além do que, eles também podem focar na contratação do meio da temporada para poder haver tempo suficiente de adaptação ao país e à cultura antes do ano seguinte. Isso já aconteceu com o Pato e com o Thiago Silva. Pode vir a acontecer ainda mais.
5) Eleições: Não sei exatamente qual é a dificuldade em se mudar datas de eleições no estatuto de um clube, mas certamente que alguns clubes terão que alterá-las para não correrem o risco de trocar de presidente no meio do campeonato.
Existe, obviamente, muita coisa a mais. E os pontos aqui também merecem um debate mais aprofundado, com mais tempo e pontos-de-vista. Com exceção, é claro, do primeiro, que não é especulação, é fato. E esse é justamente o que mais preocupa, porque enquanto o futebol brasileiro continuar obedecendo a eventuais leviandades dos tomadores de decisão, nada vai melhorar. Nem se mudar o calendário.
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Benê Lima