Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quinta-feira, maio 06, 2010

Sub-15: o maior desafio das categorias de base?
Na faixa etária que se estende dos 13 aos 16, atletas têm de se readaptar ao novo corpo e assimilar o processo de reconhecimento motor das mudanças morfológicas
Gustavo Querido, Renato Buscariolli de Oliveira, William Sander Figueiredo

Caros leitores,

vimos por meio desta reflexão levantar uma questão bastante polêmica entre os profissionais que atuam com futebol de base: a categoria Sub-15 (Infantil) é a mais desafiante (leia-se mais complexa) dentre as categorias de base?

Antes de iniciar o texto propriamente dito, gostaríamos de esclarecer que definitivamente o intuito aqui não é julgar se uma categoria é mais ou menos importante do que outra e muito menos determinar uma escala de valores para estas. Até porque, sob nosso ponto de vista, quando se pensa nessas categorias, deve-se ter em mente a palavra processo, e neste contexto todas as etapas (leia-se categorias) que participam do desenvolvimento do “produto” final (formação de um jogador de futebol) possuem o mesmo grau de significância. É justamente a boa concatenação entre estas que leva a um produto final de alto valor.

Todavia, sabemos que há diferenças entre cada uma destas etapas. Elencaremos aqui algumas particularidades próprias da categoria Sub-15 que podem justificar o título deste texto, ou ao menos alertar os profissionais nela envolvidos da sua complexidade.

Nesse contexto, o primeiro ponto de destaque inerente ao Sub-15 diz respeito ao processo maturacional. Como é de conhecimento geral, a faixa etária que se estende dos 13 aos 16 anos (nos meninos) é também conhecida como a “fase do estirão”. É justamente nessa fase do crescimento e desenvolvimento da criança que ocorrem grandes transformações morfológicas que vão desde alterações na voz, crescimento de pelos, desenvolvimento do pênis e escroto até aumento de massa muscular e ganho de estatura. Ou seja, o corpo destes jovens atletas passa por uma série de transformações que trazem grandes implicações dentro do processo de formação.

De forma sucinta, estas implicações atuam de duas maneiras. A primeira delas diz respeito a uma readaptação do atleta ao seu novo corpo. Nesta fase, o indivíduo passa por um processo de reconhecimento motor das mudanças morfológicas ocorridas, vivenciando um período de perda de coordenação motora que em muitas vezes interfere negativamente no seu desempenho dentro de campo, visto que desde a corrida até a relação com a bola é prejudicada nestas circunstâncias. Esta fase é transiente e requer paciência e consciência tanto por parte dos atletas como pela comissão técnica responsável.

A segunda implicação relaciona-se à cronologia em que estas mudanças ocorrem dentro do elenco, visto que há uma grande variabilidade na velocidade e no momento em que estas alterações se processam. Assim, alguns atletas se beneficiam destas mudanças morfológicas (com aumentos significativos em determinadas valências físicas), enquanto outros sofrem dificuldades para superar seus companheiros mais “maturados”. Cabe à comissão técnica o cuidado para não cometer nenhum equívoco privilegiando atletas com maturação precoce em detrimento dos mais tardios, visto que os últimos podem apresentar maior potencial do que os primeiros.

É clássico na literatura esportiva (não apenas no futebol) trabalhos que apontam predomínio de atletas nascidos nos primeiros meses do ano nas categorias de base. Vale relembrar aqui aquela “velha” discussão sobre “formar ou ser campeão nas categorias de base”. Apesar de não considerarmos que estes processos sejam excludentes, mesmo no Sub-15, em que o processo maturacional interfere sobremaneira no rendimento, acreditamos que algumas ressalvas devam ser feitas.

Ainda sob este viés, destacamos o caso específico dos goleiros, já que o sucesso nesta delicada e “temida” posição parece depender (não entraremos a fundo nesta discussão neste momento) entre outros, de uma boa estatura. Assim, este acaba se tornando um caso emblemático visto que um goleiro de grandes qualidades técnicas e de referência nesta categoria pode não dar continuidade ao longo do processo de formação, se detectado (através de um exame de idade óssea, por exemplo) que não possui possibilidade de atingir alturas consideradas mínimas para o mercado de trabalho. Novamente, este será um problema vinculado a esta categoria, já que apenas goleiros com boa estatura (ou potencial para) darão continuidade no processo de formação. Os demais (cujos profissionais responsáveis investiram tempo, dedicação e empenho) serão automaticamente excluídos, gerando um estresse emocional e psicológico enorme.

Findada a temática maturacional, há a problemática relacionada ao início da sistematização do treinamento, também intrínseca ao Infantil. De maneira geral, ainda hoje, os atletas que chegam ao início da temporada para compor esta categoria em um grande clube são em sua maioria atletas que nunca passaram por um processo de treinamento sistematizado, sendo na maioria dos casos meninos que se destacam em suas cidades e em clubes onde disputam competições de nível municipal. Este processo vem sofrendo alterações, com a criação pelas federações responsáveis de campeonatos para categorias menores (Sub-11 e Sub-13) como ocorre, por exemplo, no estado de São Paulo. Todavia, muitos clubes (muitas vezes por contenção de gastos) optam por não disputar estas categorias, retornando ao quadro anteriormente citado.

Assim sendo, desde os conteúdos técnico-táticos até aos ditos físicos, faz-se necessária uma abordagem pedagógica do treinamento, já que a sistematização deste processo por si só é algo novo para estes atletas. Dar significado aos treinos, assim como a conscientização da importância de cada um deles (desde a necessidade de se trabalhar a perna não dominante até ao papel profilático do trabalho de força dentro da sala de musculação), é específico desta etapa, visto que em categorias maiores tais condutas devem estar automatizadas.

Para ilustrar esta situação, novamente trazemos à tona a figura dos goleiros. Geralmente estes são os atletas de maior estatura da equipe, apresentando uma “lentidão” peculiar na execução de determinadas tarefas motoras, assim como uma demora na assimilação de novos conteúdos, visto que seu repertório motor está em formação (lembre-se: os garotos não apresentam lastro de treinamento e estão em plena fase de estirão!).

Normalmente, os primeiros contatos com as metodologias de treino para as habilidades fechadas (pegar, saltar, cair, manipulação da bola, etc.), assim como para as habilidades abertas (estruturação do espaço dentro e fora do gol, comunicação na ação defensiva/ofensiva, saída do gol, etc.), acabam sendo marcantes nesta fase. A saída de gol, por exemplo, ação extremamente complexa que envolve a combinação de uma série de fatores para o seu êxito (concentração, tempo de bola, tomada de decisão, leitura de jogo, inteligência espacial, explosão muscular, técnica de saída, etc.) requer uma demanda de tempo e esforço enorme para que esteja bem aprimorada. Caso o profissional responsável por este jovem não tenha a devida paciência, pode correr o risco de queimar etapas ou abreviar a carreira de um potencial atleta ainda nesta faixa etária.

Podemos destacar ainda algumas dificuldades relacionadas à disciplina (devido à imaturidade) ou mesmo ao entendimento do modus operandi de um grande clube (desde a divisão de tarefas até as hierarquias presentes nestas instituições). O simples fato de o jovem atleta perceber que neste novo contexto ele é mais um bom jogador dentro de um elenco e não mais o jogador (da sua cidade ou ex-clube), além de ter que se dedicar ao máximo em cada sessão de treino, requer um tempo de amadurecimento.

Em relação aos fatores extra-campo, é no Infantil que geralmente ocorre a primeira separação dos atletas dos seus pais, principalmente no que diz respeito aos atletas que alojam nos clubes e têm que morar longe de casa para lutar pelos seus sonhos. Este é um momento delicado que exige bastante carinho e compreensão, tanto por parte dos pais, como por parte dos profissionais envolvidos, visto que este processo atinge não apenas o desempenho dentro de campo, como também as demais tarefas diárias deste jovem, interferindo diretamente em seu futuro. Aqueles atletas que não têm a necessidade de alojar, também vivenciam um processo de separação dos pais (principalmente da figura paterna), visto que o jovem passa a perceber (em alguns casos mais rápido outros mais lentamente) que o pai não é o seu técnico/preparador físico.

Geralmente, a comissão técnica que trabalha com o Infantil participa ativamente desta “transformação”, sendo esta a categoria da base que de certa forma estabelece um maior relacionamento com pais de atletas (quando comparada ao Sub-17 e Sub-20).

Esta ponte com os pais acaba sendo um papel importante no dia-a-dia deste profissional, visto que não apenas o seu carisma com o atleta, mas também com os pais, é fundamental para manutenção deste potencial jogador em muitos clubes.

Enfim, apesar das dificuldades e considerações acerca desta categoria, julgamos os profissionais que trabalham com a mesma, privilegiados, uma vez que têm a oportunidade não apenas de ensinar futebol e tudo aquilo que está envolvido com o processo de treinamento, mas também de participar ativamente da formação educacional deste jovem, podendo marcá-lo para o resto de sua vida, independentemente de qual carreira este irá seguir.

Como Manoel Sérgio já disse (sobre a relação atleta/treinador), “o que fica são os valores humanos”. Desta forma, cabe a este profissional, além de superar todos os obstáculos citados, ser diferente naquilo que faz, atualizando-se, ousando sempre e deixando de ser “mais um”. Semelhante ao que fez Paulo Barros na Unidos da Tijuca em 2010: além de ser campeão, revolucionou o Carnaval carioca!


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por seu comentário.
Em breve ele será moderado.
Benê Lima