Espaço de excelência do departamento de futebol do Atlético Mineiro, a Cidade do Galo é o melhor centro de treinamento entre os clubes que disputam a primeira divisão do Campeonato Brasileiro em 2010. A avaliação compõe um ranking desenvolvido a partir de estudos científicos da Universidade Federal de Viçosa (UFV), capitaneados por João Carlos Bouzas Marins e Próspero Brum Paoli.
O projeto foi uma iniciativa do Sportv, canal especializado em esportes do sistema Globosat, em parceria com o Curso de Especialização em Futebol da instituição de ensino mineira. Os pesquisadores elaboraram um caderno de apreciação, utilizando critérios objetivos para estabelecer as agremiações com as melhores estruturas de concentração, preparação e reabilitação.
“Foi elaborado um instrumento constando uma avaliação de mais de 400 itens que devem estar presentes em um CT. O total de pontuação possível a ser atingido corresponde a 4.274 pontos. Esses elementos foram divididos em quatro principais eixos temáticos com pesos diferentes”, explicou Bouzas, nesta entrevista concedida por e-mail à Universidade do Futebol.
Metade dos pontos está ligada a aspectos da infraestrutura, mesmo. Recursos humanos (20%), recursos materiais (20%) e operacionalização e logística (10%) selam o parâmetro de medida, a qual foi baseada em elementos referenciais bibliográficos existentes sobre instalações esportivas internacionais, experiência profissional dos avaliadores e uma série de normativas.
O Atlético Mineiro recebeu 3.538 pontos, seguido do Atlético-PR, com 3.509. A Cidade do Galo foi usada durante as Eliminatórias pela seleção brasileira, como concentração, antes do jogo com a Argentina. Já o CT do Caju, do clube paranaense, acolheu a delegação chefiada por Dunga antes da viagem à África do Sul, para a disputa da Copa do Mundo, nesta semana.
A Toca da Raposa II, do Cruzeiro, foi considerado o terceiro melhor CT, com 3.465 pontos, seguido de São Paulo e Santos, com 3.447 e 3.142, respectivamente. O lanterna no ranking foi o Grêmio Prudente, que recebeu apenas 395 pontos. Já o penúltimo colocado foi o Ceará, recém-egresso à Série A Nacional, com 1.705.
Diante de hipotéticas contestações em relação à colocação final dos clubes, Bouzas está amparado pela sua trajetória. Graduado em Licenciatura em Educação Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (1985), com mestrado na área pela mesma UFRJ (1993), possui também doutorado em Actividad Física y Salud - Universidad de Granada (2003) e em Bases Fisiológicas de La Nutrición - Universidad de Murcia (2000).
Atualmente é coordenador do Curso de Especialização em Futebol (www.ufv.br/des/futebol), editor chefe da Revista Brasileira de Futebol (www.rbfutebol.com.br) e diretor do Laboratório de Performance Humana – Dep. Ed. Física – UFV. Experiente, Bouzas possui ênfase em Nutrição Esportiva, atuando principalmente em performance humana, treinamento desportivo, avaliação física, hidratação e desidratação.
“É necessário buscar uma fórmula de equilíbrio, e para isto é fundamental ter um profissional responsável com conhecimento técnico, capacidade de gestão, relacionamento interpessoal e ética, de forma a propor uma filosofia de trabalho voltada para o sucesso”, acrescentou Bouzas, que esmiuçou a sua metodologia do trabalho, traçou uma comparação com estruturas europeias e falou sobre modelo de gestão.
Universidade do Futebol – Ao lado do professor Próspero Brum, você desenvolveu um trabalho pioneiro de avaliação dos Centros de Treinamentos dos clubes de futebol que estão na Série A do Campeonato Brasileiro em 2010. Como surgiu a ideia desse projeto?
João Carlos Bouzas – A proposta inicial foi feita por dois jornalistas do Sportv – Rafael Correa e Ligia Carriel – que mantiveram contato buscando uma avaliação imparcial feita por profissionais do meio acadêmico, sem envolvimento com o futebol profissional.
Os jornalistas justificaram a escolha de meu nome, tendo em vista o trabalho desenvolvido nos últimos anos como coordenador do curso de especialização em futebol da UFV, por ser o editor da Revista Brasileira de Futebol, da experiência profissional, principalmente na área de fisiologia e treinamento.
Outro fator que contribuiu foi a história de envolvimento acadêmico com o futebol por parte da UFV - desde os anos 1970, por intermédio do professor Adalberto Rigueira, autor de diversos livros didáticos sobre esta modalidade.
Universidade do Futebol – Um dos alvos do estudo é o de auxiliar os clubes no planejamento de investimento para o aprimoramento das estruturas. Você já recebeu o contato de algum dirigente para comentar sobre possíveis mudanças nesse sentido?
João Carlos Bouzas – Sim. Vários clubes da primeira divisão de São Paulo já mantiveram contato para prestar consultoria, visando auxiliar na elaboração de um planejamento de construção ou reforma de seus CTs, buscando, assim, um nível de excelência.
Universidade do Futebol – Qual foi a metodologia utilizada nesse levantamento científico, bem como os instrumentos de avaliação e a dinâmica da coleta de dados?
João Carlos Bouzas – Houve uma preocupação em tornar o processo de avaliação com critérios totalmente objetivos. Para tal, foi criado um instrumento considerando o que seria um CT com 100% de perfeição.
O total de pontuação possível a ser atingido corresponde a 4.274 pontos. Esses elementos foram divididos em quatro principais eixos temáticos com pesos diferentes, sendo eles:
• Infraestrutura física: 50%
• Recursos humanos: 20%
• Recursos materiais: 20%
• Operacionalização e logística: 10%
Os itens avaliados foram considerados tomando como base vários elementos, tais como:
• Referencial bibliográfico existente sobre instalações esportivas, com bibliografia consultada produzida na Espanha, EUA e Russa;
• Normativas da Comunidade Européia sobre instalações esportivas;
• Normativas Espanholas para instalações esportivas;
• Normativas da ANVISA sobre higiene de ambientes fechados;
• Experiência profissional dos avaliadores.
Após uma profunda análise documental, foi possível gerar o instrumento de avaliação proposto. Cabe destacar que esta ação é inédita no Brasil, longe de ser perfeita, porém importante pela preocupação metodológica seguida, além de abrir a discussão para um aprimoramento do instrumento.
Dinâmica de coleta de dados
Os dados foram coletados pelos dois jornalistas do SporTV, Rafael Correa e Ligia Carriel, que após um período de treinamento e familiarização quanto ao uso do instrumento, percorreram mais de 20.000 km visitando pessoalmente cada CT.
Com um agendamento prévio, cada clube disponibilizou um funcionário específico para assessorar os profissionais, facilitando a visita ampla e irrestrita das instalações, bem como o contato com profissionais que ali trabalham. Esta fase correspondeu a 75 dias de viagens pelo Brasil. Cabe destacar que em alguns casos a receptiva dos clubes foi feita pelo próprio presidente.
Principais pontos analisados
• Infraestrutura física:
Representa um elemento fundamental do CT. Para sua construção, é necessário um investimento de milhões de reais, com planejamento de investimento em longo prazo. Sua composição deve estar atrelada não somente às normativas da construção civil, como também de sua funcionalidade para uma equipe de futebol, sendo este um grande desafio, tendo em vista que isto não está documentado.
A infraestrutura física foi o principal ponto de análise correspondendo a 50% da pontuação total. Os sub-tópicos analisados corresponderam à estrutura de treinamento principal, auxiliar, atendimento clínico, setor de apoio, área administrativa e, por último, área de lazer.
• Recursos materiais:
Os recursos materiais disponíveis no centro devem dar perfeitas condições de treino técnico, físico e tático para os atletas, assim como de avaliação, controle de treino, atendimento médico, fisioterápico e nutricional. Outro aspecto representa as ações de funcionalidade do CT, como, por exemplo, equipamentos de segurança também foram considerados.
Este item teve uma importância estimada de 20% na pontuação total. Os pontos considerados para avaliação dos recursos materiais foram relativos ao treinamento principal e auxiliar, atendimento clínico, setor de apoio, área administrativa e, por último, área de lazer. Foi observado não somente a presença destes recursos, como também sua condição de uso.
• Recursos humanos
Os RH são fundamentais para que o CT possa funcionar adequadamente. São dezenas de pessoas envolvidas neste trabalho, em que o técnico da equipe é a figura mais aparente. Contudo, existe um grupo de pessoas que trabalham diariamente e fazem um CT funcionar de maneira adequada, como, por exemplo, o agrônomo responsável pela qualidade da grama, ou o podólogo que cuida da saúde dos pés dos jogadores.
O grau de importância considerado neste item foi de 20% na pontuação total. Foram considerados seis grupos de pessoal envolvido em um CT, que correspondem à comissão técnica, avaliada quanto à sua titulação acadêmica e desempenho profissional com base nos títulos já obtidos; o corpo administrativo; o corpo clínico, avaliado quanto titulação acadêmica, bem como anos de experiência no futebol; corpo de apoio com titulação de ensino superior e técnico; por fim, corpo de apoio administrativo.
• Operacionalização e logística
Para avaliação total, foi creditado um total de 10% neste ponto de avaliação. Foram considerados oito elementos na avaliação, em que cada um deles possuía vários sub-elementos a serem observados. Um exemplo foi a questão de acesso ao CT, distância entre o CT e o estádio de jogo e aeroporto.
Universidade do Futebol – E em relação à estrutura dos locais de trabalho, quais foram os principais pontos analisados?
João Carlos Bouzas – O CT não pode ser avaliado somente por sua infraestrutura física, que é importante, sem dúvidas, porém outros fatores devem ser considerados, como os recursos humanos, recursos materiais, além da operacionalização e logística.
Assim, deve haver um planejamento amplo e um equilíbrio entre estes quatro eixos centrais de avaliação.
Universidade do Futebol – Como você vê o trabalho voltado à base e ao projeto social nas outras agremiações brasileiras? É possível se traçar um paralelo com o que ocorre nas principais forças européias, e quais são as particularidades?
João Carlos Bouzas – Quanto à questão da base, seria necessário fazer adaptações do instrumento elaborado, pois existem certas características específicas que devem ser atendidas.
Hoje, o Ministério Público tem prestado atenção em denúncias de exploração de menores que estão ocorrendo, havendo, assim, a necessidade de atender rigorosamente às leis sobre menores e adolescentes.
Particularmente, já estive na “Ciudad Deportiva Real Madrid”. É um CT realmente em condições de treinamento excepcional, contudo os centros dos quatro primeiros colocados, Atlético Mineiro e Atlético-PR, Cruzeiro e o São Paulo, possuem uma estrutura que beira a perfeição, sem dever nada ao do Real Madrid.
Universidade do Futebol – Em termos de pontuação, o estudo desenvolvido não se refere ao processo de capacitação, integração e aos aspectos multidisciplinares entre os variados profissionais ligados aos clubes. É possível mensurar essa importância? Qual a sua opinião sobre o tema?
João Carlos Bouzas – Quanto à primeira pergunta, não foi um foco da avaliação, e pode ser um ponto a ser considerado nas próximas avaliações. Eu considero muito importante haver um processo de acompanhamento da vida atlética de um jogador. Na Europa, foi criado o passaporte biológico, que é algo parecido com isto.
Em minha opinião, a CBF deveria ter um sistema integrado padronizado, no qual os clubes registrariam tudo o que ocorreu na vida esportiva do atleta, como suas avaliações físicas, histórico lesional, intervenção fisioterápica, médica nutricional, entre outros.
Assim, quando um jogador fosse negociado para outro clube, deveria apresentar este histórico ou “passaporte”, o que facilitaria bastante a vida de todos elementos integrantes da comissão técnica, sendo possível fazer um profundo diagnóstico da vida do atleta em curto espaço de tempo.
Universidade do Futebol – Muitos clubes comentam que a parte social representa um déficit nas contas mensais. Desta forma, uma parte das receitas do futebol é deslocada pra cobrir esse prejuízo. Dentro da realidade estrutural dos clubes brasileiros, como essa situação poderia ser mudada? Em um próximo estudo, seria interessante incluir este índice na mensuração?
João Carlos Bouzas – Eu vejo esta questão de prejuízo como um problema de falta de organização e planejamento. O Internacional e o Cruzeiro, por exemplo, possuem excelentes estruturas de base e fazem delas uma “fábrica” de jogadores para serem comercializados, às vezes antes mesmo de chegarem ao profissional.
O caso particular do Cruzeiro é muito interessante, pois trabalha com esta perspectiva desde os anos 1990. Isto faz com que os frutos deste trabalho de base possam gerar recursos para sustentar toda a estrutura.
Não é uma tarefa fácil, pois exige uma grande seriedade, organização e planejamento em longo prazo, algo que nem sempre é possível. Uma estabilidade política no clube auxiliaria muito este trabalho de longevidade, sem dúvidas.
Universidade do Futebol – Em sua opinião qual a importância de um estudo como esse para o desenvolvimento e profissionalização dos clubes brasileiros?
João Carlos Bouzas – A importância é auxiliar os clubes em seu planejamento de investimento para comporem ou aprimorarem suas estruturas de CTs, visando, assim, melhorar a qualidade do desempenho do jogador.
Universidade do Futebol – Qual será a periodicidade deste estudo? Novas métricas serão acrescentadas no próximo levantamento?
João Carlos Bouzas – O Sportv foi quem financiou o estudo. Nós, aqui na Universidade Federal de Viçosa, não temos recursos financeiros para visitar os 20 clubes. Acredito que pelo sucesso da matéria haja um interesse de uma atualização em períodos regulares de no máximo dois anos.
Contudo, o Clube dos Treze ou a CBF também poderiam participar do projeto junto à UFV. Isso seria extremamente interessante para os clubes, pois significaria um planejamento financeiro de forma aguda sem desperdícios de recursos, tanto para a construção de novas instalações, como de reforma.
Universidade do Futebol – No livro "Código do Talento", o autor Daniel Coyle debate sobre ambientes (infraestruturas) simples que produziram grandes talentos (no esporte, na música, na ciência, etc.) graças a três elementos fundamentais - a dose adequada de prática, motivação e orientação. Em sua opinião, a infraestrutura é mais importante do que o método no desenvolvimento de atletas?
João Carlos Bouzas – A infraestutura física tem um peso importante, mas ela sozinha não resolve. As pessoas que trabalham no CT, desde o funcionário da limpeza até o técnico, possuem uma responsabilidade no processo de educação, conscientização e formação do jovem jogador.
É necessário buscar uma fórmula de equilíbrio, e para isto é fundamental ter um profissional responsável com conhecimento técnico, capacidade de gestão, relacionamento interpessoal e ética, de forma a propor uma filosofia de trabalho voltada para o sucesso.
Universidade do Futebol – Qual é a relevância da área acadêmica para o diálogo e para a melhoria da atuação da comissão técnica e das demais áreas em um clube de futebol?
João Carlos Bouzas – Hoje, a área acadêmica possui muitos profissionais extremamente capacitados para prestar assessoria ao mundo do futebol. Contamos com diversos cursos de especialização, mestrado e doutorado existentes no Brasil, os quais realizam pesquisas dando suporte ao desenvolvimento da modalidade. Contudo, eu não vejo o universo do futebol profissional tendo a mesma relação frente ao meio acadêmico, olhando geralmente para os pesquisadores com certa desconfiança.
O Brasil é um país de excelência no futebol na questão física, técnica, médica, fisioterápica e nutricional. Há muitos profissionais que fazem trabalhos brilhantes, como o caso dos professores Turíbio [Leite] no São Paulo, Emerson Silame no Cruzeiro e Paulo Figueiredo no Flamengo - são exemplos de profissionais relacionados ao meio acadêmico, mas que também trabalham no dia-a-dia do futebol. Este modelo pode ser perfeitamente reproduzido em outros clubes.
Tendo em vista que se trata de um mundo extremamente complexo, acredito que o futebol brasileiro poderia ainda evoluir muito na questão gerencial. Neste aspecto, tanto o conhecimento do mundo acadêmico, como do mundo empresarial, podem ainda colaborar e muito com a realidade esportiva.
Confira a classificação final:
1 – Atlético Mineiro – 3.538
2 – Atlético Paranaense – 3.509
3 – Cruzeiro – 3.465
4 – São Paulo – 3.447
5 – Santos – 3.142
6 – Palmeiras – 3.107
7 – Internacional – 3.032
8 – Goiás – 2.993
9 – Grêmio – 2.964
10 – Botafogo – 2.814
11 – Flamengo – 2.690
12 – Vasco – 2.650
13 – Corinthians – 2.439
14 – Fluminense – 2.297
15 – Avaí – 2.255
16 – Guarani – 2.252
17 – Atlético Goianiense – 2.156
18 – Vitória – 1.943
19 – Ceará – 1.705
20 – Grêmio Prudente - 395
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Benê Lima