Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

segunda-feira, maio 31, 2010

“Profissionalização já!”

Consultor e professor de marketing esportivo, João Henrique Areias acusa o amadorismo pelo atraso no desenvolvimento do esporte brasileiro, mas aponta o caminho: “Talento nós temos de sobra”

texto DADDY MALLAGOLI

João Henrique Areias

foto: divulgação

João Henrique Areias é um homem ocupado. Superintendente de negócios do Avaí F.C. em Florianópolis, SC, conhece os caminhos dos investimentos em campeonatos, clubes, confederações e atletas como poucos – é considerado um precursor. Iniciou sua carreira no marketing esportivo em 1987, dirigindo o Clube dos 13, e na mesma época tornou-se vice-presidente de marketing do Flamengo. Desenvolveu inúmeros projetos de patrocínio, multiplicou vendas de ingressos para partidas, assessorou todos os jogadores da seleção tetracampeã em contratos de imagem. Em 1991, tornou-se sócio de Pelé na Pelé Sports e Marketing, parceria que duraria dois anos, e por sete atuou no exterior.

O também consultor e professor de gestão e marketing esportivo tem faro para os negócios na área, reconhece o potencial do Brasil, mas não esconde o desapontamento com a falta de profissionalização: “É necessário rever o modelo de gestão, baseado em dirigentes amadores”, defende.

Uma Bela Jogada – 20 Anos de Marketing Esportivo de João Henrique Areias

Autor do livro Uma Bela Jogada – 20 Anos de Marketing Esportivo, da Outras Letras Editora, conversou com a Revista Competir sobre Copa e Olimpíadas, desafios e estratégias, mercados norte-americano e europeu comparados ao brasileiro. Muito concorrido e correndo contra o tempo, João Henrique mostrou mais uma habilidade para conceder esta entrevista: a de driblar a própria agenda.

foto: divulgação

Revista Competir - Como você explicaria o fato de atletas passarem por grandes crises ou escândalos (como os casos do Ronaldo, do Corinthians e do Adriano, do Flamengo) e, ainda assim, conseguirem se reerguer, fechar grandes contratos e manter o respeito da mídia e de torcedores?
João Henrique Areias - Esta é uma pergunta para um sociólogo, mas vamos lá. Estes atletas são ídolos e alguns viram mitos; assim é que são vistos pelos torcedores. Como heróis, lhes é permitido alguns abusos às regras e padrões da sociedade. Existem empresas que, em alguns casos, preferem usar e associar a imagem de seus produtos a figuras contraditórias ou contestadoras. Quando erram, estes ídolos e mitos são perdoados, como se em determinados momentos lhes fossem dada a condição de seres humanos e, portanto, falíveis.

Competir - Poderia contar um pouco das estratégias de marketing traçadas por você no Clube dos 13?
JHA - Naquela época, praticamente não existia o marketing esportivo. A Copa União 87, organizada pelo Clube dos 13, com 16 clubes, foi o primeiro evento esportivo de porte, financiado exclusivamente pela iniciativa privada. Os clubes não queriam a transmissão de seus jogos pela TV. Como tínhamos de levantar recursos na ordem de 1 milhão de dólares para cobrir despesas de viagens e estadias dos clubes, elaborei um projeto em que a chave era a TV. Uma das estratégias para convencer os clubes era utilizar exemplos bem sucedidos no Brasil e no mundo. Aqui, a Xuxa, que na época já era a Rainha dos Baixinhos na TV Globo, foi o case de sucesso usado, assim como o esporte nos Estados Unidos, cuja parceria com a TV garantia estádios cheios e recursos da iniciativa privada na forma de patrocínios, licenciamento etc. Tudo graças à amplificação da visibilidade que saía de 20 mil pessoas, em média, no estádio para 20 milhões de telespectadores.

Competir - Como recuperar esse índice de 20 mil pessoas em um estádio, por partida, ou pelo menos, chegar perto dele? O que falta nos estádios, ou o que afasta as pessoas?
JHA - Essa média realmente nunca foi superada. É essencial ter um bom campeonato, o que agora temos, com 20 equipes, sendo 12 com chances de conquistar o título. O regulamento tem de ser de fácil entendimento pelo torcedor e os pontos corridos facilitam isso. Falta melhorar a experiência de ir ao estádio – que vai de coisas básicas, como facilitar a compra de ingressos, até a segurança e o conforto do torcedor.

Competir - Muitas vezes, o marketing no esporte é visto como algo supérfluo, utilizado por alguns para fazer dinheiro, algo pejorativo até. Por quê? Que atitudes o profissional ou a empresa interessada em se envolver com o esporte deve tomar para evitar esse tipo de imagem?
JHA - Às vezes, chamo o marketing esportivo de “marketing de emoção”. É um momento especial para o torcedor-consumidor, desprovido de barreiras de comunicação. Basta olhar as empresas que patrocinam os eventos esportivos, times e atletas para sentir o retorno de investimento que o esporte oferece. Do lado do produtor do esporte (times, federações etc) deve haver o compromisso com o torcedor, o praticante do esporte. Em seguida, é preciso embalar o evento ou a modalidade, de forma que permita às empresas atingirem aquele público de forma simpática e efetiva, que melhore ou reforce sua imagem ou aumente a venda de produtos.

Competir - Em 1995, você atuou no marketing da Confederação Brasileira de Basquetebol (CBB), esporte hoje afastado da mídia e, aparentemente, da preferência popular. Outros esportes sofrem para emplacar no Brasil, o país do futebol? Que estratégias clubes e confederações poderiam tomar para fazer crescer e aparecer atividades não tão divulgadas e procuradas hoje?
JHA - O problema da CBB e de outras entidades esportivas é o mesmo: modelo de gestão ultrapassado. Enquanto não houver a profissionalização dos dirigentes, será difícil cobrar resultados e transparência. Somente a CBV - Confederação Brasileira de Vôlei - parece estar preparada seis anos antes dos jogos olímpicos no Brasil.

Competir - Quais as principais diferenças entre trabalhar com marketing esportivo no Brasil e no exterior – no caso, Estados Unidos e Espanha, onde você já atuou?
JHA - Os Estados Unidos, onde atuei de 1992 a 1994, estão anos na nossa frente. O esporte lá é visto e administrado como negócio. Isto não quer dizer que não exista o lado lúdico, a emoção. Com mais recursos financeiros, é possível ter os melhores atletas, melhores arenas. Já na Europa, os ingleses saíram na frente. A Premier League (campeonato inglês de futebol) é o evento com maior quantidade de recursos financeiros do mundo. Mas é na Espanha, onde vivi de 1999 a 2003, que tive a oportunidade de acompanhar de perto a transformação do Real Madrid em um modelo de gestão exemplar, que o transformou numa máquina de faturar (é o primeiro do mundo nos últimos cinco anos).

Competir - Quais caminhos o Brasil precisa trilhar para se tornar um exemplo no marketing esportivo?
JHA - Os Estados Unidos são os que melhor exploram o marketing esportivo disparadamente no mundo ocidental. Depois vem a Europa, onde são mais organizados do que marqueteiros. O Brasil está no caminho, tem um mercado publicitário forte, já passa a candidato para se tornar uma potência mundial, mas é necessário rever o modelo de gestão, baseado em dirigentes amadores. “Profissionalização já!” deveria ser nosso slogan, pelo menos para o esporte de alto rendimento.

Competir - De todos os projetos que já assessorou, qual classificaria como o mais difícil de negociar ou administrar e por quê?
JHA - O basquete. Em 1995, o ele não estava entre os dez esportes mais populares do País. Com a vinda do Oscar, o apoio da Hortência e um projeto inédito, conseguimos atrair a atenção do SporTV, Reebok, Molten, Unysis e Editora Panini. Em 1996, tivemos o melhor campeonato brasileiro de basquete da história do esporte no Brasil, com 2 mil pessoas em média por partida, contra 500 do ano anterior, e alcançamos o segundo lugar na preferência do público pelos índices de audiência do SporTV, perdendo apenas para o futebol e ocupando o lugar do vôlei, que então pulou para o terceiro lugar. Iniciamos uma nova forma de empacotar as propriedades do evento para patrocinadores, unindo os espaços publicitários da quadra aos de vídeo. Anos mais tarde, o futebol veio a adotar a mesma prática.

Competir - O Brasil conseguirá se preparar para receber a Copa? E as Olimpíadas? Como você acha que o custo Brasil pode interferir, sobretudo na captação de investimentos?
JHA - Acho que não estamos preparados para captar os recursos da iniciativa privada, principalmente pela falta de profissionalismo. O Rio de Janeiro vai sediar os jogos olímpicos de 2016 e, basta dar uma olhada, para vermos a quantidade de atletas com potencial olímpico no Estado. As federações esportivas não têm recursos, portanto não existem competições esportivas de bom nível que atraia a atenção do público, da mídia e, consequentemente, dos patrocinadores. Para agravar, não temos centros de excelência que recrutem, selecionem e formem atletas das diversas modalidades. Na Copa do Mundo de 2014, teremos estádios novos, reformados a alto custo, com pouca probabilidade de pleno aproveitamento depois que o evento terminar. Basta ver o exemplo do Estádio João Havelange, o “Engenhão”, que custou mais de 300 milhões de reais e apresenta uma série de problemas que dificultam sua viabilidade.

Competir - O Brasil, com as políticas atuais, se tornará uma potência olímpica?
JHA - Tenho a esperança de que a competência de [Carlos Arthur] Nuzsman e de seus colaboradores revertam as expectativas, que não são animadoras. Terão um grande desafio pela frente, mas podem alcançar este objetivo com muito planejamento e foco nos resultados. Talentos nós temos de sobra.

Competir - Qual a importância de criar marcas no esporte?
JHA - Olimpíadas e Copa do Mundo são dois exemplos de marcas poderosas, que estão entre as mais valiosas do mundo. São capazes de impulsionar outras marcas importantes, que querem estar nestes eventos, e proporcionam uma plataforma de comunicação que nenhum outro veículo oferece. As empresas têm publicidade garantida pela mídia espontânea e transmissão das partidas, mas também servem como ferramenta de relações públicas, eventos, promoções e endomarketing, como nenhum outro evento ou veículo de comunicação pode oferecer.

Competir – O quanto a falta de profissionalização, sobretudo nos clubes, atrapalha?
JHA - Diria que é o fator crítico de sucesso para o fortalecimento do esporte brasileiro. O governo teve uma chance única de exigir aos clubes de futebol devedores de impostos que se profissionalizassem, para obter benefícios que os ajudassem a pagar estas dívidas. Mas preferiu a Timemania, que não vingou até o momento.

Competir - Ricardo Teixeira (Confederação Brasileira de Futebol) e Carlos Arthur Nusman (Comitê Olímpico Brasileiro) estão eternizados no poder. Quão prejudicial é ao esporte no brasileiro as federações terem dirigentes jurássicos?
JHA - São modelos históricos, que criaram grandes marcas como as dos clubes de futebol e das próprias confederações. Mas perderam o timing ao não acompanharem as mudanças que o mercado exigia, desde o tratamento ao torcedor, até as reações com TV e anunciantes. O resultado aí está. No futebol, clubes endividados e, nos esportes olímpicos, entidades que dependem do governo e de suas empresas públicas para sobreviver.

Competir - Investigações e rastreamentos nessa área geralmente empacam. A CPI do Esporte não foi pra frente, e o livro do Silvio Torres sobre a CPI da bola foi censurado. Quem tem o interesse de coagir essas iniciativas?
JHA - O esporte, historicamente em alguns países, foi usado como instrumento político. No Brasil não foi diferente. Na época da ditadura, havia um slogan – “Onde a Arena [partido do governo militar] vai mal, mais um clube no nacional”. Também construíram vários estádios pelo Brasil afora que se tornaram verdadeiros elefantes públicos. Hoje ainda temos resquícios desta simbiose “Estado – esporte de alto rendimento” pelos rendimentos políticos que podem proporcionar.

Competir - O que você acha de ex-jogadores que se tornam políticos?
JHA - Se a intenção for boa, pode ser positivo. Como em qualquer outro setor, o esporte precisa de representantes para defender seus interesses e as mudanças necessárias para seu desenvolvimento.

Competir - É um erro estratégico termos craques saindo cedo do País?
JHA - Sem dúvida. Exportamos material-prima, ao invés do espetáculo. Somos agrários no futebol e em outros esportes.

Competir - Os grandes campeonatos do mundo compram os nossos craques. Não poderia ser diferente, ou seja, nós comprarmos os craques dos outros países para jogarem aqui? O Brasil não pode concorrer com os principais campeonatos do mundo pelos craques? JHA – Sim, o Brasil é uma das maiores economias do mundo, e temos um mercado publicitário capaz de carrear recursos dos anunciantes para o esporte. Pela falta de credibilidade e profissionalismo, isso acaba não ocorrendo, tornando a exportação dos diamantes não lapidados uma necessidade para os clubes.

Competir - Quais os desafios que você encontra no Avaí? Qual a estrutura do clube? Por que você resolveu assumir um projeto no clube? O esporte de Santa Catarina tende a crescer e ter destaque no País?

JHA - O Avaí pode se tornar um modelo de gestão esportiva. Em 2009, apesar de ter um dos quatro menores orçamentos do Campeonato Brasileiro (20 milhões de reais, contra 120 milhões do campeão Flamengo), chegou em 6º lugar. Isso ocorreu graças à visão de um empresário de sucesso de Santa Catarina, o Dr. João Nilson Zunino, que vem implementando modelos de planejamento estratégico e profissionalização do clube. Foi o que me atraiu à bela Florianópolis.


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Benê Lima