Especialista em treinamento esportivo fala sobre importância do trabalho desenvolvido na base
Bruno Camarão
O momento do Atlético-MG, apesar dos triunfos nas últimas duas rodadas da Série A do Campeonato Brasileiro, é complicado. Pela relação integrada da base com o departamento de futebol profissional, especialmente no que se refere ao conhecimento de atletas para serem lançados, bem como a troca de informações entre membros das comissões técnicas, alguns pontos negativos poderiam ressoar no ambiente de formação. O trabalho, então, é blindar os mais jovens.
Além disso, no projeto em que os profissionais ligados às categorias menores têm acesso a todas as avaliações e equipamentos utilizados pelo futebol principal, o uso paulatino de atletas com determinado perfil para atender às necessidades mais urgentes é colocado em prática. Desde que assumiu o comando, em substituição a Vanderlei Luxemburgo, o treinador Dorival Júnior esclareceu essa intenção.
“Acho que tem que ser assim: a base abastecendo a equipe principal. É muito importante a participação de cada um deles. Estamos atentos para reforçar o elenco”, comentou o ex-santista, que comemorou o gol de Werley, formado na Cidade do Galo, na vitória de virada sobre o Corinthians (2 a 1).
Assim como o defensor, outros talentos frequentam diariamente o centro de treinamento que foi eleito o melhor do país. Na faixa sub-17, cabe a Wladimir Braga o comando da preparação física dos aspirantes a ingressarem no profissionalismo e participarem da história centenária do clube mineiro.
Especialista em treinamento esportivo e pós-graduando em Administração e Marketing, Wladimir tem a atribuição de introduzir no aquecimento treinos técnicos situacionais em conformidade ao modelo de jogo da equipe, com a utilização de pequenos e grandes jogos. E o cuidado é redobrado, por se tratar de um plano de ação com uma faixa etária muito especial em se tratando de esporte de alto rendimento.
“O atleta juvenil, em muitos casos, pode treinar com a equipe profissional e nesse sentido existe a preocupação de que esteja em condições coordenativas e de força para poder suportar o ritmo de jogo dos adultos. Assim, julgo que no juvenil o treinamento visando desenvolver a hipertrofia (na musculação), bem como trabalho de potência (tração, areia ou em forma de jogo) permite ao atleta incrementar sua capacidade de força bem como melhorar a velocidade cíclica e acíclica, além de suportar os choques constantes de um jogo e finalmente prevenir lesões musculares”, explicou, nesta entrevista à Universidade do Futebol.
No Atlético-MG há quase uma década, ele garante que os treinadores alvinegros possuem a preocupação em estimular e incentivar no atleta um comportamento de proatividade, liderança e comunicação constante a fim de que este, seguindo qualquer modelo de jogo, possa agir de maneira imediata nas variações que o jogo permite.
“A escola brasileira de futebol é conservadora e se esconde ainda atrás de um pentacampeonato obtido com méritos, mas que precisa de renovação de conhecimento e metodológico. Existe uma dificuldade de compreensão relacionada ao reducionismo de pensamento ou modelo tradicional e fragmentado de se enxergar o futebol. Com muitas barreiras, as mudanças demorarão a ocorrer neste aspecto”, prognosticou Wladimir, que também falou sobre a “mentira” da pré-temporada e os conceitos de um atleta bem treinado.
Universidade do Futebol – Em primeiro lugar, conte um pouco sobre sua formação e a trajetória no esporte de alto rendimento.
Wladimir Braga – Entrei no curso de Educação Física na Universidade Federal de Viçosa-MG em 1996, já com pensamento em seguir carreira no futebol e me preparar pra atuar no alto nível de rendimento. Durante o curso sempre atuei com equipes de treinamento, seja como treinador ou na preparação física.
Também dei ênfase ao trabalho de formação de atletas por ser de extrema importância para desenvolver habilidades metodológicas, além de naquela época já identificar deficiências no treinamento de jovens atletas em âmbito nacional.
Em janeiro de 2001 fui contratado pelo América Futebol Clube, de Minas Gerais, para desenvolver meu primeiro trabalho após ter me formado na preparação física. Permaneci por excelentes 18 meses até ser chamado pelo Clube Atlético Mineiro pra coordenar o treinamento de musculação das categorias de base.
Após seis meses, voltei para o trabalho de campo. Trabalhei um mês com o pré-infantil e logo fui promovido pra categoria infantil (sub-15), em fevereiro de 2003. Em junho de 2006 recebi o convite do juvenil (sub-17), categoria em que venho desenvolvendo até agora um trabalho de aprimoramento no que se refere à vivência nas diferentes formas de trabalho visando capacitação e adaptação aos diversos treinadores existentes no futebol brasileiro.
Trabalho de Wladimir está relacionado com o modelo de jogo e planejado junto com os demais membros da comissão técnica
Universidade do Futebol – A infância é entendida como um período de grande importância para o desenvolvimento motor, sobretudo porque é nesta fase que ocorrem o desenvolvimento das habilidades motoras fundamentais que servem de base para o desenvolvimento das habilidades motoras especializadas que o indivíduo utilizará nas suas atividades cotidianas, de lazer ou esportivas. Como é o seu trabalho com o grupo sub-17 do Atlético-MG?
Wladimir Braga – A categoria juvenil, no meu entendimento, é a que apresenta maiores dificuldades e a de maior importância na formação de atletas no futebol (sem esquecer o papel das categorias menores e a sub-20).
O atleta juvenil, em muitos casos, pode treinar com a equipe profissional e nesse sentido existe a preocupação de que esteja em condições coordenativas e de força para poder suportar o ritmo de jogo dos adultos. Assim, julgo que no juvenil o treinamento visando desenvolver a hipertrofia (na musculação), bem como trabalho de potência (tração, areia ou em forma de jogo) permite ao atleta incrementar sua capacidade de força bem como melhorar a velocidade cíclica e acíclica, além de suportar os choques constantes de um jogo e finalmente prevenir lesões musculares.
Considerando minha relação com o componente técnico, tenho a atribuição de introduzir no aquecimento treinos técnicos situacionais, como cruzamentos, finalização e troca de passes em conformidade ao modelo de jogo da equipe, dando mais tempo ao treinador para aprimorar os princípios de jogo da equipe.
Já no aspecto tático, utilizo dos pequenos e grandes jogos, com os quais consigo dar o ritmo de jogo pretendido para a equipe, bem como a melhora das capacidades, tudo de acordo com o modelo de jogo e planejado junto com os demais membros da comissão técnica.
Universidade do Futebol – Em estudo recente, desenvolvido pela UFV, em parceria com o canal SporTV, a “Cidade do Galo” foi eleita o melhor centro de treinamento entre os clubes profissionais da primeira divisão do Campeonato Brasileiro. Qual é o reflexo disso no departamento de formação, local onde você trabalha?
Wladimir Braga – Há que se ressaltar que a base possui as mesmas condições de treinamento e alimentação dos profissionais, além de um ótimo alojamento. Para a base, esta pesquisa refletiu de forma positiva entre comissões técnicas, atletas e a certeza de que estão sendo preparados para jogar numa equipe de ponta do futebol.
Na verdade, entendendo que a Universidade Federal de Viçosa é destaque na formação de profissionais do futebol, como Ney Franco (hoje técnico do Coritiba, da seleção brasileira sub-20 e coordenador das divisões de base da CBF), Alexandre Lopes (preparador físico do Coritiba) e Alexandre Grasseli (treinador do sub-20 do Cruzeiro Esporte Clube) entre outros, conhecida, portanto, como um centro de excelência na preparação de profissionais e de pesquisas do futebol, o estudo trouxe para o Atlético-MG a certeza de que estamos no caminho correto e que, aliado à excelente formação e competência de todo o staff da base, estamos entre os melhores clubes de futebol do Brasil, além de ser o melhor clube formador de atletas.
Universidade do Futebol – Há uma integração entre as categorias de base e o futebol profissional no Atlético-MG?
Wladimir Braga – Existe uma relação de profundo entendimento entre a base e o profissional no que se refere ao conhecimento de atletas em formação para serem lançados, bem como uma troca de informações entre membros das comissões técnicas.
Acredito ser esse o aspecto principal no ambiente de trabalho de um grande clube. E temos acesso a todas as avaliações e equipamentos utilizados pela categoria profissional, com os resultados sendo constantemente observados pelos fisiologistas.
Universidade do Futebol – No Brasil, são poucas as linhas de pesquisa científica para identificação de talentos esportivos. De que maneira o Atlético-MG trabalha em seu departamento de formação a detecção de jovens com potencial para se tornarem atletas profissionais?
Wladimir Braga – Dentro dos critérios conhecidos (técnico, tático, físico e psicológico), o clube dá importância ao atleta com melhor técnica e inteligência tática quando da captação de jovens atletas, acompanha e desenvolve os componentes físicos e psicológicos. Mais do que valores numéricos das avaliações (que também são relevantes), acreditamos na relação entre os componentes para projetar o perfil do jogador.
Universidade do Futebol – Em seu site pessoal, você afirma em uma passagem que pré-temporada no futebol brasileiro “é pura mentira”. O argumento é que é impossível, com o calendário dispondo de apenas 10 a 15 dias de treinamento, preparar os jogadores de maneira que eles consigam suportar todo o ano. Como mudar essa realidade?
Wladimir Braga – Mudar esta realidade é responsabilidade da CBF e das federações estaduais. Acredito que só adequando nosso calendário ao europeu e reduzindo o tempo de duração dos estaduais podemos resolver este problema. Agora, existe alternativa mais simples que é função dos profissionais das comissões técnicas: esqueçam Matveev, esqueçam período preparatório e esqueçam pico de rendimento. Futebol é um esporte tático e deve ser entendido como tal, a preparação física é função auxiliar no treinamento e antes de correr muito é preciso correr certo.
Portanto, os preparadores que devem se adequar às exigências do futebol, do treinador e do modelo de jogo, e não o contrário. Vale lembrar que em momento algum foi negada a importância do entendimento do potencial físico dos jogadores no processo de preparação de uma equipe profissional.
Melhor CT do Brasil, Cidade do Galo tem estrutura que atende também às categorias de base do clube mineiro
Universidade do Futebol – Nas categorias de base, as adversidades são semelhantes, ou o cronograma de competições é um pouco diferente?
Wladimir Braga – Na base normalmente é mais fácil cumprir conteúdos de formação que, apesar de soar como coisa de longo prazo, como equivocadamente pensam alguns, traz resultados de imediato. O calendário das categorias de base permite aos profissionais a aplicação dos conteúdos táticos, técnicos e físicos que são fundamentais na construção do atleta de perfil competitivo de alto nível – enganam-se os que pensam o contrário, pois formação e rendimento não são coisas dicotômicas.
Universidade do Futebol – Também em uma passagem do seu site, você aponta que a melhor metodologia de treinamento é aquela que se adapta melhor à linha de trabalho do treinador. Diante da troca constante nas comissões técnicas, como desenvolver um projeto em longo prazo? A melhor opção seria ter uma capacidade de “mutação” e adaptabilidade a cada parceiro?
Wladimir Braga – Acredito que existem linhas de trabalhos em que cada uma possui seus parâmetros de desempenho, bem como sua aplicabilidade para cada situação de calendário, cultura local, linha de pensamento do treinador e política do clube. Por isso penso ser fundamental acrescentar em nossa conduta profissional no mínimo uma prática interdisciplinar aliada ao repertório metodológico rico e a esta capacidade de mutação que foi citada.
Universidade do Futebol – Qual é o real conceito de atleta bem treinado?
Wladimir Braga – Apesar de já neste mesmo espaço ter apresentado um artigo referente ao conceito de atleta bem treinado, vou expor uma visão mais atualizada.
O atleta bem treinado possui as seguintes características:
• Possui predisposição ótima para o trabalho;
• Recupera-se facilmente entre sessões de treino e jogos;
• Dificilmente se machuca, sejam lesões musculares, articulares ou de choque;
• Cumpre função tática;
• Não perde o foco nas metas a serem atingidas;
• Por cumprir função tática, entende o modelo de jogo da equipe e assimila as variações com qualidade;
• Possui condições emocionais, cognitivas, técnicas e físicas para superar as adversidades.
Universidade do Futebol – O jogo de futebol não é feito apenas de fundamentos, movimentos técnicos, sendo a relação com a bola apenas uma das competências essenciais dessa prática. Como desenvolver atividades que facilitem a aprendizagem da estruturação do espaço e da comunicação na ação?
Wladimir Braga – Entender o jogo passa ser uma meta de aprendizagem neste sentido. Somente vivência em situações de tomada de decisão com pressão aliada ao conhecimento dos diversos modelos de jogo, bem como o conhecimento amplo do conceito de sistemas de jogo, função e características de atletas, seja de forma prática ou teórica, podem proporcionar ao atleta oportunidade de entendimento do jogo e de sua realidade competitiva.
Universidade do Futebol – De maneira geral nos departamentos de formação dos clubes brasileiros, há uma real preocupação didática do profissional que se responsabiliza por essa área em explicar e discutir os treinos?
Wladimir Braga – Pelo Atlético-MG, posso afirmar que os treinadores possuem a preocupação em estimular e incentivar no atleta um comportamento de proatividade, liderança e comunicação constante a fim de que o mesmo, seguindo qualquer modelo de jogo, possa agir de maneira imediata nas variações que o jogo permite.
Assim, para tornar o plano uma realidade, todos os profissionais do clube assumem essa postura de discutir, explicar e adotar o instrumento que mais se aplica na situação vivida em cada momento.
Universidade do Futebol – Como os atletas jovens podem desenvolver esse processo de autonomia e participar da construção de uma atividade, além de tomarem decisões em campo com mais propriedade e eficácia?
Wladimir Braga – Acredito que a partir do momento que estimulamos um comportamento baseado na obtenção de algumas metas claramente definidas de aprendizagem e permitirmos aos jogadores a expressão de suas dúvidas e dificuldades com clareza, estaremos estabelecendo com o jogador uma relação de confiança e maturidade com os treinadores.
A partir do momento que existe entendimento do jogo e do modelo de jogo juntamente com seus princípios e subprincípios, o jogador estará apto a tomar decisões dentro de campo com total eficácia.
"Mais do que valores numéricos das avaliações, acreditamos na relação entre os componentes para projetar o perfil do jogador", aponta Wladimir
Universidade do Futebol – Pode-se dizer que o método tecnicista ainda está fortemente arraigado no inconsciente coletivo dos profissionais de futebol? Há uma grande dificuldade em compreender como é possível ensinar e aperfeiçoar a técnica dentro do contexto de jogo, ou como se teoriza, ensinar a técnica por meio da ação tática?
Wladimir Braga – O medo do desconhecido faz parte da natureza do ser humano. Em conjunto, há o preconceito de quem dirige um clube, bem como grande parte da imprensa que, infelizmente no nosso país, não respeita o bom trabalho, mas apenas o título.
A escola brasileira de futebol é conservadora e se esconde ainda atrás de um pentacampeonato obtido com méritos, mas que precisa de renovação de conhecimento e metodológico.
Ainda, considerando o segundo questionamento, existe uma dificuldade de compreensão relacionada ao reducionismo de pensamento ou modelo tradicional e fragmentado de se enxergar o futebol. Com muitas barreiras, as mudanças demorarão a ocorrer neste aspecto.
Universidade do Futebol – O treinador português Jose Mourinho defende um modelo de treino integrado, em que não há separação entre o que é físico, técnico, tático e psicológico. O que você pensa a respeito disso e como vê a aplicação de ideias como essa no futebol brasileiro?
Wladimir Braga – Considerando a resposta anterior, teria tudo para dar certo, salvo pelo preconceito, pelo não entendimento do futebol enquanto indivisível ou como diria Mourinho: “inteireza inquebrantável de jogar”.
O futebol brasileiro é conservador, é preconceituoso com algumas mudanças, por isso achamos que somos os melhores do mundo. Mesmo com uma próxima geração de treinadores que está por vir, com profissionais extremamente competentes em suas funções, ainda não será em breve que veremos alguém desenvolver este trabalho. Mas seria muito bom dentro das características do jogador brasileiro e do futebol de característica ofensiva que é a nossa cultura assistir a um trabalho de qualidade neste sentido.
O fim do preparador físico no futebol
Universidade do Futebol – Em se considerando a integração dos trabalhos físicos e táticos aplicados, nessa perspectiva, como você vê a inserção do preparador físico na comissão técnica daqui a alguns anos? Você acredita que existe chance dessa função perder sua aplicação?
Wladimir Braga – Verifico que a maneira reduzida como é entendida a preparação física já está sendo revista por algumas pessoas. Explicar e analisar o desempenho apenas a partir da preparação física é um erro grave que precisa ser deixado para imprensa e torcedores, mas num outro momento essa função terá seu espaço devido, a partir de um melhor esclarecimento do esporte pelos novos profissionais e dirigentes.
Universidade do Futebol – Qual é a relevância da área acadêmica para o diálogo e para a melhoria da atuação da comissão técnica e das demais áreas em um clube de futebol?
Wladimir Braga – O acesso ao conhecimento e às áreas que se inserem no futebol possibilita eficácia na comunicação interna, bem como no plano, execução e gerenciamento de projetos dentro do clube. Contudo, é fundamental o entendimento de todos da missão e das metas a serem atingidas em cada nível ou área de atuação e atuação interdisciplinar de seu trabalho.
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Parabéns Vladimir otima Reportagem!!!!
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