Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quinta-feira, outubro 28, 2010

Presidente da Fifa critica Seleção de Dunga

Blatter: 'Brasil da Copa não tinha identidade'

Presidente da Fifa critica Seleção de Dunga, lamenta ausência de Ronaldinho na África do Sul e chama equipe de 'velha'

Blatter - foto:EFE

Paulo Roberto Conde
Enviado especial a Zurique (Suíça)

O futebol pragmático da Seleção Brasileira comandanda por Dunga na África do Sul não irritou apenas os brasileiros. Nesta segunda parte da entrevista concedida ao LANCENET! em Zurique, o presidente da Fifa revela que se decepcionou com a equipe pentacampeã. Na opinião do dirigente, a impressão que se tinha era a de que todos
procuravam Ronaldinho Gaúcho quando viam o banco. Além de explicar a demora para as regras do futebol mudarem, Blatter também diz que o Comitê Olímpico Internacional (COI), do qual é membro, é elitista.

– O COI não confia na África e não confia na América do Sul. Ele confia apenas nos países ricos.

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Na última Copa do Mundo, houve muita discussão a respeito da adoção de novas tecnologias de conferência e replays no futebol. Passados três meses do fim da Copa, teremos mudanças?
Os guardiões das regras do jogo são os membros da International Board. É um grupo composto de oito membros: quatro da associação britânica (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) e quatro representantes da Fifa. Cada grupo tem direito a quatro votos. Para mudar qualquer coisa, é preciso ter seis dos oito votos. Significa que a Fifa sempre pode vetar uma decisão, mas o contrário também ocorre. Sempre precisamos de dois votos deles. A International Board é uma organização conservadora, que fará 125 anos em 2011, ou seja, é bem mais velha do que a própria Fifa. Enfim, este comitê decidiu há dois anos parar com a apreciação da tecnologia de medição da linha de gol porque não havia sistema acurado para fazê-lo. Ou melhor, até exisitia um sistema acurado, mas não era instantâneo. Entenda, é preciso dar o resultado se foi gol ou não imediatamente, porque o jogo não para. E  seria um absurdo parar a partida dez segundos depois. Um outro gol já poderia ter saído. Depois do famigerado gol não-marcado (do inglês Frank Lampard) no jogo entre Inglaterra e Alemanha, na Copa da África, o debate recomeçou. E você veio até Zurique em boa hora, porque ainda esta semana (a entrevista foi realizada em 5 de outubro) vamos receber aqui na Fifa 11 companhias que farão apresentações sobre sistemas de conferência. Observaremos as propostas e faremos nós, da Fifa, uma apresentação à International Board. Mas apenas tecnologia da linha de gol, nada mais que se atenha ao campo de jogo. Vamos ver se achamos uma tecnologia acurada o bastante para usar a partir de julho de 2011.

Então é inimaginável pensar que, no futebol, pode ocorrer algo semelhante ao que se passa no futebol americano? 
Na NFL, o jogo é paralisado e a jogada é revisada por árbitros mediante desafio solicitado pelos técnicos. Não queremos isso. Os fãs não querem isso. Se não há discussão sobre decisões da arbitragem, então não é futebol. No futebol, os seres humanos estão jogando e os mesmos seres humanos estão apitando. Todos podem cometer erros.

À parte a tecnologia, há algum outro aspecto do futebol que você deseja mudar?
Havia uma discussão que voltou à tona sobre a necessidade de prorrogação e pênaltis. A discussão diz respeito a adotar um outro sistema de definição de uma partida ou de reintroduzir o gol de ouro. Acho que ficou algo mal resolvido porque na Copa do Mundo (da África) muitos times jogaram para não perder, e não para vencer. Houve jogos que não foram interessantes. Então, veio à pauta uma discussão sobre acabar com o empate na primeira fase da Copa. Por exemplo, decidir um vencedor da partida de alguma maneira, seja por pênaltis ou outro sistema. Vamos discutir isto muito em breve, em reunião com o comitê técnico e o comitê de futebol da Fifa.

Em sua opinião, a Copa da África teve muitos jogos ruins?
Sim. E ouvi a mesma opinião de muitos especialistas. Lembro-me de ter conversado com Franz Beckenbauer e ele ter dito: “vocês têm que mudar o jogo. Da maneira como está sendo jogado, é impossível”. O futebol é um esporte em que é preciso procurar vencer. Enfim, pelo menos vamos discutir este problema. O difícil é convencer a International Board. Aqueles quatro britânicos (Blatter faz expressão sugerindo desinteresse dos membros britânicos)...

Se o senhor tivesse poder de mudar as regras do futebol sozinho, o que faria?
Eu diria que faria algo como o que João Havelange fez, no escritório da Fifa. Ele instituiu sete itens que gostaria de mudar nas regras do jogo. Mas depois de duas ou três reuniões com a International Boardo, voltou para cá dizendo: “mais perfeito são as regras do jogo. Não entramos em discussão. Tá bom assim (em português)”.

Outra discussão diz respeito ao número abusivo de jogadores estrangeiros nos times europeus. A Inter de Milão foi campeã europeia sem ter um único italiano na equipe titular. Não é hora de mudar alguma coisa?
Este é um assunto que está na pauta do congresso da Fifa desde 2005. Há uma restrição pesada da União Europeia, porque ela diz que isso cerceia a livre-circulação das pessoas. Mas, na minha opinião, este é um outro problema. Na Itália, apenas a Inter de Milão enfrenta este problema. Mas, quando eu conversei com o senhor (Massimo) Moratti (presidente da Inter), ele disse: “presidente, nós temos de honrar nosso nome. E nosso nome é Internazionale”. Ele se saiu com essa. Mas o contrário é mostrado pelas seleções nacionais. Na Copa de 2010, a campeã Espanha tinha 11 titulares que jogavam no país, e do elenco apenas Cesc Fábregas e Fernando Torres estavam no exterior. A Alemanha tinha todos os 23 jogadores do elenco em equipes da Bundesliga. A única equipe africana que passou à segunda fase da Copa foi Gana, que tinha 80% dos jogadores em times do país. E por que a Inglaterra não foi bem? Porque certas posições-chave do futebol são ocupadas apenas por estrangeiros na Premier League: goleiro, defesa central e ataque. O que a Inglaterra tem de bom? O meio-de-campo, com Lampard e Gerrard. Mas só com meio-de-campo você não ganha. A Inglaterra não estava em um grupo difícil na Copa, mas penou. Por quê? Não marcava gols. Nós temos o regulamento 6+5, e alguns países o cumprem. Outros países não, enquadram o jogador na mesma situação de um trabalhador normal. Mas é totalmente diferente. Espero que um dia (a União Europeia) mude sua posição, e eu acho que vai mudar. 

Esta situação de excesso de estrangeiros ocorre em muitos outros esportes, como rúgbi, basquete e vôlei. Mas ninguém interfere neles. Sabe por quê? Porque os políticos não se preocupam com esporte, apenas com o futebol.

O senhor é membro do Comitê Olímpico Internacional (COI). Qual sua opinião sobre o fato de o Rio de Janeiro ter sido eleito para sede dos Jogos de 2016?
O movimento olímpico finalmente seguiu a ação da Fifa de ir a continentes que nunca tiveram chance de receber os grandes eventos.

Por que o COI demorou tanto tempo mais do que a Fifa para “descobrir” a América do Sul, por exemplo?
Porque ele não confia na África e não confia na América do Sul. Ele confia apenas nos países ricos. Basta olhar onde os Jogos Olímpicos foram realizados até hoje. Nunca havia ido a um país em desenvolvimento. No Rio, será a primeira vez. Entenda que há muitos interesses financeiros em torno dos Jogos Olímpicos. Por muito tempo, o fiel da balança foi a rede americana de televisão NBC. Agora há outras televisões no circuito, mas você pode perceber quantas vezes a América do Norte recebeu Olimpíadas, tanto de Verão quanto de Inverno (12 Olimpíadas, das quais oito nos Estados Unidos).

Então, baseado no que o senhor disse, pergunto: se o Brasil estivesse fora do Top 10 da economia mundial ainda assim receberia a Olimpíada?
Sim, receberia. Desta vez, havia todo um movimento em favor do Brasil. A única chance de não ser o Brasil era uma eventual escolha de Chicago (EUA). Mas, como Chicago foi eliminada na primeira rodada... Outra coisa: a escolha do Rio representou o fim da era (Juan Antonio) Samaranch (ex-presidente do COI), que insistia para que os Jogos Olímpicos de 2016 fossem para Madri.

Em relação à competição de futebol na Olimpíada, parece que o evento tem uma consideração pequena durante os Jogos. Obviamente não digo em comparação com a Copa, mas o futebol, por conta da regra Sub-23, não fica muito ofuscado?
O programa olímpico não diz que o futebol deve ter uma consideração melhor do que os outros esportes. Acho que tem a ver com o fato de que a televisão americana domina a transmissão olímpica, e não há vontade de promover o futebol nos Estados Unidos. Na programação olímpica da televisão que detém os direitos de transmissão, o futebol ocupa apenas um pequeno nicho. E as televisões nacionais têm de adquirir direitos especiais de transmissão para um o outro jogo de futebol da Olimpíada.

Por quê? Porque nós (futebol) somos muito populares. Se levarmos as melhores seleções do mundo, completas, as pessoas só vão querer ver futebol e não outros esportes. Mas, ainda assim, o futebol teve cerca de 1 milhão de pessoas que assistiram in loco às partidas em Pequim. Apenas em algumas partidas de futebol feminino o público foi ruim, mas no geral foi bom. O Brasil levou Ronaldinho, Messi estava lá.

É impossível mudar esta idade-limite para os jogadores participarem da Olimpíada?
Nós temos uma estrutura na Fifa, e eu acho bem lógica. Temos o Sub-17, que é a escola primária. O Sub-20 é o colégio. O Sub-23 é a universidade. E a Copa do Mundo é o mestrado. Curioso é que o Brasil teve apenas um jogador Sub-23 na Copa da África. Era uma equipe muito velha.

E Dunga deixou bons jogadores com menos de 23 anos no Brasil.
Sim, eu sei. E os dois astros não estavam bem. Kaká não estava em boas condições. E Elano se machucou logo no segundo jogo. Acho que todos estavam olhando para o banco de reservas e se perguntando: “onde está Ronaldinho?”.

Falamos tanto de Copa do Mundo, mas acho válido perguntar: o senhor gostou do futebol jogado na África?
Eu até gostei, mas achei o futebol muito... Sabe, o Brasil jogou um futebol europeu. O Brasil perdeu a identidade antiga, de sempre procurar o ataque. Foi diferente da Alemanha, que massacrou a Argentina porque sempre buscou gols. O Brasil da Copa era um time minimalista. A defesa era muito forte, o goleiro era Júlio Cesar, como o imperador, e a equipe não teve problemas até enfrentar a Holanda. Mas aí Júlio Cesar falhou, se chocou com um companheiro e cedeu o empate. A partida estava apenas 1 a 1, mas o Brasil ficou tão chocado... Gostei dos jogos a partir das oitavas de final. O futebol foi melhor do que o da Copa da Alemanha, até porque as condições para jogar eram melhores. Em 2006 estava muito quente, era impossível correr. Na África todos precisavam correr, porque estava frio.

O senhor espera encerrar seu ciclo Fifa em 2015?
Primeiramente, deixe-me ser eleito no ano que vem (quando ocorrem eleições; Blatter já anunciou que vai concorrer ao quarto mandato). Há um ditado que prega que antes de oferecer um urso ao mercado, é preciso matá-lo. Então, vamos passo a passo.

Mas de que maneira quer ser lembrado ao fim de seu mandato?
Quero ser lembrado como alguém que levou o futebol como parte cultural da sociedade. Digo, em um contexto de que futebol é esperança, educação e escola de vida. De um lado, temos competições fantásticas ao redor do mundo, mas de outro temos um elemento que dá esperança às pessoas. O futebol é baseado em respeito e disciplina, é um combate disputado em equipe no qual se aprende a ganhar e perder. Se eu for re-eleito, será minha meta levar o futebol a mais países pobres, infestados de doenças, como muitos da África, Ásia e Caribe. Está ligando com campanhas que fazemos. Se tivermos sucesso, serei lembrado como alguém que imaginou o futebol como algo mais do que chutar uma bola.

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Benê Lima