Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, outubro 23, 2010

Tecnologia une-se a recursos humanos em favor do futebol

Eduardo Fantato, da ScoutOnline
Especialista defende utilização da tecnologia como esteio para profissionais da área esportiva
Artur Capuani

Em meio a um turbilhão de inovações tecnológicas que atinge a sociedade moderna e pós-moderna, um esporte, de origem remota e ainda incerta, caminha em ritmo moderado rumo à aceitação das novas tendências contemporâneas. Cada vez mais o futebol recebe suporte de ciências externas ao seu surgimento. Ideias que antes não apresentavam laços com a modalidade, mas que agora insistem em sua inserção no meio esportivo.

Computadores, gráficos e softwares são elementos externos às quatro linhas, mas que buscam com um viés técnico-científico uma relação quase que direta com os acontecimentos nos gramados. Defensor do uso da tecnologia para melhoria dos processos de treino e jogo no futebol, Eduardo Fantato faz um resumo simples e astuto do advento da tecnologia no futebol: “diria que está mais lento do que eu gostaria, mas mais rápido do que o próprio futebol espera”.

Ainda que com certa desconfiança, a aceitação do apoio tecnológico vem crescendo em clubes do mundo inteiro. Exemplo claro desta disposição, a ScoutOnline segue se consolidando no ambiente esportivo como prestadora serviços para a otimização do trabalho de federações, agremiações, comentaristas, entre outros.

“A ScoutOnline é uma empresa voltada para atender o esporte com recursos tecnológicos, desde de softwares para mensuração de desempenho a sistemas integrados de gestão, passando aí por uma série de produtos e outros serviços tanto de fornecimento de informações como consultoria técnico-científica”, explica Fantato, um dos idealizadores do projeto, em entrevista exclusiva para a Universidade do Futebol.

Colunista do portal, Fantato expressa em seus textos semanais seu posicionamento favorável à constante evolução futebol nas mais diversas áreas, além de apresentar certa decepção com as ideologias arcaicas que ainda prosperam no meio.

“Creio que mais do que investir em tecnologia é investir no profissional para que ele possa usufruir e tirar proveito dos recursos tecnológicos, tornando seu conhecimento mais amplo, mais ágil e mais replicável”, opinou.

Além de detalhar características do scout e sua importância para o futebol na atualidade, Fantato também comenta sobre a utilização de aparatos tecnológicos pela arbitragem e aponta o caminho para quebra da relutância que ainda reside no futebol.

Universidade do Futebol – Primeiramente, gostaria que falasse um pouco sobre sua formação e como ocorreu sua inserção no meio esportivo.

Eduardo Fantato Bom, desde que me conheço por gente sou fanático por esporte, qualquer tipo, qualquer nível, em especial futebol. Era daqueles meninos que parava para assistir jogo de terceira divisão, que jogava futebol de botão comigo mesmo na ausência de um adversário. Para ter uma ideia, meus pais me castigavam com proibição de assistir esporte na televisão caso eu fosse mal na escola. E confesso, esse era um verdadeiro castigo.

Como todo moleque sonhava em ser jogador de futebol. Acabei jogando futsal por um clube tradicional na modalidade em São Paulo. Com o futsal consegui uma bolsa de estudo mais cursinho em escola privada. Até então estudava em escola pública. Nesse momento pretendia fazer medicina ou biologia. Os técnicos às vezes pediam e eu adorava ajudar no treino das categorias menores. Foi quando comecei a me interessar pela Educação Física.

Daí o processo foi natural. A carreira de jogador infelizmente não decolava e foi então que segui para a graduação em Educação Física, agora com o sonho de ser treinador de futebol. Muitas aulas depois, pude amadurecer e compreender um pouco mais a área de atuação e as várias possibilidades de intervenção que o esporte possibilita.

Fui técnico de equipes de futsal e de futebol de campo, masculina e feminina, em nível universitário, em categorias de base, em federações, enfim, nas múltiplas possibilidades que foram surgindo. Tive a oportunidade também de estagiar e depois trabalhar por um período com uma equipe de hóquei sobre patins, modalidade pouco difundida no país, mas na qual tive grande aprendizado sobre a organização de um jogo coletivo e muito sobre como conduzir uma equipe com o professor João Batista Freire, na época exercendo a função de técnico da equipe.

Assim, foi como uma imersão de um sonhador que hoje sou fã e trabalho com o esporte, e confesso ser difícil separar onde começa um e termina outro.

Universidade do Futebol – Você é um dos idealizadores do projeto ScoutOnline. Conte-nos um pouco sobre como surgiu esta iniciativa e em que ela consiste.

Eduardo Fantato Vamos começar do final: a ScoutOnline é uma empresa voltada para atender o esporte com recursos tecnológicos, desde de softwares para mensuração de desempenho a sistemas integrados de gestão, passando aí por uma série de produtos e outros serviços tanto de fornecimento de informações como consultoria técnico-científica.

Mas tudo começou essencialmente com intenção de fazer scout, de automatizar a coleta e armazenagem de scout de jogos de futebol.

Em minhas passagens como técnico, sempre realizei de alguma maneira a análise dos jogos. Foi numa das equipes universitárias que acabei conhecendo Nicolás Bacic, goleiro da equipe e que hoje é meu sócio na empresa.

Conversas e muitos jogos depois, Nicolas levantou a ideia de automatizar aquelas análises feitas com muitas pessoas e com muito papel. A evolução foi a constituição de um sistema amplo que pudesse ser comercializado.

Conseguimos levantar recursos por meio de um projeto de inovação tecnológica da FAPESP, que contribuiu para o nascimento e para a certificação do sistema que é voltado para o mercado, mas possui alto rigor científico (o que deveria ser normal, porém ainda vejo algumas distancias entre mercado e o universo acadêmico, sobretudo no quesito prazos).

Assim, em 2004, começamos com os testes e desenvolvimento, e em 2005 constituímos oficialmente a empresa com a cobertura dos jogos do Campeonato Paulista e do Brasileiro, tendo como primeiro grande evento a cobertura em tempo real da Copa do Mundo da Alemanha em 2006.

Nesses cinco anos de empresa tivemos diferentes enfoques de atuação que serviram para ampliar nosso leque de serviços, ao mesmo tempo em que fomos obrigados a fazer isso como forma de sobrevivência.

Hoje dentre os serviços que temos destaco o sistema de informações dos jogos, acompanhamento em tempo real, consultoria especializada em análise de jogo e elaboração de relatórios, sistemas para mídiaweb, sistemas para mobile, sistema de planejamento e periodização de treinos, certificado de jogadores baseado em seu desempenho histórico, etc.

Me chama atenção sempre que me perguntam sobre a empresa e começo a fazer esse breve histórico. Como tínhamos um foco apenas em clubes e treinadores, vemos hoje que o mercado ampliou-se e ganhou inclusive mais força em outros segmentos como, por exemplo, a mídia e a própria interação direta com o torcedor.
 


 

Universidade do Futebol – Desde a fundação da ScoutOnline, como você avalia a aceitação destes produtos e serviços por profissionais do meio esportivo?

Eduardo Fantato Confesso que me decepcionei bastante com a mentalidade de muitos dos nossos profissionais. Quando me refiro aos profissionais, me refiro aos da elite do desporto nacional. Talvez a minha inocência ao sair da faculdade possa ter gerado essa frustração, mas percebi com o passar do tempo e com muito estudo acerca do tema, que o mercado e os profissionais necessitam de um tempo (e muitas vezes esse tempo pode fazer morrer oportunidades incríveis) para que possa entender, absorver e só então “digerir” a tecnologia.

As coisas têm mudado, mas acredito que o maior problema esteja em compreender os benefícios e limites da tecnologia. Passamos em muitos clubes no qual a desconfiança era generalizada, talvez até pelo cotidiano do futebol exigir que as pessoas tomem cuidados e se fechem as novidades, para evitar coisas que infelizmente acontecem no meio.

Arrogância, despreparo, receio, falta de compreensão, deboche, falta de profissionalismo, foram barreiras que encontramos e ainda aparecem no meio, mas cada vez mais vão diminuindo e sendo superadas.

Alguns profissionais receberam bem esses serviços inclusive contribuindo com sua experiência para aperfeiçoá-los e criar novas possibilidades, o que torna ainda mais ricas as ferramentas, e esse deve ser o espírito da tecnologia: interação e troca de experiências. Porém, muitas vezes o técnico não convence o clube a contratar um serviço e um produto com essas características. Mas creio que isso tenha ocorrido em outros momentos. Muitos clubes sequer investiam em equipamentos de musculação e hoje muitos estão montando grandes centros de treinamento com equipamentos fantásticos. Acho que o momento dos sistemas de mensuração e análise de jogo está chegando.

Hoje o convencimento ainda é difícil, pois às vezes o técnico entende a utilidade e necessidade, porém o diretor discorda. Outras vezes é o inverso. Isso esta relacionado ainda a questões de gestão, de controle de informações e de tomadas de decisão.

Universidade do Futebol – Qual a diferença entre o scout e as estatísticas do jogo?

Eduardo Fantato Quando falamos em estatística estamos falando basicamente da contagem numérica de ocorrências. No Brasil, geralmente o termo estatístico está ligado à questão de resultados de jogos, como mandantes e visitantes. Nos EUA, por exemplo, o conceito já abrange a contagem de ocorrências de ações e fundamentos de jogo. Inclusive, existem livros tradicionais que acumulam informações sobre a evolução dos estudos das estatísticas no esporte ao longo da história. Para quem gosta do tema, indico o livroAnthology of Statistics in Sports organizado por Jim Albert, Jay Bennett e James J. Cochran pela American Statistical Association and the Society for Industrial and Applied Mathematics.

Quando nos referimos a scout utilizamos também a contagem das ocorrências, mas vinculada a diferentes peculiaridades do jogo, relacionando tanto os aspectos quantitativos como os qualitativos. É necessário que o scout seja desenvolvido pensando a lógica do jogo, e talvez esteja aí um dos grandes desafios para quem trabalha neste segmento.

O pesquisador português Julio Garganta defende que hoje a análise de jogo, denominação que equivale ao que costumo chamar de scout, possa ser desenvolvida sobre três pilares: uma caracterização quantitativa dos dados, uma análise qualitativa de comportamentos, com base nas questões quantitativas, sendo essas um suporte para a determinação e caracterização das ações e por fim uma perspectiva que deve estar preocupada com a modelação do jogo com base nas variáveis técnicas e táticas. Sobretudo no quesito do desenvolvimento tático do jogo.

Eu costumo dizer que o scout pode ser desenvolvido em cinco dimensões de análise (análise histórica, análise temporal, análise espacial, análise situacional e análise sequencial), para quem tiver interesse nessa discussão em breve falarei um pouco mais sobre isso nos textos semanais.

Universidade do Futebol – Qual a importância do scout para análises de desempenho mais completas em uma comissão técnica de futebol?

Eduardo Fantato Muitos técnicos têm uma postura extremamente centralizadora, e isso reflete também na forma como enxergam o jogo. Consideram–se os únicos capazes de fazer uma análise. Entendo que no final das contas é o seu trabalho que está em jogo, porém, uma postura como esta diminui, no meu modo de ver, uma possibilidade de ampliar o alcance das análises, sejam elas de outras pessoas ou mesmo de sistemas tecnológicos.

Gosto muito de citar um estudo de Franks (1983) no qual indicou que treinadores de nível internacional não conseguem memorizar mais do que 30% dos eventos chaves de um jogo. Isso é muito significativo. Se as tomadas de decisões pudessem considerar mais do que apenas esses 30%, acredito que o trabalho do técnico ganharia cada vez mais potencial para intervir no andamento do jogo.

A tecnologia voltada para a análise de desempenho pode complementar a atuação de uma comissão técnica na medida em que automatizar a coleta de informação. Por um lado, deixa livre as pessoas que poderiam fazer isso para que desenvolvam outras atividades mais voltadas a própria análise do jogo. Por outro, também a velocidade e capacidade que os recursos possibilitam de armazenar e visualizar informações de formas variadas e rápidas ajudam a aumentar o resgate de elementos chaves dos jogos e consequentemente em tomadas de decisões mais eficazes.

A análise de desempenho deve ser entendida como uma ferramenta, seja no pré-jogo, no pós-jogo e sobretudo no decorrer do mesmo. Todavia, sempre deve ter a pessoa como referência. Um dado ou um recurso tecnológico sem a inteligência e manuseio da pessoa não faria sentido. Logo, acredito ainda que o uso do scout contribui para planificação de treino e análise de variáveis, tanto pela sua presença como pela sua ausência (mais uma idéia defendida também por Julio Garganta) e correlação com a obtenção do resultado. Incluo também a busca por mais especificidades nos treinos, bem como intervenções mais rápidas e fundamentais em situações objetivas.

Por fim, acredito também que o scout possa ser uma ferramenta de feedback para o atleta, e nesse sentido pode ser muito útil na formação. Tanto na formação, como na excelência desportiva, o feedback é imprescindível. Ele já ocorre de diferentes formas, seja pela propiocepção do atleta, pela avaliação do técnico, pela auto-avaliação ou também por meio do scout. Um atleta que seja estimulado a entender umscout, complementa seus processos de feedback e com certeza desenvolve mais possibilidades de compreensão do jogo, o que só faz, desde que bem mediado, melhorar seu desempenho.
 

Universidade do Futebol – Você acredita que o scout reflete com precisão os acontecimentos reais das partidas, sem que haja uma grande defasagem entre a coleta e a amostragem de dados?

Eduardo Fantato Eu não tenho dúvidas sobre o quanto posso confiar num scout, hoje muito mais com o advento da tecnologia. A utilização de recursos contribui para a agilidade do processo de coleta das informações, aliados a um bom rigor metodológico, temos capacidade ampla de armazenagem dos dados.

O que é importante é ter noção do que o scout representa, e a partir dele “aprender” a ler as informações diretas e indiretas. Costumo em algumas palestras mostrar uma planta de arquitetura e pedir que o pessoal fale sobre ela. Com certeza se ninguém tiver experiência nesse ramo as análises serão superficiais. A mesma coisa acontece com um scout. Se colocarmos para leigos ou pessoas que não transitam profissionalmente no meio do futebol as análises serão também superficiais. É necessário que se detenha o conhecimento do jogo, domínio dos recursos tecnológicos para aí sim conseguir fazer a leitura das informações e transformar isso em prática.

Existem hoje empresas sérias que trabalham com rigor sobre seus dados. E muitas vezes as pessoas tentam transformar o scout em algo extremamente subjetivo, quando na verdade ele só passa a fazer sentido quando consegue ficar nos limites do que o rigor científico defende, sobre fidedignidade, reprodutibilidade e validade. Sendo objetivo e padronizado permite-se uma análise mais longitudinal, mais recorrente sem a preocupação em tentar entender o que está por trás de cada informação a cada scoutque se observa.

A precisão depende sempre dos processos e recursos utilizados, e do controle que se faz sobre o mesmo. No caso da ScoutOnline eu consigo assegurar que os dados apresentam uma margem de erro aceitável (e em qualquer pesquisa é imprescindível se conhecer essa margem). A margem com que trabalhamos hoje é menor do que 5%. Acreditar que um sistema de mensuração consiga representar 100% do jogo é ilusão. Mas também devemos estar cientes de que o scout não pode ser visto apenas como uma representação do jogo. Isso limita as possibilidades de seu uso, pois nada substitui a vivencia do jogo propriamente dito, mas o scout pode sem sombras de dúvidas ser um ferramenta de análise do jogo, de interpretação das informações, que complemente o trabalho da comissão técnica.

Universidade do Futebol – Qual a sua avaliação sobre a utilização de aparatos tecnológicos que auxiliem os árbitros em suas tarefas?

Eduardo Fantato Eu sou totalmente favorável, e acho um absurdo o tempo que se demora para que essas medidas sejam adotadas. Participo de muitos debates com essa temática e sempre me deparo com críticos à adoção dos recursos, mas confesso que os argumentos utilizados não me convencem.

Seja do ponto de vista do romantismo, seja do ponto de vista sociológico, seja prático, ou qualquer prisma que se colocar, acredito que a adoção dos recursos tecnológicos só vem a contribuir com um futebol mais honesto e transparente, e com o consequente reflexo nas interações que se estabelecem entre as reclamações e equívocos, que acabam virando ou incentivando atos hostis e violentos de jogadores, técnicos, torcedores e presidentes de clube. Acho que quem defende o profissionalismo no esporte não pode ficar a mercê de erros que podem ser minimizados. Veja o exemplo do tênis, do próprio vôlei que utilizou recentemente câmeras acopladas ao notebook do árbitro, enfim, que permitem um espetáculo mais justo.
 


 

Alguns ainda argumentam que o advento da tecnologia restringiria o acesso, que seria antidemocrático. Não creio que esse seja um impeditivo, isso porque temos diferenças de qualidade de gramado, de refletores, de chuteiras, enfim de uma série de outros aspectos se fossemos olhar por esse prisma deveriam também ser entendidos como antidemocráticos.

Penso que a adoção deva ser feita gradual, bem estuda, buscando sem sombras de duvidas os recursos mais acessíveis do ponto de vista financeiro, e também do ponto de vista de implementação. Recursos móveis inclusive que possam ser reutilizados e transportados. Estamos na era tecnológica, sem sombra de dúvidas surgirão ideias. Se hoje um atleta anda de bicicleta e consegue reverter essa energia para carregar um aparelho celular, com certeza teremos soluções criativas para o futebol.

Se ficarmos num exercício de imaginação podemos pensar uma série de possibilidades só com aquilo que já temos disponível hoje no mercado: a adoção do chip na bola que indica quando ultrapassa a linha, câmeras especiais para consulta do árbitro em lances capitais, sem falar em sistemas de câmera ou chip que poderiam ser utilizados para mapear os atletas que eliminariam os problemas de impedimento por exemplo. Isso não acaba com a polêmica. Ainda existem faltas, e outros lances que dependem da subjetividade, mas com certeza com a eliminação de alguns problemas, as reclamações e o nervosismo dos atletas seriam reduzidos também. Inclusive a famosa desculpa que atribui a derrota aos erros de arbitragem
 


 

Universidade do Futebol – Caso existam, quais são as principais diferenças entre o futebol europeu e o brasileiro no tocante ao uso da tecnologia? Como poderíamos adaptá-las para a nossa realidade?

Eduardo Fantato Não vejo pontos muitos discrepantes, quando nos referimos aos aparatos tecnológicos, às vezes achamos que o futebol lá está muito na frente. Mas encontramos também por lá algumas coisas que temos em abundância aqui. Existe sim uma diferença, mas ela está centrada essencialmente na forma em como as pessoas lidam com os recursos tecnológicos.

No ponto de análise de jogo, acho que podemos encontrar a maior diferença, pois temos muitos clubes europeus com sistemas de rastreamentos de jogadores que se integram com os sistemas de análise. Do ponto de vista estrutural são recursos completamente acessíveis ao futebol brasileiro. É nesse aspecto que julgo não estarmos distantes.

Porém, se focarmos o uso, com certeza a distância existe. Daí muito mais por uma mentalidade de nós brasileiros acharmos que podemos dominar e controlar todas as variáveis, centralizando tudo nas mãos de poucos, para não dizer de uma única pessoa.

O caso mais significativo foi uma visita que recebemos de uma empresa europeia para costurarmos alguns acordos entre nossos serviços. Eles ficaram indignados em saber que “jamais” conseguiriam fazer com que clubes rivais, como por exemplo Corinthians e Palmeiras, investissem conjuntamente em recursos de mensuração de dados e compartilhassem quando jogassem em estádio visitante, aumentando assim a base de informações e reduzindo custos.

Afirmaram ser normal na Europa, sobretudo na Inglaterra, pois os clubes acreditam que quem faz a diferença não é o dado e sim o que se faz com ele, e isso sim era exclusivo e peculiar a cada clube, e não fazia sentido eles terem custos altíssimos e amplitude reduzida de coleta de informação. Eis aí um ponto no qual concordo plenamente com o pensamento, porém, quando perceberão que no Brasil a rivalidade extrapola os limites do bom senso, imagina o da concorrência competitiva.

Outro fator é a contratação de jogadores. Os grandes centros europeus já estão sendo mais criteriosos. Só o DVD (que no Brasil ainda é moda e tido como recurso de ultima geração) não basta. Eles querem avaliar desempenho, histórico de jogos, de lesões, exigem uma ficha mais completa do atleta. É um pensamento voltado para reduzir riscos e erros de contratação (que sempre existem, mas devem ser os menores possíveis)

Universidade do Futebol – Em sua coluna semanal na Universidade do Futebol, você indicou que ainda falta consciência e tranquilidade para o devido entendimento da importância da tecnologia no futebol. Qual a melhor forma de alterarmos este panorama?

Eduardo Fantato Com certeza o primeiro ponto é o de que as pessoas devem buscar se atualizar. Primeiro a partir do profissional perceber que necessita se atualizar. O que vemos é que as pessoas ao se disporem a isso perdem a tranquilidade, justamente por se submeterem a uma pressão que o sistema esportivo cria, na minha opinião erroneamente, de que alguém que busca se aperfeiçoar está ultrapassado. Basta olharmos o exemplo de Bernadinho no vôlei. O que muitos técnicos de futebol evitam, ou relutam demonstrar, Bernadinho utiliza como ferramenta de autopromoção, ao afirmar e aparecer de inúmeras formas estudando dados, colhendo opiniões de membros da comissão técnica, sem a menor preocupação (ou seja, com a tranquilidade que nos referimos) de que isso possa depor quanto à sua capacidade de decisão ou competência.

Desenvolver essa consciência é fundamental. Para alcançar isso acho que precisamos de uma série de intervenções na formação geral do profissional que atua com futebol. Mas nos limitando a falar de tecnologia, creio que existam passos básicos para que o profissional possa refletir e se auto-avaliar. Este processo vai desde trabalhos simples às estruturas mais complexas de interação tecnológica.

Para ser breve, o profissional necessita buscar (ou ser estimulado pelos cursos de formação) conhecimentos básicos de informática e de internet. Não basta usar as redes sociais, deve-se conseguir interagir com uma planilha de treino, com um relatório. Pode ser banal, mas é a realidade de muitas pessoas ainda hoje, e isso pude comprovar recentemente com um determinado profissional que a utilização de ferramentas como Excel, Word e Power Point são extremamente precárias.

Se o mundo tecnológico hoje esta sediado na web e na troca de informações, é imprescindível que o profissional consiga produzir e extrair informações. Que possa interagir com essas informações. Os sistemas que são desenvolvidos para o esporte seguem a lógica na maioria desses programas, e nem têm como serem muito diferentes por alguns limites que fogem da minha alçada avaliar. O profissional deve se alinhar ao que a sociologia chama de geração Y: pessoas que estão nascendo numa época extremamente informatizada. Se não posso dominar todo esse conhecimento, que eu me esforce para continuar a me aperfeiçoar.

Outro fator complementar é abrir a cabeça de que compartilhar informações (e por isso a necessidade de dominar os sistemas de informática) ajuda no processo de agilização e tomadas de decisão. Tão em moda no mundo corporativo hoje os processos de qualidade, de documentação das coisas que eram feitas. No futebol não existe documentação de nada. Não que com isso conseguiremos criar uma receita de como ganhar jogos ou como formar Pelés, porém, que possamos ter arquivos de informações abundantes que nos ajudem a evitar grandes equívocos. Mas aí esbarramos novamente na vontade de se fazer isso, ou na prepotência e displicência de que não é preciso, afinal “sempre ganhei sem precisar disso” é o que comumente ouvimos (e geralmente quando buscando o histórico não encontramos nenhuma conquista).

Para finalizar, creio que mais do que investir em tecnologia é investir no profissional para que ele possa usufruir e tirar proveito dos recursos tecnológicos, tornando seu conhecimento mais amplo, mais ágil e mais replicável

Universidade do Futebol – Qual a sua perspectiva para os próximos anos quanto ao desenvolvimento do esporte paralelo à utilização de produtos e serviços baseados em tecnologia?

Eduardo Fantato O uso de recursos tecnológicos já chegou ao futebol, mas talvez não tenha alcançado todos os segmentos e níveis que constitui esse complexo fenômeno social. Contudo, gosto muito de uma frase do historiador e sociólogo Norbert Elias, quando ele indica que toda sociedade tem uma espécie de esporte ou manifestação esportiva que representa e reflete seus valores e seus hábitos. Hoje vivemos numa era tecnológica, desta forma não acredito que o futebol consiga se manter fora dessa realidade. A gestão, a tecnologia, enfim, processos de otimização fazem parte do universo e de nosso cotidiano.

Creio que em breve a Fifa comece a ceder nas questões referentes a tecnologia como auxílio à arbitragem, que os clubes invistam cada vez mais em processo de gestão com auxilio da tecnologia e sistemas de mensuração de desempenho para avaliar jogadores e utilizando esses recursos nos processos de compra e venda, a capacitação de profissionais especializados na análise de jogo será inevitável. A função criada por Mano Menezes na seleção (analista de desempenho) é um grande sinal disso.

Na questão do marketing e relacionamento com o torcedor, cada vez mais faz sentido o advento da tecnologia, afinal é o cotidiano da sociedade hoje. Os aparatos voltados para a infraestrutura de CTs e estádios também com certeza estarão cada vez mais "linkados" (para utilizar um termo atual) a questões tecnológicas e sobretudo de sustentabilidade, que por mais que seja a palavra da moda, tem muito a contribuir com a otimização de recursos alocados por um clube de futebol.

E para aqueles que acham que a tecnologia vai destruir a essência do jogo ao automatizar as coisas, digo que eu não tenho essa preocupação porque o ser humano é inteligente e criativo suficientemente para dar novas soluções. Afinal, uma coisa são recursos de ultima geração, outra é o que se faz com eles, e isso depende de nós.

Se fosse resumir em um parágrafo o advento da tecnologia no futebol diria que está mais lento do que eu gostaria, mas mais rápido do que o próprio futebol espera.

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Benê Lima