Quantidade, frequência e especificidade
Sérgio Raimundo*
Para que serve o ensino? Como se aprende? Estarão as coisas bem, se os intervenientes afirmarem estar num processo que acham inútil?
Lourenço e Ilharco (2007) levam-nos a ter em conta uma necessidade fundamental que deve estar presente no treino e na vida, em geral, pois, para as pessoas sentirem os problemas e as soluções dos mesmos, como reais e significativos, têm que os viver, ou seja, os problemas hão de fazer parte do seu “mundo da vida”, usando a linguagem fenomenológica.
Abordagem ao feedback pela perspectiva da complexidade
Este artigo pretende tratar o tema do feedback (FB), que é a reação do treinador/professor à prática do atleta/aluno, não sendo possível falar isoladamente de FB sem contextualizar um pouco mais aquilo de que se fala, à luz da perspectiva da complexidade. Se tudo é complexo, o futebol é um sistema complexo e tudo o que nele acontece resulta da interação de inúmeros agentes heterogéneos e dispersos e do treino e da competição, fazendo-se a preparação física e técnica e táctica e psicológica e moral num treino, onde todos os elementos se encontram em rede e trabalham ao mesmo tempo (SÉRGIO, 2008).
Nesta perspectiva de análise, o ser humano é, segundo o filósofo Manuel Sérgio (2003, p. 29-30), bem mais do que a soma das partes, concentrando em si “o corpo, o espírito, o desejo, a natureza, e a sociedade”. Por estas razões, as dinâmicas sociais criadas dentro e fora do contexto de treino, devem ser tidas em conta no momento em que é fornecido FB. Para ser mais concreto, observe-se um exemplo do que José Mourinho disse a um jogador que tinha tido um problema com a filha: “(…) vai para casa, vai ver a tua filha e vai resolver o teu problema, e quando tudo estiver resolvido volta” (LOURENÇO, 2010, p. 74).
No futebol de formação, imagine-se um jogador que é castigado na escola, que tem uma discussão em casa, que assiste a um tiroteio na localidade onde reside, ou que perde um parente ou um amigo próximo por falecimento. Não se trata de dizer que se deva fazer isto ou aquilo, deixa-se apenas em aberto a reflexão do que poderá ser tido em conta no momento de fornecer um FB.
Quem não gostaria de ter atletas e alunos possuidores de uma criatividade tal, que permitisse uma fácil resolução de problemas de jogo ou outros? Que, durante o jogo, arranjasse espaço para passar pelos adversários, onde nunca pensaríamos que fosse possível que o mesmo existisse? E se esse jogador tivesse uma autonomia, que fosse o retrato exato de superação e ajustamento ótimo aos diferentes contextos de jogo? E se ele marcar gols com a parte anterior/ posterior/ exterior/ interna do pé será que isso é determinante? E se a assistência para o gol for realizada de calcanhar e tiver levado o público ao êxtase no espectáculo que é o futebol, será que ainda assim a mesma deveria ter sido realizada com a parte interna do pé?
Será que, ao obrigarmos os jogadores a passar ou rematar apenas de uma forma, estamos a privá-los de mais graus de liberdade que poderiam ter na resolução de problemas que surjam nos jogos? E em que medida é importante o espectáculo desportivo? E tomando a referência ao todo humano, estão a ser tidos em conta o espírito, o desejo e a natureza do jogador? Como podemos atuar a esse nível e num nível social?
Partindo do pressuposto que a prática e a instrução são fatores determinantes para a obtenção da excelência (WILLIAMS; HODGES, 2005) e que o FB é pertencente à esfera da instrução, sendo um aspecto chave da mesma, este artigo pretende fornecer indicações científicas acerca de abordagens relacionadas com o tema do FB. Apesar destas indicações, não nos devemos esquecer de ter a complexidade como pano de fundo, pois pertencemos a um sistema complexo e tudo o que nele acontece resulta da interação de inúmeras variáveis, logo a resposta certa…depende! “No humano nunca há uma causa só a justificar o comportamento (…) tudo é complexo” (SÉRGIO, 2008, p.130).
Quantidade e frequência do FB
Apesar de tradicionalmente os professores/treinadores terem a tendência de emitir grandes quantidades de FB, na crença de que quanto mais, melhor, a frequência ótima de FB parece estar dependente do nível de aprendizagem do jogador e da complexidade e dificuldade da tarefa (WILLIAMS e HODGES, 2005). Os mesmos autores referem que o mesmo pode ser mais frequente em etapas iniciais de aprendizagem e quando as tarefas de aprendizagem são difíceis, e gradualmente reduzido à medida que o nível dos praticantes aumenta.
Lee, et al. (1994) referem que a independência funcional de estudantes e atletas assenta na sua habilidade para pensar e agir autonomamente. Contrariamente a este fim, os autores verificaram que o fornecimento de FB instantâneo, durante a prática, tende a diminuir a interpretação de fontes intrínsecas de FB do praticante, como a visão e a propriocepção. Desta forma, apesar de o FB poder ser útil nas circunstâncias corretas, o mesmo pode ser dispensável à aprendizagem noutras. Pensemos no fato de o FB fornecido por um treinador não estar constantemente disponível (ex. durante um jogo com uma assistência ruidosa) como está nas situações de treino e/ou aprendizagem. Assim sendo, apesar de poderem ser observados decréscimos no desempenho dos atletas, como consequência do decréscimo da frequência de FB durante a prática, é provável que o aumento do desempenho se verifique em fases de retenção (em que o FB do treinador está ausente) e competição (WILLIAMS e HODGES, 2005).
Especificidade do FB
O FB está presente como uma consequência natural da ação de um atleta, através do FB intrínseco (ex.: o atleta consegue ver, sentir e por vezes ouvir a consequência de um passe), mas pode também ser fornecido extrinsecamente, através do treinador, que pode fornecer informação mais detalhada à ação efetuada, referente ao conhecimento do resultado da ação (ex.: grau de erro de um passe face ao alvo), ou ao conhecimento do desempenho nessa mesma ação (ex.: como o movimento do passe foi executado) (WILLIAMS; HODGES, 2005).
Quando o FB extrínseco é fornecido, Rosado e Mesquita (2009) referem que a intervenção de caráter meramente apreciativo (e.g. positiva – “muito bem”, ou negativa – “está mal”) não contém nenhuma informação específica acerca daquilo que se fez e do que se deve fazer em seguida para melhorar, sendo necessário especificar o que é considerado correto ou incorreto, na amplitude de resposta pretendida, e o que fazer para melhorar. Por exemplo, no caso do elogio, que segundo Henderlong e Lepper (2002) difere do FB positivo por não ser uma forma de reconhecimento tão neutra ou encorajadora como este, Bronson e Marryman (2010) realçam o fato dos investigadores terem descoberto que, para que o mesmo seja eficaz, deve ser específico (ex.: elogiar o esforço durante o jogo para recuperar a bola) em vez de meramente apreciativo (ex.: “jogaste bem”).
Estas indicações, não devem invalidar o fornecimento de FB, apenas de caráter afetivo, que possam ter objetivos de aumento da auto-estima e autoconfiança ou simplesmente estimulação do empenho dos atletas (SERPA, S., 2003), devendo a complexidade das situações ser tida em conta.
No sentido de fornecer especificidade ao FB, Rosado e Mesquita (2009) referem que a os FB’s descritivos (ex.: “quando recebeste a bola, passaste imediatamente sem olhar para a baliza”) podem fornecer informação técnica precisa acerca daquilo que faz. Williams e Hodges (2005) sugerem que este tipo de FB pode ser suficiente para que o executante altere o seu desempenho na tentativa seguinte, neste caso olhando para a baliza, principalmente para praticantes mais experientes, apesar de que, neste nível de aprendizagem, a precisão dos mesmos deve conter informação mais detalhada.
Os FB’s prescritivos servem para informar o praticante do que fazer para melhorar (ROSADO e MESQUITA, 2009; WILLIAMS e HODGES, 2005), indo este “melhorar” no sentido das respostas personalizadas criadas pelo treinador e pela entidade “clube”, como integrantes no seu modelo de jogo (ex.: “antes de teres a bola deves olhar para os colegas e para a baliza para depois seres mais rápido a decidir se driblas, passas ou rematas”).
Mas atenção! É habitual ouvir em sessões de treino, tanto por parte de alguns treinadores, como de algumas torcidas (sendo mais grave para os mais jovens, que interagem mais diretamente com as torcidas), FB prescritivos como “passa” ou “chuta”. De notar que estas intervenções limitam a capacidade decisória dos atletas por induzirem a respostas hetero-implementadas. Não sendo, pois, ações decorrentes das variáveis de percepção dos praticantes em relação aos constrangimentos do meio, diminuem os recursos cognitivos advenientes das suas experiências de “jogo”.
*Licenciado em Ciências do Desporto e Mestre em Educação Física pela Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa; trabalha com futebol de formação, tendo estado nas épocas 2008/2009 e 2009/2010, na Escola de Futebol do Sport Lisboa e Benfica
Bibliografia
BRONSON, P.; MARRYMAN, A. A razão inversa do elogio. In: Bronson, P.; Merryman, A. (Eds.). Choque na Educação – Novo pensamento sobre crianças. Lisboa: Lua de Papel, 2010. p. 19-35
HENDERLONG, J.; LEPPER, M.R. The effects of praise on children’s intrinsic motivation: A review and synthesis. Psychological Bulletin, v. 128, n. 5, p. 774–795, 2002
LEE, T. D., et al. Cognitive effort and motor learning. Quest, v. 46, p. 328-344, 1994
LOURENÇO, L. Mourinho – A Descoberta Guiada. Lisboa: Prime Books, 2010. 174 p.
LOURENÇO, L.; ILHARCO, F. Liderança – As lições de Mourinho. Lisboa: Booknomics, 2007. 318 p.
ROSADO, A.; MESQUITA, I. Melhorar a aprendizagem optimizando a instrução. In: Rosado, A.; Mesquita, I. (Eds.). Pedagogia do Desporto. Lisboa: FMH Edições, 2009. p. 69-130
SÉRGIO, M. Alguns Olhares Sobre o Corpo. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. 127 p.
SÉRGIO, M. O Futebol e as Ciências Humanas. In: Sérgio, M. (Ed). Textos Insólitos. Lisboa: Instituto Piaget, 2008. P. 119-132
SERPA, S. Treinar Jovens: Complexidade, Exigência e Responsabilidade. R. da Educação Física/UEM, Maringá, v. 14, n. 1, p. 75-82, 1. sem. 2003
WILLIAMS, A. M.; HODGES, N. J. Practice, instruction and skill acquisition in soccer: Challenging tradition. Journal of Sports Sciences, London, v. 23, n. 6, p. 637-50, 2005
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