Encerrada a carreira de jogador de futebol, Francisco Fraga da Silva, o Chico Fraga, exímio chutador, teve uma ideia. Buscando um espaço profissional para continuar na área, propôs ao Sport Club Internacional em 2001 um novo tipo de trabalho buscando mais eficácia nos lances de bola parada. Após o desenvolvimento de um projeto experimental, foi implantada a função do treinador de bolas parada no departamento de futebol do clube. Cobrança de faltas, pênaltis e escanteios começaram a ter outro tratamento.
“Foi formada uma equipe multidisciplinar para estudarmos todos os aspectos (físicos, técnicos, biomecânicos, psicológicos, emocionais). Procuramos desenvolver um projeto prático e ao mesmo tempo científico”, relembrou o ex-jogador, nesta entrevista à Universidade do Futebol.
Desenvolvido inicialmente nas categorias de base, a proposta foi implantada duas temporadas depois entre os profissionais, com a chegada de Muricy Ramalho ao clube. O treinador acreditou na metodologia implantada e logo os resultados começaram a ser vistos, com gols decisivos no Campeonato Gaúcho e no Campeonato Brasileiro.
Mesmo após a saída de Muricy, o trabalho seguiu e foi apoiado por outros treinadores, como Lori Sandri, Joel Santana e Abel Braga. Este último, grande entusiasta da iniciativa, comemorou a conquista da Copa Libertadores da América e do Mundial Interclubes de 2006 com o amparo de Chico Fraga e seus auxiliares.
“O relacionamento com o treinador e os demais membros da comissão técnica tem que ser de confiança e respeito. Como hoje em dia os gols originados de bola parada apresentam uma porcentagem bem elevada se comparada ao total de gols feitos em uma partida, este trabalho específico é muito bem visto e aceito pelos profissionais”, argumentou Chico Fraga, referindo-se ao sucesso da atividade.
Além de apontar para a importância do entendimento do preparador físico em relação a este tipo de treinamento – muito por conta do desgaste excessivo dos atletas e do pouco tempo que as equipes têm para treinar –, o especialista em bolas paradas acredita que há uma falta de compreensão sobre a importância que tem o desenvolvimento de uma metodologia adequada para realizar tais treinamentos especiais.
O ex-lateral esquerdo profissional, que também se destacou no Náutico, São Paulo e na própria seleção brasileira, pela qual faturou um Panamericano, em 1975, no México, segue atuando dentro de campo, ainda no Internacional, e em uma nova proposta, bem peculiar.
Atualmente, ao lado do ex-jogador de futsal, Luis Fernando Ortiz, de Jorge Brum, o Pinga, e de Tiago Rebelo, Chico Fraga é um dos integrantes do Projeto Aprimorar, cujo objetivo é trabalhar com jovens talentos os fundamentos básicos do futebol: uma afirmativa do departamento de formação colorado sobre a importância nesse processo de transição ao grupo principal.
Ao lado de Paulo Roberto Falcão, o segundo ao alto, da direita para a esquerda: Chico está na história do Internacional
Universidade do Futebol – Como jogador de futebol você teve passagens por diversos grandes clubes brasileiros, mas sua carreira está muito ligada ao Internacional, de Porto Alegre. Outra característica de seu percurso profissional no futebol foi a habilidade em marcar gols de bola parada. Fale um pouco sobre isso.
Chico Fraga – De fato, minha carreira está ligada diretamente ao Internacional. Foi pelo clube que cheguei a jogar na seleção brasileira, disputar e ser campeão do Panamericano do México, em 1975. Sempre me destaquei pelos meus gols de bola parada, ou seja, através de faltas e pênaltis.
Em 1976 tive oportunidade de participar das Olimpíadas de Montreal, quando também marquei gols de bola parada. Joguei na equipe profissional do Internacional de 1975 a 1977 e tive a oportunidade de trabalhar exaustivamente o fundamento da bola parada.
Tive como referência alguns atletas, mas o Valdomiro, ponteiro direito na época (do Inter e da própria seleção) me ajudou muito a evoluir. Em 1977 fui transferido para o Náutico Capibaribe, e no Campeonato Pernambucano fui artilheiro do time, marcando muitos gols de falta e a partir de penalidades máximas.
Na sequência de minha carreira tive ainda passagens por São Paulo, Fluminense, Sport Recife, Colorado-PR, Joinville, Brasil de Pelotas-RS e XV de Jaú. Lembro-me, por exemplo, que em 1984, no Campeonato Brasileiro, jogando pelo Brasil de Pelotas e tendo como treinador o Luis Felipe Scolari, vencemos as fortes equipes do Flamengo e do Internacional, com gols de bola parada marcados por mim. Portanto, minha carreira foi definitivamente marcada por este fundamento.
Com a seleção olímpica, em 1975, Chico Fraga (o último em pé, ao lado do goleiro Carlos) conquistou o Panamericano daquele ano
Universidade do Futebol – Quando parou de jogar, você iniciou uma atividade pioneira no departamento de futebol do Inter como treinador de bolas paradas. Poderia explicar um pouco como desenvolveu esse trabalho inovador?
Chico Fraga – Foi em 2001 que tive a primeira oportunidade de propor e iniciar um trabalho como treinador de bolas paradas. Com o auxílio do Prof. João Paulo Medina, que era o coordenador do departamento de futebol do Internacional naquela época, elaboramos um projeto experimental para treinar bolas paradas.
Foi formada uma equipe multidisciplinar para estudarmos todos os aspectos (físicos, técnicos, biomecânicos, psicológicos, emocionais) que influenciam esta atividade específica, particularmente faltas, penais e escanteios. Procuramos desenvolver um projeto prático e ao mesmo tempo científico.
Esse trabalho piloto foi inicialmente desenvolvido nas categorias de base. No profissional, ele foi implantado em 2003, com a chegada do treinador Muricy Ramalho na equipe colorada. Ele acreditou na metodologia implantada e logo começamos a ter resultados, com gols decisivos no Campeonato Gaúcho e no Brasileiro. Depois, com a saída do Muricy, o trabalho teve continuidade com outros treinadores, como Lori Sandri, Joel Santana e Abel Braga. Particularmente com este último, que se mostrou grande entusiasta desse tipo de trabalho, conquistamos a Libertadores da América e o Mundial Interclubes de 2006.
Neste período tivemos a oportunidade de trabalhar este fundamento com excelentes atletas, como: Daniel Carvalho, Cleiton Xavier, Gavillan, Rafael Sóbis, Alex, Jorge Wagner, Ceará, Fernandão entre outros.
Universidade do Futebol – Como é a interação entre o treinador de bolas paradas, o treinador principal e os demais profissionais da comissão técnica?
Chico Fraga – O relacionamento com treinador e demais membros da comissão técnica tem que ser de confiança e respeito. Como hoje em dia os gols originados de bola parada apresentam uma porcentagem bem elevada se comparados ao total de gols feitos em uma partida, esse trabalho específico é muito bem visto e aceito pelos profissionais da comissão técnica.
Destaco em especial a importância do entendimento do preparador físico em relação a esse tipo de treinamento devido ao desgaste excessivo dos atletas e o pouco tempo que as equipes têm para se prepararem em função do calendário apertado do futebol brasileiro.
O jeito de bater na bola e o sucesso na prática: Chico Fraga observa Fernandão, um dos que se beneficiaram do treinamento de bolas paradas do clube colorado
Universidade do Futebol – O Inter possui dados referentes ao número de gols que ele marcou por intermédio de lances de bola parada ano a ano? Como vem sendo a evolução?
Chico Fraga – Sim, o Internacional possui um banco de dados com todos os gols marcados e sofridos para análises posteriores. Um estudo que considero importante também é destacar os gols decisivos relacionados à bola parada.
O gol marcado, por exemplo, pelo Jorge Wagner nas oitavas de final da Libertadores em 2006, vencendo o jogo em Montevidéu, contra o Nacional, e abrindo caminho para a conquista do título, é algo que justifica qualquer investimento no aperfeiçoamento do fundamento de bolas paradas.
Universidade do Futebol – É possível desenvolver uma metodologia para formar jogadores com características parecidas com as de grandes cobradores de falta, como Zico, Zenon, Éder, Neto, Marcelinho Carioca, etc.?
Chico Fraga – Cada atleta tem seu estilo próprio que deve ser respeitado. Mas é possível desenvolver certas habilidades no aperfeiçoamento da técnica de chutes. Com uma metodologia que considere todos os aspectos no fundamento do chute, é possível fazer com que os atletas desenvolvam esta capacidade. Mas para que isso ocorra é necessário muito treinamento e determinação por parte dos atletas.
Universidade do Futebol – Você acredita que atualmente existam menos jogadores com potencial de excelência para as bolas paradas? Se sim, por quê?
Chico Fraga – Um dos problemas para que isso esteja ocorrendo é que com o calendário apertado que possuímos, não se permite um número muito grande de treinamentos. Portanto, a preparação é deficiente. Os treinadores e as comissões técnicas têm muito pouco tempo para trabalhar.
Acho também que falta uma melhor compreensão sobre a importância que tem o desenvolvimento de uma metodologia adequada para realizar esses treinamentos especiais, quando há tempo para se fazer esse tipo de atividade específica.
Universidade do Futebol – O observador técnico da CBF, Jairo dos Santos, após a Copa do Mundo de 2006, revelou que cerca de 54% dos gols naquele torneio surgiram em cobranças de bola parada. O relatório desenvolvido apontou, ainda, que os dois finalistas, Itália e França, foram os líderes em gols desse tipo. Qual o panorama que você observou em 2010, na África do Sul?
Chico Fraga – É inegável a importância das bolas paradas no futebol hoje em dia. Sem dúvidas, os dados estatísticos como os apresentados da Copa de 2006 na Alemanha dão mostras claras sobre este fato. Mais recentemente no Mundial de 2010, pude observar que o número de gols aproveitando-se o advento da bola parada vem crescendo.
No meu modo de ver isto ocorre muito em função da evolução física e tática dos times. Os espaços vêm diminuindo e tornando os jogos mais truncados, com menores possibilidades do brilho individual, de jogadas em movimento, do drible por parte dos atletas. Assim sendo, a bola parada passa a ser uma arma a ser utilizada ao seu favor.
O Brasil, por exemplo, sofreu com isso. Sua eliminação se deu com um gol sofrido a partir de uma jogada ensaiada na cobrança de um escanteio.
Universidade do Futebol – O que você faz para aproximar os treinamentos de chutes a gol e escanteios (bolas paradas) das situações reais de jogo (pressão, tensão, controle emocional etc.)?
Chico Fraga – Costumo colocar o foco na concentração no momento de realizar esse tipo de treinamento específico. E nesse sentido não basta falar para o jogador se concentrar: ele próprio tem que entender essa necessidade no momento da cobrança da falta ou escanteio.
Outro detalhe que considero muito importante é simular, na rotina diária de treinamento, situações reais de jogo, tentando, por exemplo, desconcentrar o cobrador, fazendo com que ele se esforce para não perder a concentração e obtenha êxito na execução da bola parada.
Jorge Brum, o Pinga, é um dos integrantes do Projeto Aprimorar: alvo é trabalhar fundamentos com jovens talentos da base
Universidade do Futebol – Parece que entre os clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, você é único profissional especialista nesta função. Por que não há mais tantos outros treinadores de bola parada? Essa realidade tende a ser mudada?
Chico Fraga – Também não conheço outros clubes que tenham dado oportunidade a essa nova profissão do treinador de bolas paradas, além do Internacional. Nenhum clube da Série A parece ter esse trabalho, pelo menos sendo realizado por um treinador específico para fazer esse tipo de treinamento. Isso talvez ocorra por se tratar ainda de um projeto relativamente novo, inédito. Poucos ainda conhecem essa metodologia de trabalho.
Se analisarmos a evolução das comissões técnicas no futebol, vamos ver que depois do treinador, surgiram o preparador físico e os assistentes técnicos, bem como o treinador de goleiros. Se antes eles não faziam parte da comissão técnica, hoje são peças fundamentais no alto rendimento das equipes.
Dentro dessa evolução, penso que em um futuro próximo haverá espaço para o treinador de bolas paradas.
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Benê Lima