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"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

quarta-feira, outubro 27, 2010

Futebol feminino em foco pela ótica de Kleiton Lima, técnico do Santos e da Seleção Brasileira

Entrevista: Kleiton Lima, técnico do time feminino do Santos FC
"Não temos uma estrutura completa de times de jovens. Portanto, meninas de 15 anos jogam com jogadoras de 28", relata
Guilherme Costa*

Quando era jogador, Kleiton Lima passou por clubes do Brasil e dos Estados Unidos. No entanto, foi como treinador que ele ganhou mais destaque no futebol brasileiro. Principalmente porque ele se especializou no trabalho com times femininos. Atualmente, comanda a seleção brasileira e o Santos FC, time que venceu no ano passado a Copa do Brasil, principal torneio para mulheres do país.

Ao contrário de seus antecessores na seleção brasileira de futebol feminino, Lima não começou trabalhando entre homens. Ele iniciou a carreira em 1995, com times femininos. Trabalhou depois com equipes de jovens do Santos FC e até com profissionais do Clube Atlético Assisense, de São Paulo, mas retomou as atividades em times femininos depois disso.

Apesar de ter uma trajetória vitoriosa no futebol feminino, Kleiton Lima viveu uma temporada especial em 2009. Depois de uma passagem vitoriosa pelo time brasileiro sub-20, ele foi contratado para trabalhar com o elenco nacional profissional. Além disso, o Santos FC se reforçou com jogadoras do porte de Marta, eleita pela Fifa a melhor do mundo nas últimas três temporadas.

Montagem do grupo de jogadoras

O Santos FC havia conquistado em 2008 a Copa do Brasil, principal competição de futebol feminino no país. Entretanto, reforçou muito o grupo de atletas para esta temporada. O time contratou jogadoras como Cristiane, Érika, Fran e Andréia, que estiveram no time brasileiro que conquistou a medalha de prata nas Olimpíadas de Pequim, em 2008.

No dia 1º de agosto de 2009, o Santos FC também anunciou que contaria com Marta, eleita pela Fifa a melhor do mundo nas últimas três temporadas. A nova camisa 10 recebeu seu uniforme das mãos de Pelé, maior jogador da história do time masculino. Ela assinou com o Santos FC por apenas três meses, somente durante o período de recesso do futebol feminino nos Estados Unidos – a atacante defende atualmente o FC Gold Pride, após passagem pelo Los Angeles Sol, ambos dos Estados Unidos.

Com os reforços, o técnico Kleiton Lima trabalha atualmente com 48 atletas de níveis muito diferentes: “O problema é que não temos uma estrutura completa de times de jovens. Portanto, meninas de 15 anos jogam com jogadoras de 28. Temos algumas com potencial que ainda precisam se formar como atletas, e outras como a Marta ou a Cristiane, que estão entre as melhores do mundo”.

Além da diferença de nível e de experiência no grupo, Lima precisa lidar com vários estágios diferentes. Jogadoras como Marta e Cristiane foram contratadas por um período curto, apenas para a disputa da primeira edição feminina da Copa Libertadores, o campeonato sul-americano de times. Enquanto elas treinam no clube por apenas três meses, outras são preparadas para toda a temporada. E nesse grupo há muita distância de idade e nível técnico.

“São objetivos diferentes, e por isso nós precisamos eleger prioridades. Hoje disputamos a Libertadores, e esse é nosso objetivo. As jogadoras que estão inscritas trabalham pensando no campeonato, e o outro grupo trabalha a parte física ou alguns jogos para não perder o ritmo”, diz Lima.




Apesar do curto período na Vila Belmiro, Marta encantou à torcida santista e promoveu um ânimo a novas jovens interessadas na modalidade


Atividades individuais

Jogadoras que chegaram ao clube recentemente e as que já estavam treinando estão em estágio diferente da temporada. Isso fez com que o Santos FC criasse um programa individual de treinos, focado nas necessidades de cada uma das atletas. “O principal é fazer logo os testes para sentir o nível em que as atletas estão quando elas são contratadas durante a temporada. Isso é fundamental para planejar o resto”, diz Lima.

“Fazemos testes físicos, conferimos os resultados e montamos treinos específicos para as que estão em um nível abaixo do resto. Se elas estiverem acima, diminuímos as cargas para que elas tenham seus melhores momentos em um mesmo estágio das outras atletas”, afirma Lima.

A parte física, entretanto, não é a única preocupação que o Santos FC tem com a montagem do elenco. Lima comenta que o time também precisa acertar a disposição tática das jogadoras e trabalhar fundamentos técnicos em alguns casos. “Quando você pede que o time contrate uma atleta, já sabe para o que ela vai servir dentro do time. Então, sua função é criar exercícios que unam a utilidade de cada jogadora e trabalhem a função coletiva. Para isso, tem de haver muito trabalho de marcação, de movimentação, de situações de jogo”.

Treinos técnicos

Além do trabalho tático, o Santos FC desenvolve atividades diárias para a parte técnica das jogadoras. Isso é feito de acordo com a função que elas desenvolvem no campo e com o que podem encontrar durante as partidas. Atacantes, por exemplo, treinam chutes e controle da bola. Meio-campistas também fazem exercícios como lançamentos e passes longos, enquanto as defensoras repetem lances de velocidade, marcação e interceptação de passes.



 

Tipo de treino

“Não gosto de nenhum trabalho fora da situação de jogo. Isso pode servir na formação de jovens, mas não pode ser feito no nível em que nós estamos. Imaginamos como a marcação pode ser, como o adversário pode se comportar, e trabalhamos a partir disso”, diz Lima.

O técnico faz algumas atividades que não lembram situações de jogo, mas usa isso apenas para aprimorar a parte técnica de suas atletas ou para acertar o movimento delas: “Isso vale para a parte individual, para mostrar que certas coisas podem ser resolvidas de um ou outro jeito. Com o grupo, tudo que fazemos simula o que acontece nas partidas”.

Jogos entre o elenco

“Costumamos fazer jogos apenas quando temos a semana inteira para trabalhar. Isso não é uma regra, mas normalmente funciona desse jeito. Prefiro usar trabalhos táticos, mas jogos entre o elenco também servem para isso. Sempre aproveitamos esses exercícios para acertar a movimentação e a marcação”.

Treinos durante a temporada

“Procuramos fazer atividades pensando no que cada jogadora pode fazer. Isso é ainda mais importante a partir do meio da temporada. Algumas precisam de um tempo maior de recuperação, outras não. Algumas têm músculos mais fortes, mais vitalidade. Tudo isso precisa estar no planejamento”.

Campo reduzido

Assim como a maioria dos técnicos brasileiros, Kleiton Lima costuma fazer exercícios com apenas parte do campo. Isso ajuda a desenvolver a agilidade dos jogadores e trabalha a velocidade de raciocínio. O Santos FC costuma fazer esse tipo de atividade com números diferentes de atletas em cada time ou com uma jogadora que sirva como coringa, sempre ajudando o time que está com a bola. Isso é trabalhado com limitação de toques na bola – cada jogadora pode encostar uma ou duas vezes antes de passar.

Treino de faltas e escanteios

“Os treinos dependem do adversário. Analisamos as características do time que vai jogar contra nós e planejamos as atividades de acordo com isso. Não temos um método específico para treinar esses lances”.

“Ensaiamos muito as faltas e escanteios ofensivos. Trabalhamos o posicionamento, o deslocamento, onde as jogadoras devem estar, para onde devem correr e como devem finalizar. Também fazemos exercícios com diferentes tipos de jogadas: cruzamento direto ou desvio para outra atacante, por exemplo. Há uma série de situações diferentes, tudo sempre repetindo situações de jogo”.

Mulheres x homens

Kleiton Lima começou a carreira como técnico de times femininos. Depois trabalhou nos times de jovens do Santos – chegou a comandar Diego, atualmente no Wolfsburg, e Robinho, que defende o Milan. Também esteve no time profissional masculino do Clube Atlético Assisense, de São Paulo, mas retomou o trabalho com mulheres.

“A parte física é a maior diferença. Os exercícios são os mesmos, mas a intensidade diminui. O trabalho de força é um pouco diferente porque as mulheres não suportam cargas tão pesadas quanto os homens. Também muda a conversa, o jeito de falar. Mulheres são mais emocionais, levam mais para o campo os problemas que vivem fora dele. Por isso, o técnico precisa tomar cuidado no jeito de falar, de exigir ou de elogiar”, diz Lima.




Kleiton Lima orienta atleta do time do Santos: apesar das similaridades de atividades funcionais, intensidade e carga dos exercícios são diferentes em relação aos homens

Potencial físico das atletas

“É importante você conhecer as jogadoras, perceber que cada uma responde de forma diferente. Algumas meninas têm limites próximos aos dos homens, como a Marta. Isso é muito relacionado ao perfil delas”.

Clube x seleção

Além de comparações entre homens e mulheres, Kleiton Lima vive realidades diferentes atualmente. Ele comanda o Santos FC, principal time feminino do Brasil, mas também é técnico do time brasileiro. Por isso, precisa conciliar o trabalho do dia-a-dia em um clube e as análises de jogadoras.

“Minha filosofia é a mesma, mas o tipo de trabalho muda do Santos FC para o time nacional. O time nacional tem picos de concentração e tempo menor de trabalho. Precisamos fazer exercícios para aproveitar melhor o tempo e dar conjunto ao time. Conversamos mais, mesmo quando não temos jogos. O período pequeno é a principal diferença, mas também há outros fatores. Você conhece mais as jogadoras quando passa mias tempo com elas, como acontece no Santos FC. Isso facilita o trabalho”, diz Lima.

“Outro problema é que a seleção tem jogadoras com culturas esportivas muito diferentes. Você pega atletas dos Estados Unidos, do Brasil, da Europa, até algumas com uma realidade mais amadora. É importante montar um planejamento para trabalhar com todas elas”, completa o treinador.


*Material publicado originalmente na revista Soccer Coaching International, parceira da Universidade do Futebol

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Benê Lima