Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

segunda-feira, outubro 17, 2011

Valdir Bardi, preparador de goleiros do Eonnam High School

Brasileiro fala sobre as diferenças culturais e os passos da Coreia do Sul rumo à profissionalização
Bruno Camarão

A trajetória de Valdir Bardi é bem complexa para quem tem apenas 26 anos. O jovem goleiro, nascido em Jundiaí e que rodou por diversas equipes de base do interior de São Paulo, não conseguiu se firmar como atleta profissional. Tentou ainda traduzir a paixão por guardar metas em outras regiões, enfrentando situações problemáticas, como uma punição na esfera judicial e preferências “políticas” de um treinador. Aposentado do campo de jogo há três temporadas, trabalhou em supermercado, na plantação de uvas do sítio de sua família e foi até personagem em um parque de diversões. Mas não alcançaria a plena satisfação se permanecesse fora do futebol.

Ao receber o convite do professor Carlos Bertolo, a quem já conhecia da época de Bragantino, para atuar em uma escolinha de iniciação ao futebol na Coreia do Sul, não pensou duas vezes. A falta de um contrato firme e longo e algumas outras incertezas fizeram com que Bardi voltasse ao país natal. Mas não por muito tempo.

Um sul-coreano ligou dias depois requerendo um profissional para trabalhar como preparador de goleiros. Bardi indicou um amigo de confiança, mas este recusou o convite de última hora. Então, no retorno da chamada, colocou-se à disposição para ocupar aquele lugar. Foram apenas 15 dias em casa e no convívio da família e da namorada para logo retornar à Ásia.

“Fui para uma High School, comecei a trabalhar bem, e agora estou no Eonnam High School há um ano e meio, com dois títulos conquistados, uma terceira colocação e um goleiro convocado para a seleção nacional sub-18”, disse Bardi nesta entrevista à Universidade do Futebol.

Carlão, como costuma se referir ao “irmão”, chegou na Coreia do Sul em novembro de 2007, trabalhando na Chungi Dae Bu Go – CAU High School e na Sudo Kong Go High School. Tais equipes são um processo intermediário, entre o Middle School e as universidades, último degrau antes da profissionalização.

Falando apenas um pouco de inglês e com várias dificuldades para se comunicar, sem intérprete ou boas referências na internet para estudar, Bardi recorria ao professor Carlos. Dele partiu a dica de sempre sair com um bloco de notas na mão e escrever todas as expressões que ouviria na rua.

Hoje, o brasileiro está aprendendo um pouco da escrita e se comunica normalmente com os treinadores. As grandes barreiras, entretanto, estão em campo. Quando desembarcou em Seoul, no primeiro dia de trabalho, pediu a programação semanal dos treinos para montar o seu específico, que seria destinado aos goleiros. A resposta é que não havia programação. Fosse semanal, fosse mensal.

“Hoje, não há muitos cursos ou um centro de excelência de futebol. Em poucos lugares se estudam muito regras do jogo, mas não uma especialidade de treinamento. É algo muito geral, relacionado à parte anatômica, biológica, etc. O que precisa, para os sul-coreanos, é chegar em campo e jogar. As teorias são muito antigas”, sintetizou o preparador de goleiros que fez emocionar a mãe de um goleiro humilhado, recusou-se a bater em um atleta e vê na Premier League a possibilidade de mudança na realidade da Coreia do Sul.



 

Universidade do Futebol – Fale um pouco sobre sua formação, bem como seu ingresso e a trajetória no futebol até chegar à Coreia do Sul.

Valdir Bardi – Eu comecei a jogar com 13 anos em Jundiaí, no Caxambu, e de lá eu tive uma experiência no Ituano, por quem disputei na base o Campeonato Paulista. Depois, passei três anos no Bragantino, atuando pela categoria Juniores, disputei a Copa São Paulo e a Copa Rio. Na sequência, tive uma passagem rápida pelo Fluminense, do Rio, mas sem assinar contrato.

Ao regressar ao Bragantino, ainda na época do Nabi Abi Chedid, fui dispensado, e tive a primeira “baixa”. De lá, fui para um time de menor expressão, o Esporte Clube Campo Limpo, quando o Vampeta estava tomando conta do clube. Depois, atuei no Paraná, e disputei o Estadual de Juniores pelo Grêmio Maringá. Voltei para São Paulo antes de seguir para o Tocantins – classificamos a equipe para a Copa São Paulo de Juniores, mas me envolvi em uma confusão com um policial em um jogo e acabei recebendo uma punição de 190 dias.

Depois assinei com o Campo Limpo de novo, só que agora como profissional. Assim que a pena foi cumprida, por alguns problemas políticos sobre os quais prefiro não falar, acabei não atuando. De lá, fui para a Mauaense, que estava na Série A-3. Nessa época, conheci o treinador Marcos Bruno, que me levou para o Osasco. Classificamos a equipe para a segunda fase da segunda divisão do Estadual, mas recebi uma proposta do futebol paranaense e fui pra lá. Acabou não dando certo.

Voltei para São Paulo, fiquei um período parado, fui para o Osvaldo Cruz, time do interior. Depois, novamente joguei pelo Osasco, mas acabei sendo preterido por outro goleiro às vésperas de uma partida decisiva, sequer fui relacionado, e me desiludi de vez.

Tinha 23 anos, sem saber o que fazer, sem formação acadêmica, e passei a planejar um novo futuro. Mandei currículos para algumas empresas, busquei algumas oportunidades, cheguei até a trabalhar com minha família, na roça, em uma plantação de uvas. Mas aquilo não me fazia feliz.

Fui chamado para um processo seletivo pelo Hopi Hari, passei e trabalhei como ator, fantasiado, naquelas casas de terror, e também comandando os brinquedos do parque. Um amigo meu, um mês depois, promotor da Unilever, me chamou para trabalhar no Carrefour. Fiquei lá por um mês e surgiu a oportunidade de ir para a Coréia.


Universidade do Futebol – Na Coreia do Sul, como foram os primeiros passos para a adaptação?

Valdir Bardi – O professor Carlão, que jogou comigo no Bragantino quando passei por lá pela primeira vez, me fez um convite. Sempre tive muito prazer por jogar, por estudar a profissão, via muitos vídeos de goleiros, e comecei a trabalhar em escolinhas de recreação, com crianças entre seis e 13 anos de idade.

Depois, fui para uma equipe de Middle School, uma das piores em termos de desempenho e resultado, e em nove meses de clube vencemos apenas seis jogos.

O Carlão, que trabalhava em uma equipe mais qualificada e revelou muitos goleiros bons, foi praticamente um irmão para mim: me ensinou o idioma, boa parte da cultura, etc.

Fiquei nesse time, e retornei ao Brasil, pois não tinha um contrato em longo prazo. Então, um coreano me ligou, dias depois, requerendo um profissional para trabalhar como preparador de goleiros. Indiquei um amigo, mas ele recusou o convite de última hora. Retornei a ligação e me coloquei à disposição de ir no lugar dele. Foram apenas 15 dias no Brasil, e logo retornei para a Coreia.

Fui para uma High School, comecei a trabalhar bem, e agora estou no Eonnam High School há um ano e meio, com dois títulos conquistados, uma terceira colocação e um goleiro convocado para a seleção nacional sub-18.

Este ano, nossos três goleiros foram convocados – um para a seleção sub-16, outro para a sub-17 e o da sub-18.

Universidade do Futebol – Como ocorre a transição de um jovem goleiro de destaque para um clube profissional?

Valdir Bardi – Dificilmente um jogador consegue sair de uma High School de clubes diretamente para o profissional. Peguemos um time popular daqui, o FC Seoul. Para um jogador sair da High School do FC Seoul e chegar à liga principal, ele terá de passar provavelmente por mais quatro anos de triagem em uma universidade antes de migrar para um time profissional.

O FC Seoul não tem categorias de base. Ele simplesmente empresta seu nome para uma High School. Se um atleta muito promissor aparecer, a comissão técnica principal seleciona este e leva ao grupo. Geralmente eles pegam jogadores de diversas universidades, de acordo com a qualidade e com a necessidade. A Coreia do Sul é pequena, praticamente do tamanho de Santa Catarina.


Ensinamento de reposição de bola para jovens goleiros sul-coreanos: "o jogador não é ruim, mas mal treinado"

 

Universidade do Futebol – Você enxerga a possibilidade de algum goleiro seu poder atuar em uma grande universidade e, depois, em um clube profissional na Coreia do Sul nos próximos anos?

Valdir Bardi – Sim, sim. Inclusive trabalhei com um goleiro que, quando cheguei aqui, estava acima do peso e não atuava. Como o titular acabara de se lesionar, peguei o atleta e fiz um trabalho específico. Logo na primeira competição que disputamos, houve uma disputa de pênaltis na semifinal, e perdemos por 9 a 8, sem ele ter defendido nenhuma cobrança. Fui muito cobrado, de imediato, e ele em consequência.

Mantive a tranquilidade, a mesma proposta de trabalho, e passamos a desenvolver atividades ligadas às carências dele. Uma delas era justamente a defesa de penalidades. Troquei a academia de ginástica pela sala de vídeos, e ele passou a observar imagens de grandes goleiros europeus e sul-americanos em cobranças de pênaltis.

No torneio seguinte, nas quartas de final, contra uma High School de um time da liga principal, ele defendeu dois pênaltis; na semi, mais dois; e depois vencemos a final por 3 a 2, de virada. Ao fim do jogo, a mãe dele, chorando, veio até mim e me agradeceu pela evolução, sem acreditar naquilo.

Hoje, esse goleiro está vendido para uma das maiores universidades da Coreia.

O passo a passo são as escolinhas para recreação; lá, os talentosos são indicados para as Middle School (uma espécie de juvenil); depois, aparecem as High School (equivalente ao juniores); aí surge o convite para as universidades, último passo antes do profissionalismo, de fato.

Universidade do Futebol – Há muitas diferenças em relação à cultura na preparação desportiva dos jogadores de futebol na Coreia do Sul e no Brasil?

Valdir Bardi – É completamente diferente. E acredito que a cultura influencia negativamente no desenvolvimento do futebol sul-coreano. Aqui, por cultura local, o mais novo é submisso ao mais velho, como sociedade em geral. Tanto que não há nos times a função de roupeiros: o mais novo lava a roupa dos mais velhos. Nos clubes profissionais, por conta da presença grande de estrangeiros, é uma situação mais moderada.

Aqui, não são escalados os melhores do grupo, e sim os mais velhos. Os terceiro anistas têm prioridade. Logo depois, os segundo anistas. E os novatos fazem os deveres, um trabalho de suporte: recolher cones, bolas, lavar coletes, etc.

É algo meio complicado para que nós entendamos. Mas é algo natural e comum para eles.


Adaptação cultural de Bardi à Coreia do Sul se refletiu diretamente no treinamento e no contato com os jovens arqueiros

 

Universidade do Futebol – E isso não é um impeditivo para a evolução do futebol no país?

Valdir Bardi – Isso é péssimo para eles. Não sei como eles enxergam isso na seleção principal. Hoje há um brasileiro nela, o Alexandre Gama, que desenvolve um ótimo trabalho na parte técnica. Mas essas particularidades culturais certamente devem atrapalhá-lo.

Percebo que o treinador mais velho monta seus treinos a partir das ideias de sua época de jogador, sem qualquer tipo de adaptação. Tipos de aquecimento e metodologias totalmente arcaicos.

A Coreia toda em si precisa de uma reciclagem total. Costumo falar com meus companheiros que o país vai começar a melhorar daqui uns 15, 20 anos, quando houver uma participação dos jogadores que estão em ativa, mas no cenário europeu, como o Park Ji-Sung, no Manchester United, o Chu-Young Park, no Arsenal e o Lee Chung-Yong, do Bolton.

Estes novos ainda não têm uma força, pois a cultura emperra uma troca de informações e uma assimilação do que é moderno e pode contribuir.

Aqui é praticamente uma cultura de guerra. Tudo é muito rápido, militarizado, disciplinado. Se você jogou mal, passa por um castigo – e o treinamento físico é visto como essa “punição”. Não há a preocupação didática de explicar e discutir os treinos, por exemplo.


"Tudo é muito rápido, militarizado, disciplinado. Se você jogou mal, passa por um castigo", revelou Bardi, que rechaçou a possibilidade de bater em um atleta

 

Universidade do Futebol – Como foi a receptividade dos goleiros com os quais você trabalhou e trabalha e de que maneira adaptou seu trabalho a essa realidade?

Valdir Bardi – Na verdade, foi muito boa. Jogador coreano não é ruim, mas mal treinado. Eles assimilam as atividades muito rápido. Meu goleiro reserva, por exemplo, tem um biotipo mais europeu, é muito alto e forte, e tinha uma dificuldade em tiros de fora da área – queria, do centro, pular para defender as bolas que iam no ângulo superior.

Começamos a trabalhar passadas laterais, velocidade, e ele passou a entender com mais propriedade esse tipo de jogada proveniente de média e longa distância.

Os goleiros ficam maravilhados com a qualidade dos jogadores brasileiros da posição e se surpreendem com a técnica apresentada.

Aqui não há, também, uma convivência tão calorosa entre profissionais de campo e atletas. O treinador mal olha na cara deles, a não ser durante os treinos. Cheguei a ser orientado, inclusive, a bater nos goleiros que cometessem erros ou atos de indisciplina – neguei na hora essa possibilidade.


Trabalho de passadas laterais, força e explosão são realizados com o auxílio de ferramentas, como o elástico; altura também representa "nota de corte" nos clubes coreanos

 

Universidade do Futebol – Como adequar os trabalhos específicos para os goleiros e o projeto mais global, desenvolvido para o grupo, como um todo, com o restante da comissão técnica?

Valdir Bardi – Quando cheguei aqui, no meu primeiro dia de trabalho, pedi a programação semanal dos treinos para montar o meu específico, que seria destinado aos goleiros. A resposta que tive é que não há programação. Seja semanal, seja mensal.

Há dias em que só faço aquecimento, uns 40 minutos, e eles já são requeridos. Em outras ocasiões, as atividades passam de duas horas e não ocorre uma integração.

Em cima de não ter programação, entretanto, consegui dar uma dinâmica boa aos treinos. Quando há jogo no sábado, por exemplo, realizamos um trabalho basicamente físico na segunda-feira. Na terça, começo a diminuir um pouco a intensidade e agrego atividades técnicas. Na quarta, situações próprias de jogo, com maior intensidade. Na quinta, cruzamentos. E quando eles são chamados pelo treinador principal, tenho que mandar os atletas na hora, sem retrucar – isso soa como falta de educação; na sexta, reposição de bola e treino leve, para o jogo no dia seguinte. O treino é sempre apenas um período, com um jogo por semana.



 

Universidade do Futebol – E como é o calendário?

Valdir Bardi – A liga é muito bem organizada, e o calendário é respeitado. Em novembro, todos os clubes da região de Seoul, onde faz muito frio, descem para o Sul e realizam pré-temporada em uma região mais amena. Na cidade de Jeonju, há vários campos e uma estrutura maravilhosa. Nela, há um estádio onde foram realizados jogos da Copa de 2002.

Como acabam indo muitos times para lá, ocorre um torneio entre eles. Depois disso, há mais uma competição realizada no fim do inverno, disputada por todos os clubes, antes da liga, que vai até o verão.

São várias competições espalhadas, com um mês de descanso e férias, até o retorno ao campeonato nacional.

Universidade do Futebol – Como você classificaria a estrutura de trabalho (centro de treinamento, departamentos médico e de fisiologia, integração com profissionais ligados às Ciências do Esporte, etc.) dos clubes da Coreia do Sul?

Valdir Bardi – Aqui na Coreia isso ainda é bastante precário. Ano passado, por exemplo, quebrei a fíbula e a tíbia disputando um coletivo com os jovens. O clube se encarregou de tudo, mas a operação foi feita em hospital público, mesmo. E sequer recebi o suporte de um especialista em fisioterapia, depois.

Quase nenhum clube tem uma estrutura para reabilitação. Somente aquelas agremiações profissionais e algumas universidades contam com um departamento médico um pouco mais bem estruturado.

Eles costumam usar muito massoterapia, acupuntura e até aquelas sanguessugas para tratamento de lesão muscular.

Universidade do Futebol – Como você avalia o processo de detecção e desenvolvimento de talento do jogador de futebol na Coreia do Sul (em especial, os goleiros)?

Valdir Bardi – O cara que é mais velho está ali e não liga para esse processo de revelar novos jogadores. Para ele é mais cômodo passar determinado tipo de treino e não ser questionado. Por isso que acredito que, quando os atletas renomados pararem de jogar e retornarem ao país para explicitar o valor que a Coreia do Sul tem para o mercado exterior, aí sim haverá um avanço na área de treinamento esportivo e compreensão do jogo.

Hoje, não há muitos cursos ou um centro de excelência de futebol. Em poucos lugares se estudam muito regras do jogo, mas não uma especialidade de treinamento. É algo muito geral, relacionado à parte anatômica, biológica, etc. O que precisa, para os sul-coreanos, é chegar em campo e jogar. As teorias são muito antigas.



 

Universidade do Futebol – É possível definir o “perfil” do goleiro sul-coreano?

Valdir Bardi – Observando o goleiro em especial, consigo avaliar que o jogador sul-coreano bate muito bem na bola, tem uma ótima leitura de jogo, mas para por aí. Em posicionamento debaixo das traves, posicionamento de barreira, etc., ele apresenta muitas falhas.

Muitos gols são resultado mais por conta de falhas defensivas do que por méritos dos atacantes.

Quando cheguei aqui, recebi a orientação de que os brasileiros estavam com a imagem um pouco “queimada”. Diante da ingenuidade deles e da falta de conhecimento em relação às técnicas de futebol, muitos profissionais do nosso país tinham a percepção de que ficariam ricos e trabalhariam pouco. E o sul-coreano não admite isso.

Eles podem não entender nada de futebol, mas entendem muito do ser humano. Hoje, com o trabalho realizado por bons profissionais, essa imagem está sendo modificada.

Recentemente, indiquei o Neto, profissional da Baixada Santista, que está no time em que trabalhei. Na mesma categoria que eu, em High School, há alguns outros preparadores de goleiros. Nos falamos via internet, e quando moram em Seoul, há uma interação.

Procuro conversar bastante também com goleiros sul-coreanos de idade universitária. Neste torneio mundial sub-20, vencido pelo Brasil, o goleiro que representou a Coreia do Sul é meu amigo em particular.


"Muitos gols são resultado mais por conta de falhas defensivas do que por méritos dos atacantes", indicou Bardi, que teve de ensinar desde posicionamento embaixo das traves, até postura dos jogadores na barreira

 

Universidade do Futebol – Alguns clubes, no seu processo seletivo, exigem certa altura para que o candidato a goleiro tenha chance de ser avaliado. O que você pensa disso? Será que em vez de altura, o maior pré-requisito para o goleiro não seria aprender a ler o jogo de maneira eficaz?

Valdir Bardi – Eu já sofri muito por causa da altura. Na minha época, estava começando essa realidade de corte de candidatos a partir desse quesito. Para se jogar em nossa equipe, o goleiro tem de ter no mínimo 1,85m com 15 anos. Mas meu ponto de vista é diferente deste do clube.

Podemos citar diversos exemplos, como Casillas e Valdes, da Espanha, o Ochoa, do México, o Deola, do Palmeiras, e o Júlio César, do Corinthians, que não chegam a 1,90m, mas não deixam por menos em termos de técnica e qualidade.

Para a universidade, eles querem goleiros com mais de 1,88m. Os mais baixos, só têm chances em equipes universitárias mais fracas.

Entendo que a altura exata está entre 1,84m e 1,90m. Nesse limiar, você consegue trabalhar bastante a velocidade e a parte coordenativa.

O goleiro tem que ser bom antes de ser alto. Mas é difícil dialogar com os dirigentes. Há muito orgulho e eles não aceitam um cara de pouca idade, ainda mais estrangeiro, dizer o que é certo e errado e o que deve e não deve ser feito.

Mas aos poucos vamos tentando emplacar essas ideias. E eles até brincam que hoje sou mais coreano do que brasileiro (risos).
 


 

Universidade do Futebol – A tomada de decisão é um diferencial para o goleiro? Como se trabalhar essa capacidade tática a partir das exigências de habilidade e velocidade?

Valdir Bardi – Acredito que sim. A decisão para o goleiro é tudo, e no jogo não há muito tempo para agir. Ter uma velocidade de reação alta, uma atitude rápida, com certeza será ótimo para a equipe.

Costumo conversar bastante com os atletas, seja ilustrando as ideias com vídeos, seja apresentando referenciais de goleiros que atuam em grandes ligas, etc.

No começo, meu goleiro reserva apresentava muita indecisão em sair ou não em bolas lançadas no costado da zaga. Orientado, bem treinado, passou a errar menos nesse tipo de lance e contribuir para o sistema defensivo.

Aquele que tem atitude e realiza a ação correta, no momento exato, ganha o respeito e a confiança do grupo.

Universidade do Futebol – Em termos psicológicos, você crê que há necessidade também de um trabalho específico com os goleiros, seja no processo de formação, seja já consolidado, como profissional?

Valdir Bardi – Sim. O goleiro está muito exposto a falhas, e isso deixa uma marca, muitas vezes, para o resto da carreira.

Aqui, o treinador coreano não tem a capacidade de discernimento, muitas vezes. Já vi goleiros sendo humilhados após uma falha simples, como uma cobrança de tiro de meta que foi parar na lateral. Algo que não resultou em nada.

Não havia a necessidade de uma crítica tão forte. E como fica a cabeça de um jogador após uma situação desta?

Seria muito importante a presença de um profissional especializado na área da Psicologia do Esporte, tanto para trabalhos individualizados, quanto para intervenções grupais.

Sobre os clubes da liga principal, não saberia dizer se há na comissão técnica deles um psicólogo atuando diariamente.

Às vezes, cabe a nós mesmos, preparadores de goleiros, auxiliarmos. Como eu sabia que precisava do goleiro, orientei para ele esquecer do erro e valorizar as defesas dele, os méritos.



 

Universidade do Futebol – Esse seu conhecimento é bem empírico, baseado na sua experiência como jogador, convivendo com profissionais da área, etc. Como você se qualifica hoje? Pretende estudar em alguma graduação ligada às ciências do esporte?

Valdir Bardi – Sei que o tempo está passando, e esse é um problema. Tenho muita vontade – e necessidade – de conhecimentos teóricos. Apesar da atuação na área prática, quero me qualificar mais, pois somente isso não me fará um grande treinador.

Pretendo começar a fazer cursos à distancia, e quando for ao Brasil, em novembro, participar de palestras, seminários, etc. Aprender teoria de tudo ligado ao futebol me renderá benefícios, tenho certeza. Pois hoje trabalho apenas em cima da minha vivência. Para ganhar o destaque que imagino e ter um futuro mais reconhecido, preciso ir atrás dessa outra base.

Quero entender o esporte de maneira mais ampla, a biomecânica, a fisiologia, as especificidades do treinamento esportivo ligado à modalidade, etc.

Estou aqui e penso fazer uma faculdade de Educação Física, que me faria investir em quatro, cinco anos. Mas não gostaria de abandonar a minha atuação na área em que me encontro e perder esse contato que estou tendo aqui.

 


Conheça Jaemyeong Shin, estagiário da preparação física do sub-23 do Internacional 
 

 

Universidade do Futebol – E os próximos passos?

Valdir Bardi – Para ir ao Brasil, não quero ir como um franco atirador. Pois seria muito complicado voltar para a Coreia do Sul depois. É meu sonho trabalhar no meu país, mas diante de um reconhecimento, em um projeto legal, e contribuir com o clube.

Hoje, sei que estou dando o meu melhor por aqui e vejo como um mercado promissor, justamente pela falta de preparadores de goleiros no ambiente deste futebol.

Nos jogos, já não sou mais “o estrangeiro”. As pessoas daqui me vêem com outros olhos, cientes do meu trabalho. E isso me deixa contente.

Universidade do Futebol – Conte um pouco mais sobre o novo projeto no qual você está trabalhando: o Winged goalkepper.

Valdir Bardi – O nome quer dizer “goleiros alados”, e é uma extensão do blog pessoal que eu tinha. Sabendo que a classe de preparador de goleiros precisa crescer, e contando com a colaboração de um internauta que me enviava uma série de vídeos e de dúvidas sobre a função, resolvemos juntar as informações e montar um site único.

Costumo dizer que deixei de ser “egoísta”. E me serve muito de aprendizado, também.

Criei também uma comunidade no Facebook para preparadores de goleiros, e de lá surgem uma série de temas para debate e aprofundamento critico.

As perguntas apresentadas, geralmente, são comuns a mais profissionais da área. E essa troca é sempre muito positiva.

Se a classe quer crescer, reivindicar melhores salários e ser mais reconhecida, o primeiro passo é se unir. Depois disso, o processo deve ser mais positivo.
 


 

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Benê Lima