Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

A integração tática, técnica, física e fisiológica no futebol: para ir além de uma mera periodização tática
Desconhecemos o significado que representa os princípios e a ciência do jogo, especialmente enquanto se libera a formação de treinadores em cursos reduzidos, sem um mínimo de fundamentação
Renato Alvarenga

O futebol é um esporte de ações curtas, com pouco tempo de recuperação e de duração prolongada. Daí a complexidade do jogo, e mais especialmente, de se treinar para o jogo.

Surgem hoje várias concepções de periodização e dentre as correntes que mais se comenta e muitas vezes sem conhecimento é a periodização tática (Mourinho, 2006). A meu ver, o grande avanço desta concepção, que tem entre os grandes divulgadores o treinador José Mário Mourinho, da Inter de Milão, é a quebra de um paradigma fragmentado de se pensar treinamento no futebol; o grande equívoco desta abordagem é a superficialidade da fundamentação fisiológica que sustenta a teoria (Verkoshanskij, 2001).

Assim, é de fundamental importância para um treinador na hora de programar esta interação tática, técnica e física, o conhecimento fisiológico da interconexão numa sessão de treino e as interconexões num microciclo.

Só para aprofundar cientificamente a discussão, o futebol tem ações aláticas, mas como a recuperação deste sistema é insuficiente nos dias atuais, este se torna dependente do sistema láctico ou glicolítico, além do aeróbio para a recuperação dos dois sistemas energéticos citados.

Antigamente, nas décadas de 60 e 70, o atleta com a posse de bola recebia uma marcação entre 10 e 12 segundos após o domínio da mesma. Hoje, o atleta quando domina a bola recebe uma forte marcação num tempo médio entre 2 a 3 segundos.

Considerando este aspecto, podemos dizer que não há tempo suficiente para restauração de fosfato creatina, fonte energética participante do primeiro sistema energético, o aláctico (Alvarenga, 2007). Daí, pode-se afirmar a necessidade de participação constante do segundo sistema energético, o sistema glicolítico, nas resistências de velocidade, nas resistências de força e nas resistências de agilidade que ocorrem no futebol, já que este hoje tem como característica dentro de uma concepção tática de periodização e principalmente de treinamento integrado, desenvolver a compactação, amplitude, rupturas, amplitude e profundidade, entre outros princípios (Brito, 2003).

Necessitamos de uma periodização de treinamento no futebol que vá para além das discussões da tradicional de Matveev (1964): precisamos estudar futebol numa ótica moderna, atual e científica. Um exemplo disto é que a introdução de jogos reduzidos deve ser vista com cautela, pois se não for feita à luz da ciência, passa a infringir o mais relevante princípio que norteia o treinamento desportivo - o da especificidade (Bomba, 2002).

Além disto, o culto do fácil ou o jogo pelo jogo não representa treinamento, e sim mostra de forma empírica meramente uma ocupação de tempo disponível para treinamento e isto leva ao descrédito o treinador de futebol.

A realidade maior é a de que falta no Brasil uma escola brasileira de futebol. Basta ver que depois da década de 90 voltamos a ganhar Copas do Mundo, não por mudança de mentalidade, concepção ou paradigma de treino, mas sim pelo fato de que a partir desta década começou a saída desenfreada de atletas brasileiros para o exterior (Alvarenga, 2009).

Enquanto esta pseudo hegemonia prevalecer em nosso futebol, estaremos convictos de que o que treinamos é o melhor, mas desconhecemos o significado que representa os princípios e a ciência do jogo, especialmente enquanto se libera a formação de treinadores em cursos reduzidos, sem um mínimo de fundamentação (Carvalhal, 2003).

Futebol é coisa séria, e talvez este esporte seja o maior patrimônio cultural que temos e assim deve ser tratado, com leituras científicas, discussões e compressões das partes integrantes que abstraem e explicam a melhor a essência da melhor maneira de jogá-lo (Alvarenga, 2009).

Falta-nos pararmos com a falsa impressão de que tudo sabemos, pois se assim sempre pensarmos, o mercado de treinadores brasileiros em grandes centros da Europa, como Espanha, Inglaterra e Itália será sempre restrito.

Para que isto ocorra, para além de uma abordagem simplista e esquemática de um mero posicionamento inerte de abordagens - tipo 3-5-2 x 4-4-2 -, está um conceito mais amplo, a mudança de paradigma de treino para uma verdadeira integração no treinamento sob luz dos estudos que se faz no mundo (Oliveira,2004).

A função de treinador é muito maior que escolher 11 jogadores e sete reservas; é muito maior que escolher o esquema tático fixo, que só serve como desenho inicial de um jogo, que só se vê no início de cada tempo. Isto é coisa do passado: futebol é muito mais que isto.

O treinador tem que ter um grau de conhecimento que possa perceber que o futebol é dinâmico, e a forma e o conhecimento da maneira de se treinar e jogar são fundamentais para o sucesso. Se não for desta forma de pensar futebol, qualquer um, com todo respeito, estará habilitado a exercer a função de treinador.

*Renato Alvarenga possui mestrado e doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e é treinador do Resende

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Benê Lima