Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, fevereiro 06, 2010

Luis Henrique de Moraes, preparador de goleiros das categorias de base do Corinthians
Profissional do Corinthians aborda metodologia, integração de áreas e "status" da função
Bruno Camarão

Formado no Vitória, Felipe é o dono da camisa 1 do Corinthians há três temporadas e seguirá como titular da equipe comandada por Mano Menezes em 2010. Mas caso necessite recorrer a um substituto imediato do atleta, o treinador não terá problemas: pelo menos é o que garante Luis Henrique de Moraes, preparador de goleiros das categorias de base do clube paulista.

À exceção do goleiro baiano, todos os outros três componentes do gol alvinegro no departamento de futebol profissional provieram do chamado “terrão”. São eles: Julio Cesar, Rafael Santos e Danilo. Fruto de um trabalho bem desenvolvido pelo ex-arqueiro e de uma sintonia fina com a metodologia da equipe principal.

“Nunca teve aqui no Corinthians uma integração como agora. Nós, da base, somos ouvidos, hoje”, revelou Luis Henrique, nesta entrevista concedida à Universidade do Futebol.

Formado em Educação Física e com pós em treinamento desportivo, ele vislumbra agora a conclusão de um mestrado, pautado na defesa do chamado “Pênalti Perfeito”, estudo capitaneado pelo Prof. Dr. Ronald Ranvaud, do grupo de esportes do Laboratório de Fisiologia do Comportamento da USP.

Sem uma carreira como atleta muito grandiosa – rodou por alguns clubes do interior de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul –, Luis Henrique viu surgir à sua frente a possibilidade de se consolidar na área técnica. Estudou, preparou-se, até surgir a oportunidade de assumir a preparação de goleiros do time sub-18 do Corinthians.

“Primeiramente, o segredo está não na formação, mas na avaliação. Ao ser avaliado corretamente, aquele atleta terá um período próprio de maturação e desenvolvimento. Mas o ‘ser goleiro’ dele tem de existir. Algo que provém do interior, mesmo, da alma”, sentenciou.

Além de afirmar, “com tranquilidade”, que o Corinthians hoje tem uma escola de goleiros, Luis Henrique abordou sobre sua metodologia de treinamento, a evolução da função e a falta de prestígio da categoria.

Universidade do Futebol - Qual a sua formação acadêmica e a trajetória profissional até chegar ao departamento amador do Corinthians?

Luis Henrique de Moraes – Como goleiro profissional, tive uma passagem rápida pelo São Paulo, não me adaptei muito e fui para o União São João. De lá, me transferi para o Lemense, onde não joguei por conta de uma lesão de joelho. Em seguida, atuei pelo Pirassununguense, joguei o campeonato da segunda divisão e fui bem. Mudei para o Estado do Paraná, defendendo o Apucarana e o Pinheiros, lá, depois o Caxias, no Rio Grande do Sul, onde fui vice-campeão gaúcho. Queria jogar, era reserva, e acabei pedindo para ser emprestado.

Retornei ao Lemense, em 1990, e no meio do ano regressei ao Caxias, para disputar as finais do Campeonato Gaúcho na vaga do Barbiroto, que estava lesionado. Mas uma falha jurídica no contrato me impediu de jogar. Ainda disputei a Série C do Campeonato Brasileiro por lá e, após umas discussões com a comissão técnica e alguns problemas de indisciplina, parei. Tinha 22, 23 anos.

Era casado, minha ex-esposa iria ter minha segunda filha e voltei pra São Paulo para trabalhar com meu pai. Em 2001, o Pirassununguense, por quem eu me profissionalizei, tinha feito uma parceria com o Guarani e estava precisando de um preparador de goleiros, por conta da estrutura ainda falha. Mas ainda nada sério.

Fui, e peguei gosto. Comecei a observar os outros profissionais que trabalhavam na área, cheguei a fazer um estágio no União São João. Em 2003, o seu Ladeira [Adailton, hoje coordenador das categorias de base do Corinthians], teve uma passagem de dois meses pelo Pirassununguense. Gostou do modo como eu atuava e disse que me daria uma oportunidade se fosse para um clube grande e houvesse possibilidade.

Sou natural de Rio Claro e hoje vivo em Santa Cruz da Conceição, entre Leme e Pirassununga, e todo fim de semana retorno para lá. No Corinthians, em 2006, com o Ladeira à frente da base, fui contratado, ano em que me formei em Educação Física, pela Uniararas, de Araras-SP.

Fiz depois Pós-Graduação em Treinamento Desportivo na UniFMU, em São Paulo, e estou prestes a encarar um mestrado de fisiologia humana na USP.



Felipe, Julio César, Rafael Santos e Danilo brincam com Mauri Costa: bom relacionamento dos pratas-da-casa e integração entre departamentos é chave do sucesso

Universidade do Futebol - De que se trata esse mestrado?

Luis Henrique de Moraes – É algo novo para mim. Não me imaginava fazendo um mestrado. A partir do II Congresso Brasileiro de Ciências do Futebol, em uma conversa com o professor Ranvaud, surgiu essa ideia*.

A partir do estudo do professor sobre o “Pênalti Perfeito”, eu propus a preparação do goleiro para a chegada nesta finalização ideal. Soa como um contrasenso, mas se tem a velocidade da bola, é possível estudar a velocidade que o goleiro tem de ter para chegar nela.

Antes de o goleiro ser rápido e forte, ele precisa ter leitura de jogo. Alguns aspectos, como o ponto de não retorno, pode ser analisado. Se o goleiro for rápido, forte para ir na bola, e conseguir analisar o chute do atacante alguns milésimos de segundo antes, creio que é possível efetuar essa intervenção.

Os estudos vão de encontro ao que o futebol quer. As bolas se tornam mais rápidas, o campo favorece aos jogadores de ataque. Mas não tenho de reclamar, e sim, trabalhar. E o meu mestrado irá por esse caminho.

*Nota da redação: Ronald Ranvaud é pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. Na avaliação dele, o pênalti pode ser a representação da máxima habilidade perceptuo-motora de um jogador adquirida através de treino, não sorte.

Universidade do Futebol - Como se dá a interação entre o departamento amador e o profissional no Corinthians? Qual a diferença entre a metodologia empregada pelo Mauri Costa Lima, preparador de goleiros do profissional, e o que você faz? Existe um contato entre as duas categorias?

Luis Henrique de Moraes – Em tese, a preparação é a mesma. Na parte técnica, não há diferenças. O que a gente se dispõe no departamento de formação é preparar o atleta para chegar em boas condições no Parque São Jorge [onde treinam os jogadores da categoria principal].

Aumentar a vida útil dele, em termos físicos, principalmente, é a nossa meta. Realizamos um trabalho totalmente específico. Possuímos quatro preparadores de goleiro para cinco categorias: um na base (sub-11, sub-12 e sub-13), passando por infantil e juvenil, o que atua com os juniores e o mesmo do infantil no sub-20, criado recentemente.

Dentro disso, realizamos um trabalho sequencial e de adaptação contínua, para que o atleta chegue bem na fase do alto rendimento. São exercícios de fortalecimento do Core, músculos estabilizadores do tronco. O fortalecimento desses músculos mantem a coluna vertebral estável e protegida para movimentos, sujeitos a fortes impactos.

O trabalho específico é físico com transferência para a parte técnica. Primeiro uma base de força - o goleiro necessita de força máxima para depois chegar à força explosiva. Nesta primeira etapa, há um processo de recrutamento de fibras.

São realizados testes de RM [repetição máxima] para se chegar à força máxima do atleta. Os trabalhos serão prescritos ao atleta a partir de 90% desse RM. A cada dez sessões de treinamento, acrescento 10% da carga, e assim por diante, durante oito semanas.

A força máxima não é trabalhada de uma forma específica dentro dos trreinamentos dos goleiros, entretanto acredito que a aplicação dela gera uma adaptação positiva para a aplicação das cargas de força explosiva.

A partir daí, com o recrutamento dessas fibras, lenta, intermediária e rápida, buscamos as últimas. E trabalhamos sequencialmente o treino de força explosiva.

O fortalecimento do Core já começa no sub-13. O gesto motor do agachamento é simulado, também. No infantil, iniciamos com uma carga bem pequena, como se fosse um RML** (Resistência Muscular Localizada), priorizando as repetições. No juvenil, colocamos mais carga, trabalhando a hipertrofia. Vai se trabalhar com uma intensidade maior no sub-18, no qual entramos com o trabalho de força máxima. Aí não há mais adaptação: é alto rendimento total.

** Nota da redação: É a capacidade do músculo de exercer tensão durante período de tempo, que pode ser constante ou variável, tentando manter o movimento por tempo prolongado ou fazendo muitas repetições.

Universidade do Futebol - Quando o departamento de formação tem a real percepção de que o goleiro está pronto para ingressar no grupo principal?

Luis Henrique de Moraes – A evolução é constante. Se você chega ao ponto em que o goleiro está em plena evolução e há a sensação de que ele ainda pode ser desenvolvido, é a hora. O Rafael [Santos] e o Danilo subiram em um estágio, com reparos técnicos, obviamente, com possibilidade de melhorarem ainda mais. Mas no profissional, e não mais para a realidade da base.

Nunca teve aqui no Corinthians uma integração como agora, tanto que temos três goleiros formados no nosso departamento que compõem o grupo profissional. Nós, da base, somos ouvidos, hoje.

Além de eu considerar o Mauri um dos melhores preparadores de goleiro do Brasil, ele é um amigo. Sempre me dá liberdade e muitas vezes sou convidado a suprir a ausência dele no profissional. Fico muito feliz por essa relação de companheirismo.

Universidade do Futebol - Que tipo de perfil para a posição o Corinthians busca na transição das equipes de baixo para o departamento profissional? De que forma os atributos trabalhados na base se diferenciam, no que tangem as atividades práticas, do que é realizado na equipe principal?

Luis Henrique de Moraes – Primeiramente, o segredo está não na formação, mas na avaliação. Ao ser avaliado corretamente, aquele atleta terá um período próprio de maturação e desenvolvimento. Mas o “ser goleiro” dele tem de existir. Algo que provém do interior, mesmo, da alma.

Se ele preencher esses requisitos, cabe a ele ser trabalhado dentro da cultura do clube. Hoje, pode-se dizer tranquilamente que o Corinthians tem uma escola de goleiros.

A filosofia do nosso departamento é avaliar goleiros jovens, até uns 14 anos, trazê-los para o clube e participar diretamente no processo de evolução. Avaliando perfil psicológico, claro, capacidade técnica, física, com uma altura compatível – um goleiro de 1,70 m não vingará, certamente.

No nosso departamento, temos goleiro nascido em 1995 com 1,89 m. A altura é um limiar, funciona como uma nota de corte. Por melhor que o goleiro seja nos quesitos técnicos. Chegará um momento em que haverá a seleção e o mais baixo terá mais dificuldades de vingar no principal.

Há um acompanhamento fisiológico no processo. O Portella [Daniel], por exemplo, que trabalha no profissional, foi literalmente criado no “terrão”. Foi fisiologista das categorias de base e conhece todos os dados de Boquita, Marcelinho, Dentinho, cujas evoluções ele vivenciou de perto.

Há goleiro no amador que em um ano cresceu 13 cm. Em contrapartida, outros que não cresceram sequer um. Certamente, estes terão menos chances.

Entrevista com Daniel Portella, fisiologista do Corinthians

Universidade do Futebol - Notadamente, os preparadores de goleiro se dividem entre o isolamento e a integração nos treinamentos. Como adequar os trabalhos específicos para os atletas dessa posição e o projeto mais global, desenvolvido para o grupo, como um todo, com o restante da comissão técnica?

Luis Henrique de Moraes – A relação da preparação do goleiro com a preparação física coletiva é totalmente integrada. Essa metodologia que temos no Corinthians em relação aos goleiros só existe, pois o departamento de preparação física já tinha uma estruturação consolidada.

Minha metodologia se consolidou e só passou a existir a partir de uma adaptação ao que era realizado pelo professor Sandro Sargentim, que é coordenador da preparação física do departamento de formação de atletas.

As trocas de informações entre nós é constante. Estamos evoluindo. Outros clubes possuem escolas de goleiros mais consolidadas, mas efetuamos um projeto muito bem consistente, não tenha dúvidas.



André Dias levanta o trofeu: camisa 1 foi destaque na campanha de 2009 da Copa São Paulo de Futebol Júnior e pode ingressar o profissional


Universidade do Futebol - Esta classe, a de preparador de goleiros de futebol, é unida? Entre vocês, não há um diálogo constante em relação ao que é realizado por cada agremiação?

Luis Henrique de Moraes – As únicas vezes que nos encontramos para conversar são nos próprios jogos, e fica algo muito fechado. Eu trabalho no CT do Corinthians, o Luis, no do São Paulo, o Carlos, no do Palmeiras, e minha maior angústia é a desvalorização da nossa profissão com essa falta de união.

Não digo nem do lado financeiro, mas profissional, mesmo. Somos vinculados a um mero chutador de bolas, e não à forma como você se aplica aos treinamentos, à metodologia que é empregada nesse processo.

Não é por aí. Nós, ex-goleiros, temos uma experiência como atletas, mas vivemos um outro status. É outra função. Houve uma especialização, uma busca por novos conhecimentos para melhorar o trabalho, e procuramos ser enaltecidos por isso.

Agregar o conhecimento de outros profissionais é muito importante, não é demérito, muito pelo contrário. É necessário buscar novas informações com alguém que também atue diretamente com goleiros.

Essa função foi criada no Brasil, na década de 70, pelo professor Valdir de Moraes, e a partir de uma ideia iniciou-se o processo de evolução do goleiro brasileiro. Tanto que hoje o melhor da posição no mundo é nascido em nosso país.

Até pouco tempo, os goleiros brasileiros eram vistos como covardes, sem atitude, e atualmente há uma valorização da capacidade técnica deles, com muitos ocupando posto de titular em grandes equipes da Europa.

Um ponto que questiono é o fato de não podermos ficar no banco de reservas. Nada mais gratificante do que ter seu trabalho reconhecido, vendo seu goleiro jogando. Sou graduado, especializado em treinamento, especialista naquela função que eu faço, e não posso compor a comissão técnica em campo.

O goleiro carece também de um olhar, de uma conversa, de uma instrução, em determinados momentos. E só posso fazer isso nos vestiários, no intervalo. Aquecemos com os goleiros e depois subimos para a arquibancada. O ápice da semana é o jogo, e ficamos afastados disso.

Universidade do Futebol - O Julio César, que está na Inter de Milão e foi formado no Flamengo, é o melhor goleiro do mundo? Quais as principais valências que você enxerga nele?

Luis Henrique de Moraes – Tecnicamente falando, o Julio César é melhor do que qualquer um na Europa, em fundamentos, em uma empunhadura, uma entrada de bola, uma travada, fruto do aprendizado e da maturação no Brasil. Buffon, Casillas e tantos outros são referenciais, também, mas a postura do Julio na forma de jogar o coloca na frente deles.

Universidade do Futebol - Em uma palestra durante o II Congresso Brasileiro de Ciências do Futebol, o Mauri apontou que a pior coisa para o profissional do gol é saber o que ele terá de fazer no dia seguinte, e no próximo, tornando aquela rotina mais desgastante do que ela propriamente é. Isso ocorre também na base? Como você trabalha sua “criatividade”?

Luis Henrique de Moraes – Eu costumo falar que quando eu chego com um treinamento novo é porque eu tive uma noite mal dormida, ocorreram lampejos e precisei anotar para efetuar no dia seguinte. O conteúdo é basicamente o mesmo, mas há necessidade de variar as formas.

A rotina já é árdua, o treinamento de goleiro desgasta muito e se você não conseguir chamar a atenção deles para que o trabalho flua de uma maneira mais “descontraída”, para que haja um melhor aproveitamento de cada atividade, encontrarei problemas, certamente.


Universidade do Futebol - A tomada de decisão é um diferencial para o goleiro? Como se trabalhar essa capacidade que engloba quesitos técnicos, táticos e físicos a partir das exigências de habilidade e velocidade?

Luis Henrique de Moraes – O goleiro que se decide mais rápido é o que sobressai. Não diria que existe um trabalho, ou melhor, uma atividade específica para se potencializar esse quesito. No dia-a-dia, na orientação, mostrando o traçado correto de uma movimentação, por exemplo, é que a nossa atuação tem importância.

Em um cruzamento à área, com vários jogadores dentro dela, indico ao goleiro, me posicionando atrás do gol, qual o melhor traçado, o melhor momento para que ele possa agir com propriedade.

Fazer a leitura correta do jogo, saber a hora de intervir, e a velocidade de decisão, são pontos extremamente importantes e que diferenciam um goleiro do outro.

Universidade do Futebol - E como funciona o contato entre o treinador principal, que não está cotidianamente com ele, e o seu goleiro?

Luis Henrique de Moraes – Hierarquicamente falando, o treinador é o comandante geral dentro do contexto. É necessária uma confiança entre ele e eu. Se o goleiro erra uma reposição, por exemplo, em um treinamento ou no jogo, e há a cobrança direta por parte do treinador, eu me apresento para orientar o atleta posteriormente. A comissão técnica trabalha conjuntamente em prol da vitória. Sem melindres ou colocando questões pessoais acima do coletivo.

Universidade do Futebol - Desde as vestimentas, dos treinos diferenciados e aparentemente mais exaustivos do que os do restante do grupo, até a pouca interação, o goleiro é um jogador absolutamente particular. Em termos psicológicos, você crê que há necessidade também de um trabalho específico com esse atleta, seja no processo de formação, seja já consolidado, como profissional?

Luis Henrique de Moraes – O departamento de futebol amador não conta com um psicólogo hoje. O goleiro, em si, tendo uma vivência dentro do clube, que é de massa e exige muito, de uma categoria para a outra, vai obtendo uma base psicológica muito consistente.

Logicamente que seria importante a presença de um profissional especializado para efetuar um trabalho nessa área, mas a razão pela qual não contamos com um se apega a questões administrativas, da diretoria, e eu prefiro não me envolver.

Creio que nós, dentro de campo, realizamos um trabalho bem feito. E os integrantes da comissão técnica são capacitados e conseguem pelo menos auxiliar os atletas nesse quesito mental.

Universidade do Futebol - O futebol também é caracterizado pela realização de esforços de alta intensidade e curta duração, intercalados com outros de menor intensidade e duração variada. Isso é ainda mais sentido pelos goleiros?

Luis Henrique de Moraes – Sim, nosso sistema de trabalho é anaeróbio alático - estímulos curtos e intensos***. A força explosiva é o nosso alvo, e antes de essa metodologia ser criada no Corinthians, o goleiro passava por aquela adaptação na parte física com o restante do grupo, por cerca de 10 dias, para depois iniciar o trabalho comigo.

Vi que era uma perda de tempo e ele teria de se adaptar novamente ao meu trabalho. A parte física específica aos goleiros é aplicada por mim aqui no Corinthians. Não é chavão: os goleiros aqui são os primeiros a chegar e os últimos a saírem.

***Nota da redação: Sistema Anaeróbio Alático (ATP/CP) é o sistema de energia imediata do corpo. Predomina em esforços explosivos, ou seja, movimentos que necessitam de rapidez e força, como interceptar uma bola de futebol que venha na direção da pessoa velozmente ou correr intensamente por poucos metros para tomar um ônibus. É caracterizado pelo ATP (Adenosina Trifosfato) e CP (Creatina Fosfato).

O ATP é a forma imediata disponível de energia necessária para a contração muscular e ação motora. É usado para todos os processos que requerem energia nas células do corpo (Brooks, 1998). O ATP é desintegrado resultando em: (ADP + P).

A creatina fosfato (CP) é uma molécula semelhante ao ATP, a qual é desintegrada liberando uma grande quantidade de energia da seguinte maneira: (C + P). A função da creatina fosfato é ceder o fosfato resultante de sua decomposição para a molécula de ADP (adenosina difosfato), sendo que desta forma a energia e reconstruída após as novas ligações.

De acordo com Dantas (1998), é a maior quantidade de creatina fosfato estocada na célula que permite que o sistema anaeróbico alático tenha uma duração um pouco mais longa.

Segundo Fox et al(1989), o restabelecimento destas ligações, ou seja, o tempo que o sistema ATP/CP necessita para se recompor é de 3 a 5 minutos.

Universidade do Futebol - Em alguns clubes no Brasil, parte das comissões técnicas e outros departamentos são permanentes. Como você vê essa característica na formação desses profissionais de apoio? É uma tendência, ou varia de caso a caso para obtenção de sucesso?

Luis Henrique de Moraes – Eu acredito que seja uma tendência. Para haver uma sequência de trabalho da base para o profissional, é interessante que haja uma equipe de cima acompanhando esse processo. Inclusive em relação à preparação específica de goleiro.

Esse trabalho de força que realizamos no departamento amador, com o intuito de aumentar a vida útil do atleta, como comentei, submete o atleta a um esforço muito grande e que compromete seu rendimento por um período de tempo.

Após esse período de catabolismo, que é possível ser realizado nas categorias de formação, o goleiro vai ingressar no profissional, onde as partidas são realizadas quase que duas vezes por semana e o tempo de treinamento é mais escasso, sem traumas.


Titular por mais de uma década, Ronaldo talvez tenha sido o maior fruto das categorias de base do Corinthians em relação à posição de goleiro


Universidade do Futebol - Como você avalia a evolução na posição, de que forma trabalha especificamente o uso dos pés e a inserção do goleiro na plataforma de jogo da equipe?

Luis Henrique de Moraes – O goleiro já tem uma responsabilidade muito grande que é a de defender, ser o último homem do sistema. Com a mudança da regra, tornou-se muito mais difícil o trabalho e o jogo ficou muito mais dinâmico.

Quem repõe bem a bola e inicia com qualidade a saída de jogo, torna-se o primeiro atacante da equipe, também. Se o goleiro não trabalhar especificamente esse fundamento hoje, que tem de ser realizado na base, perde o valor e é visto com descrédito.

São trabalhos específicos de reposição com os pés, com as mãos, domínio de bola, tiro de meta, etc. Antigamente, não se dava importância ao tiro de meta – o próprio zagueiro era quem batia e o time acabava perdendo um jogador em sua primeira linha.

O jogador é orientado a ter um referencial e efetuar o chute com jeito. As bolas são projetadas para irem mais rápido, e não há necessidade de ter força.

Quando há uma marcação mais avançada do adversário, os defensores se veem obrigados, muitas vezes, a recuar a bola ao goleiro. E este tem que ter tranquilidade, mostrar-se como uma opção, de fato, e retomar a articulação da jogada.

Estivemos recentemente disputando um campeonato na Espanha, e percebemos o goleiro de uma equipe local jogando muito adiantado, como um quarto homem de defesa. O tipo de ação é mais longa lá. Então, há lançamentos e cruzamentos com mais constância. Diferentemente daqui: algo cultural e adaptável.

Universidade do Futebol - Em relação às “paradinhas”, como os goleiros corintianos são preparados para minimizar a chance de êxito do atacante com esse procedimento? Há alguma técnica particular para o embate cobrador-defensor naquele momento de penalidade máxima?

Luis Henrique de Moraes – Na minha opinião, se for validada a “paradinha”, por que não permitir também ao goleiro um passo à frente, e não apenas a movimentação lateral? Claro que isso vai de encontro à lógica do futebol moderno, de valorizar o número de gols, mas, como preparador dos atletas dessa função, busco defendê-los.

A orientação é para que eles não saiam antes. Se há o “Pênalti Perfeito”, não há possibilidade de defesa, mesmo saindo antes. Agora, os chutes mal feitos podem ser pegos. Alguns pontos que o atacante oferece são treináveis, como o posicionamento do tronco, o olhar, o modo de girar o quadril, o pé de apoio, etc.

No profissional, ainda há o embasamento tecnológico. Podem-se analisar, via vídeo, os dez últimos pênaltis que o jogador de uma grande equipe que você irá enfrentar bateu. Nós, na base, não temos essa possibilidade.

Por isso que oriento os atletas a terem paciência e buscar alguns parâmetros no comportamento do chutador a fim de aumentar a chance de defesa.

Ao vislumbrar o que o atacante vai fazer, é necessário agir no momento exato. Não basta ter uma capacidade de leitura excelente e um gesto motor antecipado. O atacante pode driblar e virar o pé no chute. Gerar uma questão de dificuldade no adversário é o que importa.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo tema abordado.
    O treinamento de goleiros é rico e fascinante. É gratificante vermos a evolução de um atleta com ações tão específicas como o goleiro. Podemos traçar paralelos com esportes individuais como a natação e o atletismo, por exemplo, onde podemos administrar treinamentos e monitorar e controlar a performance destes atletas.
    É fato que a evolução dos goleiros brasileiros deveu-se ao surgimento dos treinadores de goleiros.Como dito na matéria: Valdir de Moraes em São Paulo e,no Rio de janeiro,Raul Carlesso ambos na década de 70.
    Ocorreu um salto de qualidade de nossos atletas a partir da introdução de métodos científicos aos treinamentos.
    Precisamos ser mais VALORIZADOS !
    Grande abraço !
    Ass.: Rommel Araujo de Oliveira
    Treinador de goleiros do América FC - RJ ( Juniores ).
    CREF 11478 G/RJ
    e-mail> rommelaraujo@hotmail.com

    ResponderExcluir

Obrigado por seu comentário.
Em breve ele será moderado.
Benê Lima