Devemos incluir em nossas discussões o legado sócio-cultural e educacional para nossa juventude tão apegada ao futebol e a outras modalidades
Marcos Boccatto
O propósito deste texto é defender o processo de democratização do esporte, em especial do futebol, contra o corporativismo defendido e propagado pelas minorias de formação elitista, que vem espalhando pelo Brasil afora sua política de exclusão daqueles que desenvolvem trabalhos de formação no futebol amador e social em locais não atendidos pelos “PhD’s”.
Sou licenciado em Educação Física, mas destaco que fui graduado para ser professor e não técnico ou treinador. Nem poderia, já que nos cursos regulares, via de regra, temos apenas 60 horas/aula de futebol, com conteúdo absolutamente insuficiente para garantir muita vantagem em relação, por exemplo, a ex-jogadores que vivenciam mais do que estas 60 horas em menos de um mês em seus clubes durante sua vida profissional como atletas.
O Brasil possui 5.565 municípios e tem apenas 746 escolas de Educação Física. Entendemos que um processo mais democrático e socializante da formação esportiva dos agentes formadores de nosso “país do futebol”, exige a criação de Cursos Técnicos Profissionalizantes.
Gostaria que o prezado leitor atentasse para as questões listadas abaixo, numa tentativa de sintetizar o histórico do futebol em relação à “profissão” do treinador de futebol:
• O futebol, esporte desenvolvido originariamente há mais de 3.000 anos na China e no Japão, era à época treinado por militares já com conhecimentos específicos; posteriormente, em 1983, quando organizado e regulamentado pelos ingleses na forma semelhante ao que é jogado hoje, contava já com a presença da figura do treinador.
• Em nosso país, dados oficiais dão conta que o início desta prática de forma sistemática teve início em 1894, quando Charles Muller trouxe da Europa as duas primeiras bolas e criou o São Paulo Atlhetic, onde jogava e acumulava a função de treinador.
• Em 1902, a Liga Paulista de Foot-ball já contava com várias equipes organizadas, e em 1907 o C. A. Paulistano contratou o inglês John Hamilton como técnico de sua equipe, tornando-se o 1º treinador estrangeiro a atuar no Brasil.
• O atual S. C. Corinthians Paulista, na sua partida inaugural em setembro de 1910, já tinha como técnico oficial Rafael Perrone. No primeiro jogo internacional do Corinthians contra o Torino da Itália, em 1914, o treinador nominado em súmula do alvinegro era Casemiro Gonzáles.
• Na I Copa do Mundo de Futebol oficial promovida pela Fifa, em 1930, o time brasileiro teve como seu treinador oficial o ex-jogador de futebol e médico sanitarista Píndaro de Carvalho. Como curiosidade: ele obteve quatro vitórias e uma derrota.
• A primeira Escola Superior de Educação Física do Brasil foi fundada em 1931 e somente teve suas atividades iniciadas em 1934, junto à Força Pública do Estado de São Paulo.
Portanto, caro leitor, podemos verificar que o fato é histórico: a profissão de treinador de futebol já existia bem antes de que a primeira Escola de Educação Física fosse inaugurada.
A Lei 8.650 de 1993, que regulamenta a profissão de treinador de futebol, foi promulgada e assinada pelo presidente da República, Itamar Franco, cinco anos e meio antes da Lei 9.696 de 1º de setembro de 1998, que veio regulamentar a carreira do professor de Educação Física.
É bom destacar que não lutamos pela não qualificação dos profissionais, mas sim pela inclusão e pelo direito pleno ao trabalho e a formação daqueles que um dia foram os protagonistas das emoções e alegrias de suas cidades, pelos direitos daqueles que por pura falta de oportunidades (e muitas vezes até pela inexistência de instituições de ensino superior na região) não puderam concluir sua graduação acadêmica. Defendemos e lutamos, portanto, pela implantação e desenvolvimento de cursos profissionalizantes que proporcionem a todos envolvidos no esporte a formação continuada (meta estabelecida pelo ME).
Vejamos a questão da obrigatoriedade dos clubes formadores na formação educacional de seus jovens atletas. O exemplo de Neymar, jovem talento revelado pelo Santos F.C., é bem sintomático em relação ao que queremos demonstrar. Desde os 12 anos de idade este atleta está dentro de um clube de futebol e mesmo não tendo idade e maturidade para tal, já fez, aos 12 anos, sua opção profissional. Cabe, portanto, a pergunta: por que não ter na sua formação escolar de segundo grau a possibilidade de frequentar um curso técnico-profissionalizante?
Reforçando esta tese: destacamos o texto final da II CONFERÊNCIA NACIONAL DO ESPORTE, organizada pelo ME em 2005, onde foi aprovada em plenária a efetivação do Agente Comunitário de Esporte e Lazer. Devemos também considerar que em cada município do Brasil existe pelo menos um time de futebol, que em sua totalidade forma um contingente nacional de milhares de jovens potenciais profissionais do esporte.
Defendemos, desta forma, que os Violas, Sócrates, Atalibas, Pitas, Zé Sérgios, Serginhos, Reinaldos, Dungas, Raís, entre tantos outros ex-atletas não tão conhecidos, tenham a oportunidade de, legalmente, se qualificarem e se prepararem para continuar contribuindo com a modalidade, transmitindo seus conhecimentos e habilidades, aprimoradas nos aspectos pedagógicos e metodológicos em cursos profissionalizantes disponibilizados a este enorme contingente que, de outra forma, acabam em grande parte sendo marginalizados.
Temos pela frente um período Pré-Copa de 2014 no qual as preocupações com estádios, trens-bala e aeroportos não devem ser únicas, mas devemos incluir em nossas discussões o legado sócio-cultural e educacional para nossa juventude tão apegada ao futebol e a outras modalidades esportivas.
Tenho a convicção de que estimular e apoiar a construção de políticas públicas para o futebol e o esporte, de forma geral, numa direção que favoreça a implantação de uma Educação continuada esportiva, parece ser o caminho mais adequado para contribuir no processo de consolidação democrática em nosso país.
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Benê Lima